Por Neeta Lal, da IPS –
Nova Délhi, Índia, 8/6/2015 – Há quase uma década, Jignesh, de 27 anos, vende lençóis na movimentada calçada de Janpath, uma grande avenida da capital indiana, em meio a um trânsito enlouquecido. Analfabeto e sem trabalho, o jovem deixou há nove anos o Estado de Gujarat rumo a Nova Délhi, para tentar ganhar a vida e manter sua família de quatro pessoas, com a esperança de que essa metrópole pudesse lhe oferecer algo melhor.
Porém, os policiais e a máfia o assediam constantemente para cobrar o “hafta”, um suborno semanal de um dólar, quantia considerável tendo em conta que ganha o equivalente a US$ 5 por dia após 12 horas de trabalho árduo. Se não paga, é maltratado e tem a mercadoria confiscada. “É uma luta diária para sobreviver”, disse Jignesh à IPS, arregaçando as mangas da camisa para mostrar os hematomas causados em seus braços em seu último incidente com a polícia. “Às vezes, tenho vontade de largar tudo e voltar para a agricultura”, afirmou.
É que, apesar da lei sobre a venda na rua, que entrou em vigor no ano passado e determina às autoridades municipais definir zonas especiais para os ambulantes poderem trabalhar em paz, pouquíssimas o fizeram. Isso faz com que esses vendedores, cerca de dez milhões de pessoas, sofram uma situação de insegurança quando tentam ganhar a vida. Muitos são migrantes econômicos dos centros rurais do país, onde a decadente agricultura deixou milhões de pequenos agricultores na miséria.
A Corte Suprema de Justiça declarou, em 2010, a venda ambulante como um direito fundamental. “Considerando que uma alarmante proporção da população de nosso país vive abaixo da linha de pobreza, quando os cidadãos, reunindo magros recursos, tentam trabalhar como vendedores ambulantes, não se pode submetê-los a privações com o pretexto de que não têm direitos”, sentenciou o tribunal.
A lei de 2014 também prevê a criação de um comitê integrado por representantes de todos os atores, organizações de vendedores ambulantes, da sociedade civil, da polícia e das autoridades municipais. O órgão deverá registrar os vendedores e lhes oferecer um documento de identidade para regular melhor suas atividades em áreas públicas. A lei também concede programas de assistência social e outros benefícios, além de empréstimos bancários para protegê-los dos agiotas.
Porém, os vendedores afirmam que a realidade das ruas, como os interesses criados pelos partidos locais e pela polícia, bem como as ameaças de sociedades de bem-estar, continuam infernizando suas vidas. “São acusados de tirar espaço dos pedestres e causar um lamaçal, além de terem atribuídos vínculos com delinquentes”, afirmou Anurag Shankar, gerente de projeto da Associação Nacional de Vendedores Ambulantes da Índia, uma coalizão que reúne, desde 2004, 762 organizações que defendem seus direitos.
“As autoridades municipais e as associações de moradia costumam solicitar que os vendedores sejam retirados”, contou Shankar, o que gera vários problemas como não poder assegurar uma licença, insegurança sobre a renda e sobre o espaço na calçada.
Segundo o professor Sharit Bhowmik, presidente do Centro de Estudos Trabalhistas do Instituto Tata de Ciências Sociais, com sede em Mumbai, o problema é que a nova lei deixa muitos elementos nas mãos das municipalidades, o que atenta contra o objetivo de uma norma central. “A estrutura federal do governo indiano requer que os Estados formulem suas próprias políticas e que os órgãos locais elaborem suas próprias normas e pautas”, explicou à IPS.
O que agrava o problema é que os planos diretores das cidades indianas raramente preveem espaço para pedestres ou vendedores ambulantes. “Os planejadores seguem os modelos ocidentais de comercialização e criam espaço para os comerciantes ricos e as grandes empresas, mas ignoram a tradição indiana da venda de rua”, apontou Bhowmik, que investigou e publicou artigos sobre esse assunto.
Em abril deste ano, vendedores ambulantes de todo o país realizaram concentrações nas cidades de Sura, Nova Délhi e Mangaluru protestando pela falta de implantação da lei.
Um estudo realizado por Bhowmik em 15 cidades concluiu que 65% dos ambulantes ouvidos recorriam a microcréditos com agiotas, que cobravam taxas de juros exorbitantes de 120% a 400%. “A espiral de endividamento corrói qualquer renda que o vendedor possa conseguir”, destacou.
“Invariavelmente expulsam os vendedores sem lhes dar um lugar adequado para trabalhar”, disse à IPS o presidente honorário do Centro de Sindicatos Indianos, Sunil Kumar Bajal. Além disso, por estarem todos os dias ao ar livre, os ambulantes são vulneráveis a várias complicações de saúde, enxaqueca crônica a hiperacidez, e hipertensão.
“A falta de banheiros à disposição tem consequências negativas sobre a saúde das mulheres e muitas sofrem infecções urinárias ou problemas renais. As vendedoras de rua também sofrem os problemas de segurança”, afirmou Bhowmik. Com a nova lei, os ambulantes têm direito de serem incluídos na Missão Nacional para um Sustento Urbano, para receberem capacitação.
O reconhecimento dos vendedores de rua deve ser parte integral da economia urbana em todo o mundo, segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), pois facilita o acesso a vários bens e serviços. A Índia tem a maior população de vendedores de rua do mundo e provavelmente registre um aumento na medida em que a migração do campo para a cidade sofra aceleração nas próximas décadas.
O Departamento de Assuntos Econômicos e Sociais da Organização das Nações Unidas (ONU) estima que a população urbana aumente dos atuais 3,9 bilhões de pessoas para 6,4 bilhões até 2050. E três países – China, Índia e Nigéria – concentrarão 90% desse crescimento.
Como a pobreza e a falta de planejamento urbano derivam em um número cada vez maior de pessoas em assentamentos precários neste país de 1,25 bilhão de habitantes, com 51% da população de Nova Délhi já vivendo nessas áreas, especialistas nacionais e internacionais afirmam que a Índia deve se concentrar em melhorar a saúde dos vendedores ambulantes. Envolverde/IPS