Bali, Indonésia, 19/3/2015 – Nas últimas três décadas, 50% dos 544.150 quilômetros quadrados de Kalimantan, a parte indonésia da ilha de Bornéu, foram tomados pela indústria do óleo de palma. “Expandirão até nos jogar no oceano”, protestou Mina Setra, subsecretária-geral da aliança de Povos Indígenas do Arquipélago, que luta há quatro anos para evitar que seu ancestral modo de vida seja destruído pela monocultura.
Segundo Setra, o negócio da produção de óleo, cobiçado em todo mundo, deve ajustar-se aos princípios de sustentabilidade. Com seu crescimento atual a indústria ameaça corroer as economias locais, as comunidades indígenas e a delicada biodiversidade da Indonésia.
O consumo de óleo de palma aumentou de forma consistente ao ritmo anual de 7% nos últimos 20 anos, segundo dados do informe divulgado pela consultoria Research and Markets, com sede em Dublin. Em escala mundial, mais pessoas consomem óleo de palma do que de soja, e a Indonésia é o maior produtor, chegando a 31 milhões de toneladas em 2014. Este país mais a Malásia concentram 85% da produção total do ano passado.
Embora se estime que a produção diminuirá este ano, a indústria segue crescendo e engolindo milhões de hectares de florestas para o cultivo de palma. O governo indonésio e os empresários insistem em afirmar que o setor gera emprego e beneficia as comunidades locais, mas muitas pessoas, como Setra, não concordam porque o modelo de produção não é nada sustentável e causa estragos no ambiente e entre a população indígena, de 50 milhões a 70 milhões de pessoas neste país que tem 249 milhões de habitantes.
Um estudo da organização Rights and Resources Initiative (RRI), com sede em Washington, concluiu que os principais beneficiários da indústria do óleo de palma são os grandes investidores e as empresas que controlam 80% do comércio. “O setor agregou pouco valor real à economia indonésia. A contribuição média do cultivo para o produto interno bruto foi de apenas 2,2% esse ano”, diz o informe.
O estudo acrescenta que “a produção de alimentos é a principal fonte de emprego e de renda no campo, e concentra dois terços da força de trabalho rural, ou cerca de 61 milhões de pessoas. A produção da palma só ocupa o oitavo lugar em matéria de emprego rural, com 1,4 milhão de pessoas”.
Cerca de metade dos que trabalham na produção de alimentos é de pequenos agricultores, ganhando maiores salários do que suas contrapartes empregadas pelas companhias de óleo de palma (cerca de US$ 75 ao mês os primeiros e US$ 57 os segundos).
A indústria da palma registrou queda de 15% nos benefícios em 2014, embora para este ano esteja previsto aumento nos preços entre US$ 500 e US$ 600 a tonelada. Mas muitos produtores da Indonésia e Malásia defendem abertamente menores salários para manter altos lucros. Os especialistas afirmam que o setor não redireciona os ganhos para as comunidades locais devido ao modelo de devorar terras e recorrer a um sistema de patronato.
“O sistema de patronato serve de estrutura básica para a produção, comercialização e distribuição do óleo de palma”, explica o informe da RRI. “Conecta atores significativos para facilitar seus negócios mediante mecanismos legítimos, como consórcios de óleo de palma, que costumam consistir em personalidades locais com poder, burocratas e empresários influentes com estreitos vínculos com autoridades nacionais”, conclui o estudo.
Ativistas como Setra também afirmam que os empresários são hábeis para aproveitar os vazios legais, a fim de continuar expandindo seus cultivos. O governo da Indonésia impôs moratória sobre a expansão de terras, uma tentativa de acalmar os cientistas, países ocidentais e cidadãos preocupados pela substituição da floresta pela monocultura. Mas a proibição só se aplica a novas licenças, não às existentes, o que permite que as empresas com autorização de longo prazo violem a lei sem questionamentos.
“A estrutura da indústria é tal que deixa fora as comunidades locais”, explicou Bryson Ogden, analista do setor privado da RRI. “Os maiores prejudicados foram os moradores locais que perderam suas terras e seu sustento e não se incorporaram à nova economia em termos vantajosos”, destaca o informe da RRI. “Indígenas, agricultores de subsistência e mulheres são os grupos mais vulneráveis, bem como pequenos agricultores proprietários de terras com palma”, acrescenta.
Quando a população local tenta defender seus direitos, as campanhas acabam sendo criminalizadas por suas atividades. “As pessoas que dependem da terra para subsistir há gerações se tornam delinquentes porque querem preservar seu modo de vida”, lamentou Setra. Segundo a ativista, enquanto houver demanda global por óleo de palma sem uma campanha internacional denunciando o impacto que sua produção tem na população local, as companhias, provavelmente, não mudarão seu modo de operar.
Outros afirmam que o problema é a falta de dados. Como Scott Poynton, fundador da The Forest Trust, que disse à IPS que não há informação adequada sobre as consequências socioeconômicas das operações.
A preocupação pelo desmatamento, na Indonésia e em outras partes, se deve ao incansável trabalho de organizações não governamentais dedicadas ao tema, além de “ferramentas fáceis de usar como o Global Forest Watch, do World Resource Institute”, um sistema de mapas que permite identificar de forma rápida e barata o desmatamento.
Recursos semelhantes deveriam estar disponíveis para pessoas como Setra, líderes de organizações locais que podem monitorar e informar sobre a degradação social causada pelo setor do óleo de palma pontuou Poynton,.
Com a próxima aprovação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações Unidas (ONU), a Indonésia e o setor do óleo de palma estarão obrigados a considerar a natureza inviável do modelo de monocultura e avançar para uma prática mais inclusiva.
Um dos principais temas da plataforma de conhecimento sobre os ODS é a premissa de uma produção e um consumo sustentáveis, definidos como o “uso de serviços, e produtos relacionados, que respondem às necessidades básicas e permitem uma qualidade de vida melhor, ao mesmo tempo em que minimizam o uso de recursos naturais para não colocar em risco as necessidades das futuras gerações”.
Segundo o Fundo Mundial para a Natureza, nas últimas três décadas e meia, Indonésia e Malásia perderam juntas 3,5 milhões de hectares de florestas para as plantações de palma. Estatísticas como essa sugerem que somente mudanças drásticas poderão colocar as populações indígenas no centro do debate e construir um futuro sustentável para a produção de óleo de palma. Envolverde/IPS