Ramalá, Cisjordânia, 15/4/2015 – Os soldados israelenses recorrem cada vez mais às balas calibre 5,56 milímetros para enfrentar os manifestantes palestinos, apesar de as autoridades militares de Israel não chegarem a um acordo sobre o uso de munição real para dispersar os manifestantes. O chefe do departamento de segurança de Israel na Direção de Operações afirmou, em 2001, que o rifle Ruger, usado para disparar essas balas, não pode ser considerado uma arma letal e só poderia ser usado em circunstâncias que exigissem o uso de fogo real.
Devido ao grande número de palestinos feridos e mortos por essas balas, as Forças de Defesa de Israel (FDI) suspenderam o uso dessa munição durante a segunda Intifada, ou levante popular palestino, entre 2001 e 2008. Mas as forças israelenses voltaram a utilizá-las e está aumentando o número de palestinos feridos gravemente por essa munição, com pelo menos duas mortes nos últimos meses.
O palestino Ali Safi, de 17 anos, perdeu sua luta pela vida no final de março, depois dos graves ferimentos recebidos quando um franco-atirador israelense, armado com rifle Ruger, disparou contra jovens palestinos que lançavam pedras contra soldados de Israel, perto de um campo de refugiados. “Ali Safi teve lesões graves nos rins, na medula espinhal, nos pulmões e no baço”, informou o médico Sami Naghli, que dirige os serviços de socorro médico do acampamento de refugiados de Jalazone. A bala que causou sua morte tinha calibre 5,56 e é considerada menos letal do que as balas comuns.
“Nos últimos meses, houve um aumento drástico no uso pelas forças de segurança israelenses de balas calibre 5,56 milímetros. Essa munição é disparada quase todas as semanas na Cisjordânia nos locais de protestos e enfrentamentos”, apontou em janeiro o grupo de direitos humanos israelense B’tselem.
“A maioria dos feridos era de jovens palestinos, entre eles menores de idade. Mas, nos últimos dois meses, também foram baleados uma mulher palestina, pelo menos três fotógrafos e um cidadão estrangeiro que participava de uma manifestação”, acrescentou a B’tselem. Essa organização humanitária também testemunhou casos em que soldados israelenses provocaram enfrentamentos a fim de disparar munição real contra os manifestantes.
A reintrodução desta arma polêmica levou a B’tselem a se queixar perante o promotor militar de Israel. Este respondeu confirmando que o rifle “Ruger e meios semelhantes não estão qualificados pelas FDI com meio para dispersar manifestações ou distúrbios públicos”.
O doutor Naghli disse à IPS que os soldados israelenses também estão usando um tipo de bala que se fragmenta no momento do impacto, o que provoca traumatismos graves e danos nos ossos, órgãos e nervos, embora não possa confirmar que se trata de bala calibre 5,56 milímetros ou de outro tipo. “Nos últimos três meses, houve mais de 40 feridos por esse tipo de munição”, afirmou.
Nas últimas semanas, a IPS foi testemunha de como franco-atiradores israelenses dispararam de maneira reiterada contra manifestantes palestinos durante vários enfrentamentos na Cisjordânia, quando as pedras que caíam a uma distância prudente dos soldados não representavam perigo algum para eles.
A reportagem também visitou alguns dos feridos no hospital de Ramalá e falou com o cirurgião ortopédico Ahmed Barakat, que tratava deles. “Muitos dos feridos receberam tiros a curta distância e era como se os soldados disparassem para matar. Em meus cinco anos de cirurgião, a situação piorou progressivamente, sobretudo ultimamente”, destacou.
Em um fato relacionado, as FDI também suspenderam temporariamente o uso de cães de ataque durante a detenção de palestinos, na maioria acusados de atirar pedras. Isso ocorreu depois do clamor popular gerado por um vídeo mostrando como Hamzeh Abu Hashem, de 16 anos e oriundo de Beit Ummar, perto de Hebron, no sul da Cisjordânia, era atacado por dois cães enquanto os soldados o prendiam.
Uma investigação posterior das FDI concluiu que o uso de cães nos enfrentamentos “poderia ser justificado, mas no caso em questão o jovem poderia ter sido detido por outros meios”. Abu Hashem continua preso desde o incidente.
A tortura dos palestinos presos pelos serviços de segurança israelenses aumentou desde o segundo semestre de 2014, segundo denúncia da organização independente Comitê Público Contra a Tortura em Israel, um advogado que representa os prisioneiros palestinos e o jornal israelense Haaretz. “Nos últimos anos, houve poucos casos de tortura. Mas algo está mudando”, afirmou ao jornal o advogado em questão.
Em todo ano de 2014, 23 palestinos apresentaram denúncias por torturas contra o Shin Bet, o serviço nacional de inteligência de Israel. Até 1999, milhares de prisioneiros palestinos eram torturados a cada ano. O Comitê Público Contra a Tortura em Israel calcula que a maioria dos palestinos interrogados sofreu algum tipo de tortura.
Em setembro de 1999, devido a uma petição junto ao Superior Tribunal de Justiça, este proibiu o uso sistemático da tortura, mas deixou uma pequena margem de decisão aos interrogadores. Essa margem se aplica nos casos conhecidos como “bombas de tempo”, quando se permite o uso da força para obter informação crucial.
Entretanto, os críticos da medida dizem que o que constitui uma “bomba de tempo” está sujeito à interpretação, bem como o fato de os presos palestinos torturados darem informação falsa apenas para que a tortura pare. Envolverde/IPS