Por Joaquín Roy*
Barcelona, Espanha, agosto/2015 – O secretário de Estado norte-americano, John Kerry, içará a bandeira das faixas e estrelas no emblemático edifício da Embaixada de Washington em Havana neste 14 de agosto. O ex-senador e antigo candidato à Presidência quis, para isso, acelerar sua convalescência pelo acidente de bicicleta sofrido na Suíça, no qual fraturou o fêmur.
Não estará em um lugar estranho: na realidade, regressa à casa. Mais do que México (do qual os Estados Unidos arrebataram metade de seu território) e Porto Rico (a propina da Guerra Hispano-Norte-Americana de 1898, junto com as Filipinas), Cuba é a terra latino-americana mais naturalmente “americana-ianque”.
Não há nada mais palpável para confirmar essa tese do que ver a facilidade espantosa com que qualquer recém-chegado de Cuba a Miami se adapta ao ambiente.
A essa altura cabe perguntar por que se demorou tanto em “normalizar” o que deveria ter sido uma relação estreitíssima entre o império e uma modesta ilha a cerca de 150 quilômetros da costa norte-americana de Cayo Hueso.
“Mais se perdeu em Cuba”, exclamaram várias gerações de espanhóis para relativizar uma desgraça familiar. O que os Estados Unidos perderam em Cuba para manterem esse longo embargo, cujo objetivo no final foi reconhecido como um fracasso?
Mais do que algumas propriedades, pois muitas delas na realidade eram dos espanhóis ou de seus descendentes imediatos, Washington perdeu a prepotência de sua superioridade hegemônica após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945).
A conversão de Cuba em um Estado marxista-leninista, aliado com o arqui-inimigo dos Estados Unidos, a agora extinta União Soviética, e a destruição total do sistema capitalista, mais o exílio de uma camada da sociedade notável, foi uma bofetada de tal magnitude que nenhum presidente norte-americano estava disposto a perdoar e passar à história como o primeiro a ter claudicado diante de Castro.
Assim se explica a inércia da manutenção do embargo, que peça a peça foi minimizando no campo econômico.
Mas a explicação inclui, em primeiro lugar, o inigualável trabalho de Fidel Castro, dono e senhor da situação. Sua liderança na história recordará (embora, talvez, não o absolva, como prometeu em seu momento) que não teve comparação desde o libertador Simón Bolívar e seu entendimento extremo do significado dos Estados Unidos na evolução histórica da América Latina e sua inata identidade.
Em contraste com a visão de outros dirigentes equivocados, Castro entendeu que os Estados Unidos eram parte intrínseca da personalidade latino-americana, e de Cuba especialmente. Os Estados Unidos eram o que a América Latina queria ter sido e não pôde.
Daí que se empenhou na conversão desse país em um inimigo, trabalho no qual lamentavelmente a política de Washington ajudou. Mas conservou a noção de que na realidade os cubanos não odiavam os Estados Unidos, mas somente os ocupantes temporários da Casa Branca e as odiadas instituições de segurança.
Castro sabia perfeitamente que, ao mesmo tempo em que Cuba foi se convertendo defeituosamente em uma nação após a independência hipotecada pela Emenda Platt (outro erro de Washington, de 1901) e foi se reforçando insolitamente em mais espanhola pela imigração procedente da derrotada metrópole (um caso único na história moderna), foi se “americanizando” inexoravelmente.
O novo império reforçou seu erro mediante o apoio ou a tolerância dos ditadores e governantes cubanos corruptos dos anos 30 e 40 do século 20, detalhes que Castro explorou maquiavelicamente para tratar de demonstrar o afastamento do país do norte.
Daí que, à manutenção do embargo, Castro respondeu com ações que só faziam provocar a consequente reação de Washington. Quando se atravessava fases de certa calma (como nas administrações dos democratas Jimmy Carter e Bill Clinton), eram enviadas tropas à África ou derrubadas as avionetas da Irmãos ao Resgate, e assim foi aprovada a Lei Helms-Burton, que codificava o embargo.
Além disso, conseguiu a aliança da União Europeia pela aprovação de leis de alcance extraterritorial, de modo a convidar para o surgimento da Posição Comum de Bruxelas, uma espécie curiosa de “embargo” à moda europeia.
Por que essa estrutura agora parece vir abaixo? Porque as justificativas do passado carecem do pragmatismo necessário para enfrentar os desafios do presente no quintal dos Estados Unidos, que precisam se estabilizar para enfrentar outros problemas mais urgentes no resto do planeta.
A outra razão é porque Raúl Castro, que governa Cuba desde 2008, não é como seu irmão e se agarrou ao retorno dos Estados Unidos à casa como um ferro ardendo. Mas há obstáculos no caminho.
As condições políticas de uma normalização inseridas na Helms-Burton são impotentes (desaparecimento dos Castro, partidos políticos, liberdade de expressão, eliminação da Rádio/TV Martí e outros). A erosão mediante a liberação progressiva (como no campo econômico) não será suficiente e será preciso que o próprio Congresso norte-americano revogue a legislação sobre o embargo em bloco.
E não será fácil. Desta vez Raúl não vai cometer um erro fatal. Envolverde/IPS
* Joaquín Roy é catedrático Jean Monnet e diretor do Centro da União Europeia da Universidade de Miami. [email protected]