Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 21/3/2016 – O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva assumiu, no dia 17, a chefia da Casa Civil da Presidência brasileira, cargo equivalente ao de primeiro-ministro, com a missão de salvar o governo quase agonizante, confrontado com uma classe média enfurecida pela corrupção.Sua nomeação, considerada “a última jogada” de sua sucessora, a presidente Dilma Rousseff, desatou uma nova onda de protestos em todo o país, por se tratar de uma forma de evitar que Lula continue sendo investigado pela operaçãocoordenada pelo juiz Sergio Moroque apura corrupção no país.
Ministros e parlamentares têm direito a foro privilegiado, por isso só podem ser julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF), onde o processo pode demorar mais e uma condenação de Lula à prisão seria menos provável do que no tribunal de Moro. Mas é uma manobra de extremo risco, tanto para Lula como para a – cada dia mais debilitada – presidente Dilma.No dia 217, a Câmara de Deputados aprovou uma comissão especial para determinar se há méritos para abrir um julgamento de impeachment contra a presidente, horas depois de o STF ter dado luz verde para isso.
Além das manifestações de rua e os panelaços nos bairros ricos e de classe média, o ex-presidente enfrenta a reação judicial.Sua posse como ministro foi imediatamente suspensa por outro juiz, Itagiba Catta Preta, por representar “risco de dano” à justiça e às investigações do Ministério Público Federal e à polícia.Também houve enfrentamentos de rua entre defensores e críticos de Lula e Dilma e seus 13 anos de gestão, identificados com o desvio de milhares de milhões de dólares da Petrobras, no qual estão envolvidos cerca de 200 empresários e políticos de vários partidos.
A Operação Lava Jato, iniciada pelo Ministério Público e pela Polícia Federal em 2014, desnudou o cartel de construtoras e outras empresas que se assenhoraram dos elevados contratos da Petrobras, mediante subornos a partidos e aos seus dirigentes. Grandes empresários foram detidos nesse caso.Lula é investigado por supostos favores que teria recebido de algumas das maiores construtoras, convidando-o para palestras a preços elevados e pagando obras em um apartamento na praia, cuja aquisição ele não concluiu, e um sítio que frequentava com regularidade, propriedade de um amigo.
As investigações judiciais se politizaram ao se entrelaçarem com a campanha pela destituição de Dilma Rousseff. As ações policiais e as “delações premiadas” se ampliaram com a difusão da mídia. São os “denúncias seletivas” destinadas a enfraquecer o governo, acusam seus integrantes e especialmente os membros do Partido dos Trabalhadores.A condenação pela opinião pública se concentrou desde as primeiras denúncias no governo e no PT, embora o partido que tem mais envolvidos seja de direita.
Lula decidiu radicalizar a mobilização de seus simpatizantes contra a Lava Jato quando, a seu ver, ficou evidente que Moro o persegue intencionalmente. No dia 4 de março, o juiz autorizou a detenção de Lula por algumas horas para interrogatório forçado, quando ele havia ido voluntariamente a outros depoimentos.É uma das medidas “extremas” e de exceção criticadas por Marco Aurélio de Mello, juiz do STF, que se destaca como voz contra a maré na histeria contra a corrupção que se espalhou pelo país desde o ano passado.
Contra as regras e o “devido processo legal” nada se constrói, “se volta à Idade Média”, afirmou Mello.“A pior ditadura é a ditadura do Poder Judicial”, alertouo magistrado, que também discordou de decisões da maioria de seus colegas do STF, como a que permite a prisão de condenados em segunda instância, contrariando a Constituição que deixa em suspenso a pena até que se esgotem todos os recursos.
No clima de confrontação atual, é evidente uma correlação de forças totalmente contrária a Dilma Rousseff, Lula e PT. Cerca de 3,3 milhões de pessoas protestaram contra o governo e a corrupção, pedindo o impeachment da presidente, no dia 13 deste mês, em mais de 250 cidades, segundo as Polícias Militares(PM) estaduais.As estimativas variam. Os promotores das manifestações falam de até cinco milhões de pessoas. Foram bem menos segundo o Instituto Datafolha, vinculado ao jornal Folha de S. Paulo, quecalculou, por exemplo, que em São Paulo foram 500 mil manifestantes, um terço do estimado pela PM.
Segundo o Datafolha, os protestos mobilizaram basicamente as elites. Na cidade de São Paulo, 77% dos participantes têm diploma universitário, quase o triplo da média da população, e 63% ganham mais de cinco salários mínimos, mais que o dobro da média local. Ou seja, não participaram os pobres da periferia das grandes cidades e de regiões como o nordeste do país, onde o PT obteve maiorias esmagadoras nas últimas eleições. De todo modo, com a corrupção e a impunidade como temas dominantes, a classe média ganhou grande força mobilizadora.
A corrupção, sobre a qual o PT nunca fez uma autocrítica séria, inibe a mobilização de setores beneficiados pelas políticas de inclusão social e contra as desigualdades, promovidas pela presidente e por seu antecessor. Além disso, o Brasil vive um clima que recorda o macarthismo dos anos 1950 nos Estados Unidos.
Tudo vale contra os suspeitos de corrupção e contra a impunidade, especialmente dos políticos, não importando se são medidas arbitrárias e ilegais, que possivelmente servirão para anular os processos judiciais no futuro.Tampouco o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) escapou dessa febre. Um pagamento mensal que enviava a uma ex-amante que vivia na Espanha, com quem teve um filho, está sob investigação policial, porque se suspeita que o dinheiro tenhasaído de uma empresa.
O senador Aécio Neves, presidente do PSDB e rival de Dilma na campanha de 2014, também está ameaçado de ser julgado por delações de acusados na Lava Jato. O mesmo acontece com os atuais presidentes do Senado, Renan Calheiros(PMDB-AL)e da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).Outros problemas cruciais da economia, política e sociedade brasileiras ficaram esquecidos. O país praticamente vive uma depressão econômica, com queda do produto interno bruto de 3,8% em 2015, que deverá se repetir ou se agravar este ano, diante das incertezas políticas.
O caos político impede uma recuperação. Moro é o grande herói nacional, como o “japonês da Federal”, policial que aparece em quase todas as detenções da Lava Jato.A marcha da insensatez, que tende a conduzir o país a um colapso institucional, tem poucas vozes cordatas e sem audiência nos grupos envolvidos nesta batalha, que parece final. Suas propostas de cautela e caminhos dialogados são impotentes diante da disposição guerreira dos atores decisivos.
Além de Mello no STF, o ex-presidente FHC dentro de seu partido, ansioso por herdar o poder após a queda de Dilma, e Tarso Genro, importante dirigente do PT, que foi ministro da Educação e da Justiça no governo Lula, procuram trazer alguma racionalidade à crise.
Genro propõe uma “concertação” através do diálogo entre governo e oposição, para defender a democracia e fazer as reformas indispensáveis para superar as crises econômica e política.Fernando Henrique Cardos sugeriu, em um artigo publicado no jornal Estado de S. Paulo, no dia 6 deste mês, a adoção de um “regime semiparlamentar” de governo, com reformas para superar “o esgotamento da ordem política brasileira”, que, destaca, não se deve “apenas a Dilma ou ao PT”. Envolverde/IPS