Por Joris Leverink, da IPS –
Istambul, Turquia, 17/3/2016 – Um contingente fortemente armado da polícia abriu caminho até a sede do jornal Zaman, nesta cidade turca, e dispersou com violência as centenas de pessoas que haviam se reunido diante do edifício para expressar sua solidariedade. A intervenção no grupo de comunicação Fezza, que inclui o jornal em inglês Zaman e a agência de notícias Cihan, foi ordenada por um tribunal de Istambul e realizada na tarde do dia 4 deste mês.
O primeiro-ministro, Ahmet Davutoğlu se apressou em esclarecer que o fato não teve a menor motivação política. “Foi um processo totalmente judicial. Ninguém deve ter dúvida alguma quanto à liberdade de imprensa na Turquia”, afirmou o governante em entrevista transmitida pela televisão no dia 3 deste mês.
Apesar da fala do primeiro-ministro, poucos observadores têm dúvidas sobre o fato de a intervenção ser uma manobra política do governante Partido da Justiça e do Desenvolvimento (AKP) com a finalidade de silenciar um dos meios de comunicação mais ativos e influentes do país. Com tiragem de 650 mil exemplares, a maior da Turquia, além de seus estreitos vínculos com o movimento Güllen, outrora aliado e atual inimigo do AKP, o Zaman representava uma ameaça para o governo.
A intervenção no maior diário da Turquia ocorreu em um momento crítico para o país. Um conflito violento, que já deixou centenas de mortos, acontece no leste do país. Milhões de refugiados expulsos pela guerra da Síria cruzam a fronteira para a Turquia, muitos com a esperança de seguir viagem para a Europa, com ou sem documentos legalizados.
O editor doZaman, Mustafa Edib Yilmaz, entende que há três razões que explicam o sucedido neste momento: as disputas internas no AKP, a dependência da comunidade internacional na Turquia para deter o fluxo de refugiados para a Europa, bem como a luta contra o Estado Islâmico e, por fim, a possibilidade de um referendo instalar o regime presidencial no país.
O AKP, encabeçado pelo presidente Recep Tayyip Erdoğan, está em uma encruzilhada em busca de consolidar seu poder diante da oposição interna dentro de seu partido, e da do país em geral, contra seu regime de mão dura, o chefe de Estado recorre a medidas cada vez mais extremas para conservar o controle.Segundo Ylmaz, “se alguém está há tanto tempo no poder, sem adversários nem desafios, poderia ficar obcecado tanto com o poder que detém, que poderia resistir para não perdê-lo”.
O economista Dani Rodrik, professor de economia política internacional da Fundação Ford, na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, acredita que para Erdoğan pouco importa a reação da comunidade internacional em relação ao seu país por sua controvertida política interna.“Ele e seu entorno acreditam que têm as cartas mais importantes em sua jogada com a Europa e os Estados Unidos, e que podem fazer o que querem na área interna sem consequências”, opinou. “E as declarações surdas emitidas desde a União Europeia, após a intervenção no Zaman, sugerem que não estão muito equivocados”, acrescentou.
A intervenção no grupo Feza foi o último de uma série de episódios que vulneram a liberdade de imprensa na Turquia, que ocupa o 149º lugar entre 180 países na Classificação Mundial de Liberdade de Imprensa. Exatamente uma semana antes de a polícia invadir este jornal, o satélite da IMC TV, com sede em Istambul, foi tirado do ar a pedido de um promotor de Ankara por sua suposta “propaganda terrorista”.O canal realizava uma grande cobertura do conflito que acontece no leste do país.
No dia 20 de janeiro,a IMC TV ganhou fama internacional depois que o exército disparou na perna de um de seus cinegrafistas, Refik Tekin, enquanto filmava na cidade sitiada de Cizre. Além disso, a emissora foi retirada do ar de forma abrupta durante uma entrevista ao vivo com os jornalistas Can Dündar e Erdem Gül, do jornal Cumhuriyet, recém-liberados de uma prisão preventiva de 92 dias. A libertação de ambos foi ditada por um Tribunal Constitucional que determinou que sua detenção era ilegal.
Entretanto, o processo segue seu curso e poderão ser condenados à prisão perpétua por denunciarem que o governo da Turquia enviava armas secretamente para os rebeldes sírios.Porém, por mais controvertidos que sejam os dois exemplos expostos, não são nenhuma novidade para Rodrik. “O estado da democracia e o estado de direito estão em queda na Turquia desde meados de 2005, e o motivo paraque alguns não se deem conta disso é que não prestam muita atenção”, destacou.
Yilmaz se mostrou pessimista sobre o futuro, tanto para seu jornal quanto para seu país. Nos dias seguintes à intervenção no Zaman, sua tiragem caiu para quatro mil exemplares, e a previsão é que continuará diminuindo nos próximos meses, “porque não há demanda para um Zaman favorável ao governo, apenas para um Zaman crítico”, afirmou.Seu prognóstico é que o jornal quebrará e fechará, como já aconteceu com o Bugün e o Millet, que sofreram intervenção e foram transformados em porta-vozes do governo em outubro de 2015.
Ao juntar todas as peças, o conflito no leste, a guerra na vizinha Síria, as más relações com a Rússia, a crise de refugiados, a campanha contra a imprensa e a atual crise política interna, Yilmaz pontuou que a Turquia “está à beira de um grande desastre”.Rodrik, por sua vez, prevê o afundamento da Turquia há vários anos, e reafirmou que a “única dúvida sobre o futuro é se será a política interna, a estrangeira ou a economia que implodirá primeiro”.
Embora a crise econômica possa estar já na esquina, “os colapsos em matéria de política interna e externa já ocorreram. Mas até agora não houve um desenlace econômico em grande escala”, concluiu Rodrik. “Quando ocorrer, Erdoğan responderá da única forma que sabe, polarizando o país e exacerbando suas divisões”, enfatizou. Envolverde/IPS