Internacional

Indígenas lutam por autodeterminação na educação

O desenvolvimento e os direitos tardam em chegar para as mulheres indígenas no Estado mexicano de Chiapas. Foto: Mauricio Ramos/IPS
O desenvolvimento e os direitos tardam em chegar para as mulheres indígenas no Estado mexicano de Chiapas. Foto: Mauricio Ramos/IPS

Por Phoebe Braithwaite, da IPS – 

Oaxaca, México/Nações Unidas, 9/8/2016 – Os povos indígenas de todo o mundo seguem lutando para conseguir a autodeterminação em matéria de educação, como demonstram os últimos protestos no Estado mexicano de Oaxaca, que deixaram vários mortos.

“Para os indígenas, as atuais reformas educacionais no México impõem práticas culturais hostis, que colocam o indivíduo no centro, não na cooperação, nem no trabalho em equipe, nem ao bem comum acima dos êxitos pessoais”, explicou René González Pizarro, professor e integrante do Sindicato Nacional de Trabalhadores da Educação (SNTE), com origens mixe, no Estado mexicano de Oaxaca. “As reformas não consideram o público em geral, seguem a lógica dos mercados”, destacou à IPS.

Os professores do México, especialmente dos Estados do sul, onde são registrados alguns dos maiores índices de pobreza e onde fica a maioria dos povos indígenas, realizam mobilizações contra as reformas educacionais do presidente Enrique Peña Nieto. Estas seguem o modelo de leis e políticas que visam à eliminação dos sindicatos, entre eles o dos professores. Também propõem provas padronizadas, que segundo os professores prejudicarão os estudantes indígenas e de comunidades marginalizadas.

“Os sistemas educacionais têm que mudar, primeiro, e sobretudo, para empoderar as identidades e as culturas indígenas, e depois para gerar processos interculturais pacíficos”, opinou à IPS o presidente do Fórum Permanente para as Questões Indígenas, Álvaro Esteban Pop Ac. “O grande desafio é começar a ver a integração de um ponto de vista contrário, fala-se do intercâmbio intercultural dos mestiços e brancos com os indígenas, mas não vice-versa”, acrescentou.

Oaxaca é o segundo Estado mais pobre do México, depois de Chiapas, e tem a maior proporção (63,73%) de pessoas pobres e a maior diversidade de população indígena. Na primeira semana de junho os professores e suas famílias acamparam na cidade de Oaxaca, enchendo muitas ruas com lonas, bem como toda sua praça principal. O clima era tenso e firme, mas pacífico, na medida em que milhares de professores se reuniam para protestar contra as reformas e se organizar contra as propostas que, segundo eles, aprofundarão a exclusão dos mais pobres, muitos deles indígenas.

Mas, menos de três semanas depois, em 19 de junho, estourou a violência entre as forças de segurança e os professores, após o aumento de tensão pelas barricadas nas ruas em protesto pela detenção do líder sindicalista Rubén Nuñez, na municipalidade de Nochixtlán. Nos enfrentamentos a polícia matou seis pessoas e deixou centenas de feridos.

“O grau de violência por parte das polícias estadual e federal deixou vários mortos, na maioria mixtecos dos arredores de Nochixtlán e integrantes do contingente da resistência de apoio aos professores, ou pessoas que se aproximaram após saber do ataque policial”, contou Pizarro à IPS. “A violência estatal contra os movimentos sociais no México é comum, e a violência armada contra a resistência indígena é uma constante na história do país”, ressaltou.

Quando do ataque, Álvaro Pop divulgou uma declaração de condenação em que ressaltou que “toda reforma educacional deve considerar a diversidade étnica e cultural, bem como a realidade social e econômica do país”.

Esses assassinados são os últimos de uma longa história de violência estatal, que atraiu a atenção pública novamente a partir de 2014, quando desapareceram 43 alunos indígenas da Escola Normal de Ayotzinapa, na municipalidade de Iguala, no Estado de Guerrero, quando se dirigiam para uma celebração em memória do massacre de 1968 em Tlatelolco, quando morreram cerca de 300 estudantes.

A escola tem histórico de mobilizações de esquerda e seus alunos, na maioria indígenas, aprendem a ensinar com uma perspectiva intercultural e bilíngue.“O pior não é só a violência armada, mas a política do silêncio. Tanto no caso dos 43 desaparecidos de Ayotzinapa, como no de Nochixtlán, bem como em outras situações, suas origens indígenas ou o componente indígena do grupo foram apagadas”, apontou Pizzaro

“Ninguém fala dos 43 como indígenas, mas como normalistas ou simplesmente estudantes. Fala-se de Nochixtlán como uma luta pela educação, o que torna invisível o apoio dos mixtecos e dos triquis, que estavam ali e se organizaram para denunciar a agressão da polícia contra a comunidade”, acrescentou Piarro.

O antropólogo Alfredo Saynes-Vásquez, da Universidade Nacional Autônoma do México, é de origem zapoteca, um povo indígena do istmo de Tehuantepec, que fala sua língua nativa e estuda as consequências da globalização e dos centros urbanos dominantes sobre o conhecimento ecológico tradicional. Também trabalha com  estudantes dos cursos primário e secundário, motivando as novas gerações a aprenderem sua história e conhecer seu ambiente particular, bem como a importância de compreender que a língua tem “uma carga política. Ninguém pode evitá-la, inclusive no uso da sintaxe”, afirmou.

Entretanto, “conhecer sua história e seu entorno não é suficiente para se defender do Estado. Há um processo de homogeneização, para que as pessoas sejam todas iguais, que falem uma só língua”, indicou Saynes-Vásquez à IPS. “Conhecer seu entorno é uma forma de resistência que propõe valores diferentes dos da administração pública”, acrescentou.

O Artigo 14 da Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas diz: “Os povos indígenas têm direito de estabelecer e controlar seus sistemas e suas instituições docentes”, direito que, por outro lado, está consagrado em numerosos instrumentos internacionais de direitos humanos, bem como em órgãos mexicanos e no Artigo 2 da Constituição do México. Quase dez anos depois de aprovada, a declaração da ONU parece uma ferramenta frágil à luz dos obstáculos que parecem insuperáveis e das injustiças profundamente arraigadas.

“Estamos no começo. Todos precisamos fazer mais, tanto os Estados como o sistema das Nações Unidas. O tempo é curto. De 2007 até hoje,mal chegaremos a dez anos. Os problemas são enormes. As tragédias são imensas”, lamentou Álvaro Pop.Mas acrescentou que “tem a capacidade de ser uma ferramenta de empoderamento. Ocupa um lugar que lhe permite chamar a atenção das autoridades e de gerar uma análise crítica da legislação nacional e de como poderia se harmonizar com as estruturas internacionais”.

Para Álvaro Pop, “necessitamos de mais investimentos nos territórios indígenas, dar-lhes maiores liberdades e capacidades para definirem seu destino. Precisamos de uma nova ética no acúmulo da riqueza”. Envolverde/IPS

* Este artigo integra uma série por ocasião do Dia Internacional dos Povos Indígenas, comemorado em 9 de agosto.