Internacional

Incêndios deixam milhares sem escola

Por Stella Paul, da IPS – 

Kulgam, Índia, 6/12/2016 – Mariya Sareer, de 12 anos, tenta ler o mais que pode antes de escurecer. Já se passaram quase cinco meses desde que esta aluna da sétima série de Shurat, um povoado que fica 70 quilômetros ao sul da cidade de Srinagar, foi à escola pela última vez, por causa do violento conflito político que atinge o Estado de Jammu e Caxemira, na Índia.

“Estudar assim é difícil. Não sei em que me concentrar. Meus resultados não serão tão bons como antes”, contou a jovem, que sempre foi a melhor aluna de sua classe. Seus irmãos, Arjumand, de nove anos, e Fazl, de seis, que frequentam a mesma escola, concordam com movimentos de cabeça.

Shugufta Barkat e seu irmão Rasikh Barkat, ex-professora e aluno, respectivamente, da escola secundária pública de Kulgam, um dos centros de ensino da Caxemira que foram incendiados recentemente. Foto: Stella Paul/IPS
Shugufta Barkat e seu irmão Rasikh Barkat, ex-professora e aluno, respectivamente, da escola secundária pública de Kulgam, um dos centros de ensino da Caxemira que foram incendiados recentemente. Foto: Stella Paul/IPS

 

Mariya continua sendo mais afortunada do que muitos de seus amigos. Embora sua escola – o Instituto Taleem-Ul-Islam Ahamadiyya – esteja fechada há mais de quatro meses, o prédio continua em pé. Mas milhares de estudantes já não têm aula porque suas escolas foram destruídas por incêndios intencionais.

As escolas da Caxemira fecharam no dia 6 de julho para o Eid ul Fitr, um dia festivo muçulmano, e estava previsto reabrirem pouco depois. Mas a violência começou em todo o vale quando Burhan Wani, um jovem guerrilheiro, foi morto pelas forças de segurança, no dia 8. Em meio a manifestações de rua, pedras atiradas e pedidos de “libertação” do domínio da Índia, os partidos separatistas convocaram greve geral na região. Isso impediu que 1,4 milhão de estudantes voltassem às aulas.

Algumas semanas mais tarde, em 6 de setembro, foi informado o primeiro incêndio em uma escola, na localidade de Mirhama, no distrito de Kulgam. Logo surgiram denúncias semelhantes por todo o vale. O fogo já destruiu mais de 30 escolas públicas e privadas, a maioria na Caxemira do Sul, onde Wani foi morto.

Uma delas é a escola secundária pública Nasirabad, em Kulgam, incendiada em 16 de outubro. Embora a população local e a polícia tentassem apagar as chamas, estas destruíram a biblioteca, o ginásio, os computadores, o laboratório e os escritórios. Os moradores da região afirmam que os incendiários queriam impedir a reabertura da escola, por isso queimaram o andar superior e não o térreo, que tinha poucos equipamentos.

A professora Shugufta Barkat afirma que a escola era uma das melhores do distrito. “Estão queimando o futuro das crianças”, lamentou à IPS, visivelmente emocionada. Ao contrário de outros ataques extremistas, os incêndios continuam sendo um mistério, sem ninguém ter assumido a responsabilidade.

Os separatistas e o governo se culpam mutuamente, e alguns dizem que são obra de “elementos marginais” da sociedade, que só querem causar transtornos. A polícia fez algumas prisões, mas em cada caso o acusado foi identificado como “separatista” sem vínculos claros com grupos guerrilheiros.

Mariya Arjumand e Fazl Sareer estudam em sua casa na aldeia de Shurat, já que as escolas foram fechadas em julho devido à instabilidade política na Caxemira. Foto: Stella Paul/IPS
Mariya Arjumand e Fazl Sareer estudam em sua casa na aldeia de Shurat, já que as escolas foram fechadas em julho devido à instabilidade política na Caxemira. Foto: Stella Paul/IPS

 

Com o aumento dos casos de incêndio, o governo pediu aos professores que protejam suas escolas durante a noite, e para isso as instituições adotaram turnos noturnos que eles devem cumprir.

Basharat Ahmed Dar é chefe de Asnorr, uma aldeia da minoritária comunidade muçulmana ahmadiyya, em Kulgam. Em um Estado de turbulência política, violência, assassinatos e torturas, essa comunidade defende o amor, a paz e a harmonia. Seus princípios lhes granjearam respeito mundial bem como o desprezo de muitos, especialmente dos radicais.

A comunidade fomenta a educação como um caminho para o progresso e também dirige cinco escolas na Caxemira do Sul. As escolas – que aceitam todo tipo de aluno, não só ahmadiyyas – são conhecidas por seu alto nível de ensino e infraestrutura superior.

Desde que começou a greve geral, os jovens ahmadiyyas, incluídos alguns dos professores, fazem guarda diante de suas escolas para repelir possíveis ataques e incêndios. Esse patrulhamento continuará até que comece a nevar, explicou Dar. “Não chove há meses, por isso tudo está muito seco e propenso a pegar fogo. Mas uma vez que comece a nevar, não será tão fácil o fogo se propagar”, ponderou.

O ano letivo começa em abril e termina em novembro na Caxemira, bem antes de começarem os três meses de férias de inverno. Os exames anuais acontecem no final de outubro. Mas esse ano nenhuma das escolas pôde realizar suas provas finais. Diante da situação, o governo declarou a promoção de todos os estudantes da primeira à nona série. As escolas particulares decidiram fazer exames, mas só completaram cerca de 40% do programa curricular.

Farooq Ahmed Nengroo, professor de uma escola privada, qualificoy as promoções coletivas de “erro perigoso”. E pontuou que, “também em 2014, depois de uma inundação no vale, os estudantes foram aprovados em massa, embora somente tenham sido afetados de 2% a 3% das escolas. No futuro, definitivamente haverá um vazio de conhecimentos e habilidades na força de trabalho do Estado”.

Enquanto isso, a jovem Mariya Sareer reza para que acabem a greve geral e os incêndios para poder recuperar sua vida. “Só quero voltar à escola, estudar e jogar críquete”, afirmou. Envolverde/IPS