Internacional

Iniciativas para aproveitar boom turístico

Plaza del Carmen, no casco histórico da cidade de Camagüey, no centro de Cuba, que busca integrar circuitos turísticos alternativos para visitantes que buscam algo além de sol e praia. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
Plaza del Carmen, no casco histórico da cidade de Camagüey, no centro de Cuba, que busca integrar circuitos turísticos alternativos para visitantes que buscam algo além de sol e praia. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Por Ivet González, da IPS – 

El Abra, Cuba, 25/8/2015 – De um lado da estrada por onde transitam milhares de turistas a caminho do Valle de Viñales fica a casa do pintor autodidata Miguel Antonio Remedios, conservada e equipada ao estilo tradicional das famílias dessas montanhas do ocidente de Cuba. “Seria de grande ajuda se as operadoras de turismo estatais incluíssem este projeto nas rotas turísticas”, disse à IPS o artista, de 47 anos, em sua casa-galeria, onde também tem seu estúdio e montou o projeto Remedios del Abra.

Essa iniciativa e outras similares procuram vencer os obstáculos para se integrarem ao boom turístico nesse país socialista, em moda após o degelo das relações com os Estados Unidos. Apenas com a flexibilização, em janeiro, pelo governo norte-americano das viagens para Cuba, agora permitidas para 12 categorias, chegaram ao território cubano, no primeiro semestre deste ano, 88.900 pessoas procedentes do país vizinho, o que representou 54% a mais em relação ao ano passado.

Nesse período, o total de turistas internacionais somou 1.136.948 pessoas, o que faz prever um auge até o final deste ano, quando acontece a maioria das chegadas.

O Valle de Viñales e El Abra, um povoado montanhoso de apenas algumas casas dentro do município de La Palma, são dois lugares paisagísticos das colinas da província de Pinar del Río, vizinha a Havana. À província chegam parte dos três milhões de visitantes estrangeiros que aterrissam em Cuba anualmente, interessados no avistamento de aves, trilhas e singulares paisagens de planícies e mogotes (montanhas de pico achatado).

A sede do projeto de Remedios tem teto de folhas de palmeira, paredes de tábuas e amplo portal com uma canga de bois pendurada na fachada. Dentro, há uma sala com uma longa e rústica mesa e alguns bancos, uma vasilha de barro para água fresca, um fogão a lenha e quartos com camas com cabeceiras de arame. Quadros do pintor – inscrito no estatal Fundo de Bens Culturais, um requisito para poder comercializar sua arte – estão pendurados nas paredes à espera de compradores.

O pintor autodidata Miguel Antonio Remedios no interior de sua casa rural, transformada em galeria, estúdio e mostra de moradia tradicional, em El Abra, um lugarejo montanhoso do município de La Palma, na província de Pinar del Río, em Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS
O pintor autodidata Miguel Antonio Remedios no interior de sua casa rural, transformada em galeria, estúdio e mostra de moradia tradicional, em El Abra, um lugarejo montanhoso do município de La Palma, na província de Pinar del Río, em Cuba. Foto: Jorge Luis Baños/IPS

Com a venda de suas obras de estilo naif, Remedios preparou esta casa-museu, onde nasceu e foi criado, e compra os materiais necessários para dar aulas gratuitas de pintura às crianças da vizinhança. O pintor começou o projeto em 2013 e também aceita pequenas doações voluntárias dos visitantes.

“Para revitalizar as tradições camponesas e promover os pintores da localidade”, o artista gostaria de “ter maior apoio das autoridades locais” para construir uma sala de aula, outra para exposição e um rancho (construção aberta com apenas colunas e teto) para realizar festas típicas do campo nos finais de semana.

“O desenvolvimento de modalidades turísticas além do sol e da praia dependerá sobretudo dos esforços dos territórios, a partir de seus próprios recursos e capacidades para instalá-las e operá-las”, disse à IPS o professor Ricardo Jorge Machado, que foi assessor nessa matéria do Conselho de Ministros entre 1980 e 1993.

O especialista aconselha os governos locais a não esperarem por financiamentos do Ministério do Turismo e empreendam algumas iniciativas junto com o setor privado e cooperativas, com base nos fundos próprios derivados do atual processo de descentralização da economia. Em seu plano até 2030, o Ministério prioriza cem projetos de sol e praia e apenas dois ecológicos. O turismo já é o segundo item da economia cubana. Em 2014, representou mais de US$ 2,682 bilhões, ficando atrás apenas das exportações de serviços profissionais.

A estratégia oficial parece apontar para os destinos litorâneos e o turismo de luxo, com a construção de polêmicos campos de golfe e o auge dos cruzeiros, cuja atividade este ano já quase duplicou o movimento de 2014, segundo o Ministério do Transporte. Pela primeira vez as autoridades turísticas reconhecem como contrapartes imprescindíveis os crescentes negócios privados e as cooperativas, ao mesmo tempo em que tentam captar investimento estrangeiro.

Até agora os polos turísticos mais promovidos são a capital do país, o balneário de Varadero, 140 quilômetros a leste de Havana, e os cayos (ilhas rasas, arenosas, alagadiças) no norte deste país caribenho. Além de sua ilha principal, o arquipélago cubano conta com 4.195 pequenas ilhas e cayos de natureza exuberante.

Somente na capital, Machado estima que existem 90 ofertas diferentes mas apenas 12 são exploradas, como o bar El Floridita, que o escritor Ernest Hemingway (1899-1961) frequentava habitualmente, o restaurante La Bodeguita del Medio e o cabaré Tropicana. “Cuba deve variar mais seu produto turístico com elementos de sua imagem que garantam maior nível de credibilidade: seu sistema de saúde e segurança social”, apontou o analista. A seu ver, “devem ser uma prioridade os turismos especializados de saúde e de longa distância, associados à terceira idade”.

Como exemplo disse que competidores da região, como México e Colômbia, se envolvem no turismo médico, inclusive com profissionais formados em Cuba, segundo assegurou Machado, porque a clientela gasta dez vezes mais. Também se sabe que um milhão de norte-americanos viajam a cada ano para fora de seu país com essa finalidade. Alternativas como esta poderiam criar opções para várias localidades, porque ao longo do país se conta com qualificados profissionais da saúde, acrescentou.

“É evidente que cada vez chegam mais visitantes”, pontuou a professora Reina Ramos, enquanto caminhava por uma avenida central de Havana, referindo-se à avalanche de turistas que passeiam pela cidade em táxis de modelo clássico e conversíveis, agora pintados de brilhantes tons de rosa, violeta ou amarelo. Se o Congresso norte-americano eliminar logo a proibição de seus cidadãos fazerem turismo em Cuba, tal como se debate em Washington, antecipa-se que os visitantes quebrarão todos os recordes do setor, com risco de causar colapso nos atuais serviços e hotéis do país.

Enquanto isso, cidades patrimônio e comunidades afastadas das rotas tradicionais, com paisagens paradisíacas, apostam em entrar no circuito turístico, mas com dificuldades para criar hospedagem, redes de serviço e até estradas que lhes permitam se beneficiar do auge da atividade.

Com ruas de paralelepípedo, grandes praças e casas coloniais restauradas em seu casco histórico, a cidade de Camagüey traça planos próprios de turismo urbano. “As expectativas se centram em que o turista chegue aqui por meio de um circuito pelas cidades que são patrimônio cubano, semelhante ao que já é oferecido pelo Escritório do Historiador de Havana”, destacou à IPS o historiador José Rodríguez, natural dessa cidade.

Rodríguez contou que os escritórios de conservação do país elaboram um trajeto que inclui Havana Velha, Cienfuegos, Trinidad, Sancti Spíritus, Bayamo e o centro de Camagüey, declarado Patrimônio da Humanidade em 2008 pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Camagüey prepara uma oferta de alto padrão, que vai desde a hospedagem em pequenos e clássicos “hotéis com encanto”, até uma cidade de noites animadas, com variadas opções culturais para o turismo e os 300 mil habitantes dessa que é a terceira cidade do país.

Desafios da singularidade

Especialistas identificam entre as limitações de Cuba como destino turístico as escassas opções de recreação noturna, uma oferta gastronômica pouco variada, lojas desabastecidas e falta de serviços personalizados.

A maior atração que identificam, por outro lado, é a singularidade de conhecer um oásis em um mundo globalizado, livre da uniformidade de lojas ou de produtos, ou de sua publicidade. Destacam que não há cartazes de marcas como Coca-Cola ou McDonald’s, ou estabelecimentos desta empresa de fast food.

O país já começou a melhorar sua infraestrutura, como novos hotéis, portos adequados para cruzeiros, terminais para os ferry boats, que em setembro começarão a chegar da Flórida, e a ampliação do Aeroporto Internacional José Martí, em Havana. Envolverde/IPS