Internacional

Jovens africanos e a segurança alimentar

A segurança alimentar da África depende de múltiplos fatores, entre os quais alguns analistas ressaltam a participação dos jovens na agricultura. Foto: Busani Bafana/IPS
A segurança alimentar da África depende de múltiplos fatores, entre os quais alguns analistas ressaltam a participação dos jovens na agricultura. Foto: Busani Bafana/IPS

Por Busani Bafana, da IPS – 

Lusaka, Zâmbia, 7/12/2015 – A agricultura permite alimentar mais de 1,1 bilhão de africanos, mas os produtores já não são jovens, não têm os recursos necessários e nem estão familiarizados com a tecnologia, o que faz temer pela capacidade dos agricultores familiares poderem continuar colocando comida na mesa. A menos que os jovens entre 14 e 24 anos se voltem à agricultura, não importa o quanto seja o investimento econômico ou tecnológico, não se conseguirá que a atividade garanta a segurança alimentar no continente, afirmam especialistas em desenvolvimento.

Beauty Manake, de Botsuana, levou isso a sério e aos 25 anos deixou seu emprego, passou a se dedicar à agricultura familiar e atualmente administra duas fazendas, que diz serem o melhor investimento que poderia ter feito. “A motivação inicial foi fazer dinheiro rapidamente, mas agora minha paixão por cuidar de uma planta desde a semente até obter o produto para vender superou minhas expectativas econômicas”, disse à IPS. “Enfrentei grande pressão por ser jovem, pois a África se caracteriza pelo envelhecimento dos agricultores, e precisei intensificar a atividade para não fracassar, pois está em risco a cesta de alimentos”, acrescentou.

Conseguir “acabar com a fome, obter a segurança alimentar e melhor nutrição, e promover a agricultura sustentável” é o segundo dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), acordados pelos governantes dos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) em setembro. Mas nada será alcançado na África se não se melhorar a agricultura para que dê trabalho e atraia os jovens.

A agricultura emprega mais de 60% da população africana e é responsável por uma grande parte do produto interno bruto (PIB) de muitos países do continente, além de alimentar comunidades inteiras. Há estimativas indicando que os agricultores africanos têm em média 60 anos, o que é má notícia porque os produtores familiares, que trabalham mais de 80% das terras cultiváveis, são responsáveis pela maior parte da produção do continente.

Mas nem todos concordam que o problema da segurança alimentar na África esteja no envelhecimento dos agricultores ou no desinteresse dos jovens pela agricultura, como é o caso de Jim Sumberg, pesquisador do Instituto de Estudos de Desenvolvimento, da Universidade de Sussex, da Grã-Bretanha.

Sumbergi afirma em seu blog Future Agricultores que é necessária uma análise mais profunda da situação devido à má qualidade das estatísticas oficiais, especialmente da informação demográfica, bem como maior clareza sobre o que significa ser um agricultor. Também é necessária uma análise das tendências e dos acontecimentos que marcaram a agricultura africana na última década.

“Mas, primeiro, e antes de tudo, se requer visão: que tipo de setor agroalimentar oferecerá oportunidades profissionais aos jovens (e outros) de tal forma que permitam uma melhora real da renda e das capacidades, e, ao mesmo tempo, atenda assuntos de exclusão e igualdade social”?, perguntou.

Por trás do chamado pelo “rejuvenescimento” da agricultura africana está a Aliança para uma Revolução Verde na África (Agra), em cujo Fórum sobre a Revolução Verde, realizado em setembro em Lusaka, capital de Zâmbia, se discutiu sobre a participação de jovens e mulheres na atividade agrícola. “Os jovens são uma oportunidade sem precedentes para enfrentar os desafios e as limitações que freiam as melhoras na produtividade da agricultura”, diz a Agra no Informe Sobre o Status da Agricultura Africana: Jovens na Agricultura da África Subsaariana, que foi apresentado nesse encontro.

A Organização das Nações Unidas pára a Alimentação e a Agricultura (FAO) afirma que a produção de alimentos deve aumentar pelo menos 60% para poder alimentar bem os mais de nove bilhões de pessoas que habitarão o planeta até 2050. Dados da FAO e do Banco Mundial indicam que a agricultura é responsável pro US$ 2,4 trilhões da economia mundial graças ao trabalho de um bilhão de pessoas.

A África goza do renovado interesse dos investidores por seus abundantes recursos naturais e minerais, e tem seis das economias de mais rápido crescimento, mas também se urbaniza rapidamente. Quase 1,3 bilhão de pessoas, igual à atual população da China, viverão nas cidades africanas nos próximos 15 anos, segundo a ONU-Habitat.

A produção agrícola africana é estimada em mais de US$ 280 bilhões, e o setor representa mais de 30% do PIB, apresentando-se como uma oportunidade para atender o desemprego juvenil e a insegurança alimentar. A África tem quase 200 milhões de pessoas entre 15 e 24 anos, o que a converte no continente mais jovem, segundo a União Africana, que também afirma que dez milhões de jovens africanos ingressam anualmente no mercado de trabalho.

Mas as oportunidades profissionais no setor agrícola diminuem por vários fatores, como o limitado acesso à terra, ao crédito e a melhoras tecnológicas. Além disso, os jovens carecem de capacitação e conhecimentos básicos, e as normas sociais os excluem dos processo de decisão, que fica nas mãos das gerações mais velhas.

O documento Tendências Mundiais do Emprego Juvenil de 2013, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), mostra que o desemprego na África subsaariana superava o dos adultos. Os jovens têm o dobro de probabilidade de ficar sem trabalho, em relação a um adulto. A África precisa solucionar o problema da perda de alimentos guardados após a colheita e reduzir o desperdício, que, segundo a FAO, representa um terço da produção mundial de alimentos, aproximadamente 1,3 bilhão de toneladas ou a produção total da África subsaariana.

A chave está em ter políticas favoráveis à agricultura, destacou a diretora executiva da Rede de Análises de Políticas sobre Recursos Naturais, Agricultura e Alimentação (FANRPAN), Lindiwe Majele Sibanda. “A África necessita de políticas baseadas na evidência das pessoas mais afetadas, e o problema que temos agora pela frente são os jovens desempregados e que carecem de formação”, afirmou. Os jovens devem reclamar seu espaço na agricultura e obrigar os governos a ouvi-los, porque sua participação não será servida em bandeja de prata, ressaltou.

Enquanto a África busca promover e, com sorte, implantar os novos ODS, os governantes poderão criar um contexto favorável e acelerar o investimento no setor agrícola para que seja a semente do crescimento dos futuros produtores de alimentos do continente? Envolverde/IPS