O Brasil viveu mais de quatro décadas de concentração elétrica, mas o modelo se esgotou e agora se volta para a geração distribuída e descentralizada.
Foz do Iguaçu, Brasil, 2 de setembro de 2013 (Terramérica).- A gigantesca central hidrelétrica de Itaipu, compartilhada por Brasil e Paraguai, também está se tornando uma referência em uma fonte de energia em microescala, que não só é limpa como também higieniza o meio ambiente e promove o desenvolvimento local, o biogás. Evitar a contaminação da represa por resíduos orgânicos para preservar a eficiência geradora da central é o objetivo primordial da Itaipu, cujo principal programa socioambiental, Cultivando Água Boa, compreende 65 ações de proteção da bacia do rio Paraná III, a área afetada pela represa do lado brasileiro, no oeste do Paraná.
O biogás, obtido a partir de excrementos animais, cumpre essa função de saneamento. Também reduz a emissão de gases-estufa e representa uma fonte de renda para os agricultores locais, resumiu ao Terramérica Cícero Bley, superintendente de Energias Renováveis da Itaipu Binacional. A perspectiva de incorporar o negócio energético à sua atividade agropecuária anima Gedson Vargas, cujo entusiasmo deve ter sido decisivo para sua chegada à presidência da cooperativa Coperbiogás, embora fosse quase um recém-chegado entre moradores tradicionais do vale do rio Ajuricaba, boa parte deles descendentes de imigrantes alemães.
Aos 51 anos e com três filhos jovens, Vargas realizou um sonho em 2007, ao adquirir ali 17 hectares pelo equivalente a US$ 100 mil. “Sempre fui camponês”, disse, mas trabalhou cinco anos como revendedor de leite na cidade para economizar e poder comprar a pequena propriedade. “Comecei com 12 vacas emprestadas, mas cresci e hoje tenho 40, mais 12 bezerras”, contou ao Terramérica. Com isso, produz bastante biogás para consumo doméstico e excedente. Porém, está limitado pelo pequeno digestor de apenas dez metros cúbicos.
Vargas espera conseguir outro maior por meio da Itaipu, que poderia ser um que foi abandonado por uma vizinha. “Dá muito trabalho, mas antes era igual, pois tínhamos que limpar os excrementos do estábulo”, pontuou. Agora há benefícios ambientais, acabaram o mau cheiro e os mosquitos, e o rio e uma lagoa próximos estão limpos. Além disso, depois que se extrai o biogás, os restos dos excrementos servem como biofertilizantes, “que melhora as pastagens e é gratuito”, comemorou. Assim economiza US$ 150 mensais em fertilizantes químicos.
Vargas planta somente milho, em dez hectares, e aproveita tudo, grão, palha e sabugo, para armazenar e alimentar as vacas durante o inverno. A compra de um trator é prova de que o negócio vai bem. Os problemas da cooperativa não tiram seu ânimo. Tudo começou em 2009 com o Condomínio de Agroenergia para a Agricultura Familiar da Bacia do Rio Ajuricaba, depois formalizado como Coperbiogás. Eram 41 famílias, mas oito desistiram e deixaram o vale.
Há mais de um ano está tudo pronto para gerar eletricidade na microcentral termoelétrica de biogás, construída com doações da Itaipu em terreno cedido pela prefeitura de Marechal Cândido Rondon. A venda de eletricidade representará renda adicional para os 33 sócios da cooperativa. A microcentral já conta com insumos dos biodigestores familiares conectados por tubulações, mas sua operação espera uma decisão da Companhia Paranaense de Energia (Copel), empresa pública estadual que compraria a eletricidade para distribuição.
Uma alternativa é a venda direta para a Cooperativa Agroindustrial Copagril, de Marechal Rondon, que manifestou interesse. No entanto, o “pulmão”, um grande balão de plástico que armazena o biogás na microcentral, já apresenta buracos, denunciados pelo mau cheiro. Será preciso substituí-lo por um mais resistente e maior. Além disso, é preciso instalar 1.200 metros de tubulações e garantir um abastecimento regular com existência de reservas. Os investimentos indispensáveis superam a capacidade da Cooperativa, reconheceu Vargas.
Os técnicos da Itaipu estimam que os cooperativistas possuam um rebanho de mil bovinos e três mil suínos, o que implica 15.800 metros cúbicos de excrementos por ano, que podem gerar 266.600 metros cúbicos de biogás e 445 mil quilowatts/hora de eletricidade, suficiente para abastecer 2.200 residências. No momento, a Coperbiogás oferece serviços de um pequeno secador de grãos, que usa o biogás para gerar fluxos de ar quente.
A iniciativa de Ajuricaba é fundamental como modelo para os agricultores familiares, que somente em grupo podem viabilizar um empreendimento energético. A empresa energética estatal do Uruguai, por exemplo, já decidiu levá-lo ao seu país. A experiência poderia ser replicada no próprio oeste do Paraná, onde há 26 mil agricultores familiares, 80% das propriedades rurais têm menos de 50 hectares, e uma grande produção agroindustrial de bovinos, suínos e aves, afirmou Bley, agrônomo e reconhecido especialista em energias alternativas.
Entretanto, a pioneira na produção comercial de biogás é uma empresa média. A Granja Colombari, com cerca de quatro mil porcos no município de São Miguel do Iguaçu, vende eletricidade de biogás para a Copel desde 2009. Estão em marcha outros projetos de termoelétricas a biogás, como o de uma propriedade leiteira e três de uma grande cooperativa agrícola-comercial.
O Brasil viveu mais de quatro décadas de concentração elétrica, da qual Itaipu é um exemplo, em busca de maior eficiência, mas o modelo se esgotou e deve incorporar a geração distribuída e descentralizada, dando um papel importante aos microgeradores que, além de energia, produzem desenvolvimento local e melhorias ambientais, argumentou Bley. A opção de Itaipu por esse caminho “não é por uma aventura publicitária, mas por uma decisão profunda”, explicou.
Por isso, a central criou, no ano passado, junto com a Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Onudi), o Centro Internacional de Energias Renováveis, o primeiro do mundo com ênfase em biogás, sob direção de Bley. A atividade rural ganha dinamismo com a renda energética e com a “economia do biogás”, sua cadeia de fornecimentos, serviços e conhecimentos, e também o saneamento urbano pode aproveitar a água servida, grande fonte de gases, destacou.
Ajuricaba, por exemplo, impulsionou uma pequena indústria local. Seus biodigestores azuis e “pulmões” negros, visíveis junto aos estábulos, são fabricados pela BioKohler, empresa encubada pela Itaipu. Os novos empresários iniciaram suas inovações há dez anos na propriedade do pai, pequeno produtor de leite no mesmo município de Marechal Rondon, contou Paulo Kohler ao Terramérica.
Eles fizeram alguns biodigestores de plástico e depois seu irmão Pedro criou os de fibra de vidro, presentes em Ajuricaba em três tamanhos, de dez a 40 metros cúbicos. Agora se dedicam a construí-los de concreto, maiores e mais caros, a adaptar fogões para o biogás e a melhorar os “pulmões”. Paulo observou que “estamos apenas sobrevivendo”, mas o mercado de biogás é promissor. (Envolverde/Terramérica)
* O autor é correspondente da IPS.
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Artigo produzido para o Terramérica, projeto de comunicação dos Programas das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e para o Desenvolvimento (Pnud), realizado pela Inter Press Service (IPS) e distribuído pela Agência Envolverde.