Por Thalif Deen, da IPS –
Nações Unidas, 9/9/2015 – Os países europeus parecem transbordar com as centenas de milhares de pessoas do Afeganistão, Iraque, Líbia e Síria que pretendem ingressar em suas fronteiras, enquanto muitos se perguntam por que as ricas nações árabes do Golfo não oferecem sua ajuda aos refugiados.
O Comitê de Proteção dos Trabalhadores Migrantes, principal órgão da Organização das Nações Unidas (ONU), que cuida dos assuntos relativos aos imigrantes, informou que milhões de pessoas tiveram que emigrar de seus países em busca de abrigo seguro no estrangeiro devido à guerra civil na Síria.
“Os Estados vizinhos abriram suas fronteiras a milhões de imigrantes sírios, mas outros países, especialmente da Europa e outras partes, em particular os Estados do Golfo, deveriam fazer mais para responder a um dos deslocamentos em massa de pessoas mais trágicos desde a Segunda Guerra Mundial”, afirmou o Comitê.
Joseph Chamie, ex-diretor da Divisão de População da ONU, disse à IPS que alguns países vizinhos, como Jordânia, Líbano e Turquia, aceitaram uma grande quantidade de refugiados, mais de 3,5 milhões de pessoas, segundo as Nações Unidas. Entretanto, outros países próximos, especialmente Israel e os Estados árabes do Golfo Pérsico, entre eles Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos, Omã e Catar, não estão dispostos a aceitar os refugiados atuais, apontou.
A razão principal dessa rejeição é, segundo Chamie, que os refugiados são vistos como um elemento de desestabilização política. “Os países do Golfo admitiram uma grande quantidade de pessoas do sul da Ásia e do norte da África que não são consideradas imigrantes, mas trabalhadoras estrangeiras temporárias, que se espera regressarão aos seus países. Além disso, Israel aceitou refugiados no passado, mas quase todos eram judeus”, explicou Chamie.
Em comunicado divulgado no dia 8, a Organização Internacional para as Migrações (OIM) afirmou que o Kuwait, liderado pelo xeque Sabah Al Sabah, organizou três conferências anuais desde 2013, que arrecadaram milhares de milhões de dólares para a resposta humanitária à crise síria, com participação de 78 Estados e 38 organizações. Só em 2015, os doadores na conferência do Kuwait comprometeram US$ 3,8 bilhões à causa, segundo a OIM.
O primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, disse que Israel é um “país muito pequeno, que carece de profundidade demográfica e geográfica”, assinalando que não é indiferente à tragédia humana dos refugiados da Síria e da África. “Já atendemos aproximadamente mil feridos dos combates na Síria, e temos ajudado a reabilitar suas vidas”, destacou.
Com oito milhões de habitantes, Israel é considerado um país fundado sobretudo por refugiados. Mas agora está construindo uma barreira, de 29 quilômetros de extensão, ao longo da fronteira com a Jordânia, para evitar “a imigração ilegal e as infiltrações hostis”. Netanyahu, após uma reunião de seu gabinete ministerial na semana passada, afirmou que “temos que controlar nossas fronteiras, diante dos imigrantes ilegais e do terrorismo”.
Sua declaração recebeu forte crítica de Isaac Herzog, líder do principal partido de oposição, a União Sionista, que recordou a história do povo judeu. “Nosso povo sofreu de primeira mão o silêncio do mundo. Vocês esqueceram o que é ser judeu: refugiados. Perseguidos”, afirmou. “O primeiro-ministro do povo judeu não deveria fechar seu coração e as portas quando há gente que foge para salvar suas vidas, com bebês nos braços, dos perseguidores”, ressaltou.
Em um comunicado divulgado no dia 7, o Comitê da ONU declarou que os migrantes sírios, obrigados a tomar medidas extremas na busca por uma vida segura e digna para suas famílias, estão, literalmente, colocando suas vidas em risco para chegar à Europa. “Centenas de homens, mulheres e crianças morreram tentando alcançar a segurança da costa. Isto é inconcebível, segundo a Comissão”, afirma o comunicado.
“Estamos, mais uma vez, comovidos e consternados pela perda terrível de vidas no Mar Mediterrâneo”, afirmou o presidente do Comitê, o equatoriano Francisco Carrión, após a morte por afogamento de imigrantes sírios na costa da Turquia no começo deste mês, enquanto esse organismo se reunia em Genebra.
Devido ao estado atual do mundo, Chamie pontuou que deveríamos perguntar “por que não há mais pessoas emigrando?”. Além da globalização, as tecnologias da comunicação e os meios sociais, potentes forças contrapostas atuam para gerar as correntes migratórias atuais, como pobreza, violência, corrupção, desemprego, repressão e crescimento demográfico acelerado, por um lado, e, por outro, riqueza, postos de trabalho, segurança, serviços sociais, liberdade e redução da população, pontuou.
Embora todo o mundo tenha direito de sair de seu país, nem todos têm direito de entrar em outro, destacou Chamie. Esse paradoxo é o círculo vicioso que sofre o crescente número de migrantes e os países de destino.
A oferta de migrantes, que são livres para abandonar seus países de origem, simplesmente é muito superior à demanda fixada pelos países receptores. Se as pessoas não podem entrar em um país legalmente, então muitos optam pela via ilegal, observou Chamie. “Hoje em dia muitos migrantes são de fato refugiados, já que procedem de países afetados pela guerra. E há uma grande quantidade que não é estritamente refugiada, mas que busca melhores oportunidades econômicas e condições de vida mais seguras para si e suas famílias”, detalhou.
Segundo Chamie, muitos se perguntam qual será a consequência das correntes migratórias atuais que não cessarão no curto prazo, e que trarão consigo importantes mudanças demográficas, sociais, econômicas, políticas e culturais. “A pergunta central para a Europa é: nos próximos anos, os migrantes e suas famílias se integrarão com êxito às sociedades europeias?”, opinou. Envolverde/IPS