Este é um artigo de opinião de Martin Khor, diretor executivo do Centro Sul, organização governamental dos países em desenvolvimento, com sede em Genebra.
PENANG, 01 de maio (IPS) – Ao completar 100 dias do governo de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos, é preciso avaliar seu impacto até hoje no mundo e nos países em desenvolvimento. É muito cedo para tirar conclusões, mas o que se viu desde que ele assumiu o poder um 20 de janeiro até agora é bastante preocupante.
Trump disse que Estados Unidos não se vincularia as guerras dos outros países, porém no dia 6 de abril atacou Síria, apesar de não ter provas contundentes que demostrassem a responsabilidade do presidente sírio Bashar al Assad no uso de armas químicas. Na sequência, lançou uma bomba nuclear devastadora em uma cidade muito povoada em Afeganistão.
Alguns analistas afirmaram que o intuito desse ataque foi enviar uma mensagem interna, pois isso aumenta a popularidade do novo presidente e sua força frente aos inimigos. Talvez suas ações sejam um sinal para o líder da Coreia do Norte, que ameaçou com lançar bombas nucleares caso receber um ataque dos Estados Unidos, e provavelmente falava sério. O próprio Trump ameaçou também com bombardear suas sedes nucleares.
Com dois presidentes tão imprevisíveis poderíamos estar perto de uma guerra nuclear. “Há membros do círculo mais próximo ao presidente que acreditam que o governo Trump avalia dar primeiro o “golpe” a Coreia do Norte. Porém, o mandatário coreano Kim Jong Um pode pensar da mesma forma e atacar primeiro” comentou Gideon Rachman, do Financial Times.
Rachman observou também que Trump chegou a conclusão de que a força militar o ajudaria a conseguir a imagem prometida nas urnas.
O colunista do New York Times, Nicholas Kristof, acredita que o pior pesadelo para os Estados Unidos seria que Trump se envolva em uma nova guerra coreana. Isso pode acontecer se ele destruir uma base de mísseis da Coreia do Norte, este país pode responder lançando suas bombas para Seul, onde moram 25 milhões de pessoas.
O general Gary Luck, ex-comandante das forças norte-americanas na Coreia do Sul, calculou que uma nova guerra coreana pode deixar um milhão de mortes e um bilhão de danos, explicou Kristof.
Longe das expectativas de deixar de ser a policia do mundo para colocar os “Estados Unidos em primeiro lugar” Trump agora pensa que as guerras e lançar bombas podem ter o efeito de que “Estados Unidos volte a ser poderoso”
Isso pode ser mais fácil que as batalhas internas para substituir a política de saúde do ex-presidente Barack Obama ou proibir a entrada de cidadãos e refugiados dos sete países muçulmanos, iniciativas já barradas pela justiça.
A mensagem de que existem um grupo de pessoas ou países que não são bem-vindos nos Estados Unidos pode gerar consequencias, os dados mostram um declinio no turismo e nas solicitações de estudantes estrangeiros para entrar nas universidades americanas.
Outro equivoco foi protagonizado com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), que Trump condenou como obsoleta, mas logo afirmou que não era mais, para o alivio dos seus aliados ocidentais.
Outras mudanças de opinião aconteceram quando Trump reconheceu que China não manipula suas exportações, mesmo que na sua campanha ele prometeu que uma das primeiras ações ao assumir a presidência seria registrar a nação como manipuladora, elevando os impostos para o ingresso de produtos chineses.
Na cúpula bilateral realizada na Florida nos dias 7 e 8 de abril estes dois países estabeleceram um acordo, uma proposta do presidente chinês Xi Jinping de elaborar um plano de 100 dias para aumentar as exportações norte-americanas para China e diminuir o déficit comercial.
Trump solicitou ao seu Ministro do Comercio, Wilbur Ross, um estudo detalhado, nos próximos 90 dias, sobre os déficits comerciais e bilaterais para entender melhor suas causas, por motivo de dumping (venda a um preço inferior ao do mercado), enganos, acordos de livre comercio, subsídios, desajuste da moeda e as normas injustas da Organização Mundial do Comércio (OMC). Desta forma, o presidente tomará as medidas necessárias para corrigir os desequilíbrios, afirmou Ross.
Durante os 100 primeiros dias de governo, Trump não cumpriu também com a sua ameaça de impor taxas adicionais a México e China. Porém ele afastou os Estados Unidos do Acordo de Associação Transpacífico (TPP) e ainda se desconhece o futuro da reforma do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (NAFTA).
A principal ameaça ao sistema comercial pode vir de uma reforma fiscal elaborada por líderes de governo do Partido Republicano no Poder Legislativo. O documento original contém um sistema de “ajuste comercial” com o fim de impor taxas de 20% as importações para os Estados Unidos, ao mesmo tempo que são exoneradas taxas corporativas para as exportações.
De ser aprovada esta lei, surgirão inúmeras críticas contra os Estados Unidos na OMC, assim também muitos países podem tomar represálias. É provável que este assunto fique para atrás pela oposição interna ou que sofra modificações consideráveis.
Enquanto a nova política comercial dos Estados Unidos toma forma, nos seus 100 primeiros dias Trump aderiu a uma identidade protecionista. Outro dos assuntos complicados foi a política de Trump contra as mudanças climáticas de Obama. Ele quer reduzir o orçamento da Agencia de Proteção Ambiental em 31% e eliminar os programas de investigação e prevenção sobre este fenômeno em todas as instâncias do governo federal.
A Agência de Proteção Ambiental, liderada por um cético das mudanças climáticas, mandou rever os níveis de contaminação por veículos assim como o Plano de Energia Limpa, foco da Política de Obama para reduzir as emissões de CO2. O Plano levaria ao fechamento de fabricas e substituiria as centrais de energia por sistemas eólicos e solares. “Ir contra esta política comprova que Trump não tem intenção de cumprir os compromissos de Obama no Acordo de Paris” avaliou Coral Davenport do jornal The New Times.
No marco dos acordos pelo clima, Estados Unidos se comprometeram a reduzir os gases de efeito estufa em 26% até 2025, segundo os níveis de 2005. No entanto, parece que existe um debate interno nos Estados Unidos de se afastar do Acordo do Paris, mas mesmo se permanecer, a nova delegação pode impedir que outros países avancem em medidas ou ações.
Existe uma grande preocupação com as intenções de Trump de deixar de contribuir com os três bilhões de dólares para o Fundo Verde do Clima, iniciativa que ajuda países em desenvolvimento para realizar projetos de mudanças climáticas. Obama transferiu o primeiro bilhão de dólares, porém o governo Trump não realizará mais pagamentos a não ser que o Congresso discorde da decisão do presidente, o que é pouco provável.
Outro ponto negativo destes 100 dias, em especial para os países em desenvolvimento, é a intenção de Trump de diminuir a importância da cooperação internacional para o crescimento.
No mês de março, Washington comunicou sua proposta de orçamento com um corte de 28% ou 10,9 bilhões de dólares para a ONU e outras organizações internacionais, o Departamento do Estado, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID) enquanto o orçamento militar aumentou em 54 bilhões de dólares. Tudo isso aconteceu enquanto o coordenador de assuntos humanitários da ONU, Stephen O’Brien realizava um chamado para aumentar os fundos de ajuda para a pior crise humanitária desde 1945 e uma grave seca que afeta a vida de 38 milhões de pessoas em 17 países africanos.
Trump também quer fazer cortes nas contribuições dos Estados Unidos para o orçamento geral da ONU e pagar no máximo 25% das missões de paz. Até o momento o país era responsável por 22% do orçamento geral da ONU, 5,4 bilhões de dólares, e 28,5% das missões de paz, equivalente a 7,9 bilhões de dólares. Além disso Washington vai cortar 650 milhões de dólares em três anos ao Banco Mundial e outras organizações multilaterais de crédito.
A comunidade que trabalha com as relações exteriores dos Estados Unidos está surpresa com a miopia de Trump e 121 generais da reserva solicitaram que o Congresso continuasse destinando fundos para a diplomacia e assistência externa por ser uma forma fundamental de prevenir conflitos.
A ideia de Trump pode ser rediscutida no Congresso, posto que existem muitas pessoas a favor da diplomacia, preocupadas com missões humanitárias. E finalmente o problema da redução de fundos, desde a perspectiva de Trump, no contexto da política externa destrói o espirito e o senso de cooperação internacional.
Se um dos maiores emissores de gases efeito estufa desacredita e questiona o aquecimento global pela atividade humana e seu efeito devastador na terra e não se compromete a tomar medidas locais e ajudar aos outros então outros países podem seguir este mau exemplo. O mundo pode ficar sem a cooperação internacional que precisa para se salvar do catastrófico efeito do aquecimento global. (IPS/#Envolverde)