Por Emilio Godoy, da IPS –
Cidade do México, México, 4/11/2015 – As políticas de dados abertos na América Latina ainda não permitem que as comunidades exerçam seus direitos de acesso a informação, consulta e participação frente a projetos extrativistas e de infraestrutura que afetam o seu entorno e a sua forma de vida. Esses direitos constam da Declaração do Rio sobre Ambiente e Desenvolvimento, com a qual foi encerrada a Cúpula da Terra, realizada na cidade do Rio de Janeiro, em 1992.
O Princípio 10 dessa declaração diz que “toda pessoa deverá ter acesso adequado à informação sobre o ambiente que as autoridades dispuserem, incluída a informação sobre os materiais e as atividades que representam perigo em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos de tomada de decisões”. Além disso, os Estados “deverão facilitar e fomentar a sensibilidade e participação da população, colocando a informação à disposição de todos. Deverá ser proporcionado acesso efetivo aos procedimentos judiciais e administrativos”.
“Na América Latina, a falta de informação aberta e oportuna é um problema generalizado”, afirmou Tomás Severino, diretor da organização não governamental mexicana Cultura Ecológica. Esse especialista disse à IPS que “a informação é técnica e especializada. Dados abertos nos dão a possibilidade de gerar informação acessível, de desagregá-la e difundi-la”.
O vínculo entre dados abertos e projetos que incidem sobre as populações e o ambiente foi um dos temas da Cúpula Global da Aliança para o Governo Aberto, realizada entre os dias 27 e 29 de outubro na Cidade do México. Do encontro participaram representantes governamentais, da sociedade civil e acadêmicos dos 65 países integrantes da aliança voluntária, criada em 2011 no contexto da Organização das Nações Unidas (ONU). Do total, 15 países pertencem à região latino-americana.
Durante os fóruns e painéis, os delegados da sociedade civil organizada defenderam o fortalecimento das políticas de dados abertos e que se avance rapidamente para o cumprimento do Princípio 10, que não pode ser materializado se não se evoluir na abertura total da informação.
É prática comum na região as comunidades desconhecerem a existência de iniciativas minerais, petroleiras, energéticas e de outro tipo, até baterem à porta, sem que sejam consultadas previamente ou possam revisar os expedientes pertinentes. Assim, autorizações, licenças e concessões ficam fora de seu radar.
Os Estados da região ratificaram os compromissos sobre a aplicação do Princípio 10 da Declaração do Rio sobre o Ambiente e o Desenvolvimento na América Latina e no Caribe, assinada durante a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio+20, também realizada na cidade do Rio de Janeiro, em 2012.
Segundo informações dos participantes da cúpula sobre governo aberto, o tema ambiental se limita a estipular a difusão das consultas públicas no processo de impacto ambiental no Segundo Plano de Ação de dados abertos 2013-2015. Atualmente, o México coleta propostas para a construção de um terceiro plano mais ambicioso. Um de seus eixos aborda a “governança dos recursos naturais”, que inclui mudança climática, hidrocarbonos, mineração, ecossistemas, direito a um ambiente sadio e recursos hídricos para consumo humano.
Por sua vez, o Peru discute, desde maio, a Estratégia de Abertura e Reutilização de Dados Abertos Governamentais, para o período 2015-2019, que incluiria questões ambientais. Em agosto, a Argentina apresentou a primeira parte do Segundo Plano de Governo Aberto 2015-2017, que tampouco contém maiores considerações ambientais.
“Há um problema muito grave: não basta ser transparente. Existe uma questão de oportunidade. Quando o cidadão necessita dessa informação? Depois que acontece?, questionou à IPS Carlos Monge, representante no Peru do não governamental Instituto para a Governança dos Recursos Naturais, dos Estados Unidos. “Isso é um erro. Deve-se pensar em como desenvolver informação antes da tomada de decisões ou sobre os impactos dessas decisões”, pontuou.
Monge criticou o fato de que, desde 2014, países como Bolívia, Colômbia, Equador e Peru tenham reformado suas legislações para baixar os padrões ambientais, a fim de manter e atrair investimentos da indústria extrativista, devido à queda da demanda global por matérias-primas, uma das bases de suas economias.
O Atlas Global de Justiça Ambiental lista 480 conflitos ambientais em 16 nações latino-americanas e caribenhas, relacionados com atividades como mineração e exploração de combustíveis fósseis, gestão de resíduos e da água, acesso à terra e desenvolvimento de infraestrutura.
Essa iniciativa faz parte do projeto europeu Organizações de Justiça Ambiental, Passivos e Comércio, é coordenada pelo Instituto de Ciência e Tecnologia da Universidade Autônoma de Barcelona e foi elaborada por especialistas de 23 universidades e organizações de justiça ambiental de 18 países. A maioria das disputas, de acordo com o Atlas, se concentra na Colômbia, com 101, Brasil, com 64, Equador, 50, Peru, 38, Argentina, 37, e México, 36.
Diante do desconhecimento das obras em seu entorno, as comunidades sofrem o que o professor norte-americano Rob Nixon batizou de “violência lenta” em matéria ambiental, derivada da exploração de recursos naturais, que fabrica conflitos e empobrece ainda mais as populações afetadas.
Alicia Bárcena, secretária-executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), criticou na cúpula o fato de as comunidades não conhecerem com antecedência dados sobre projetos extrativistas e assegurou que a região ainda não está preparada para cumprir os dados abertos. “É importante que tenham informação sobre concessões, contratos, impactos, rendas, para que saibam antes dos efeitos”, ressaltou à IPS.
Os países da região acordaram, em novembro de 2014, a negociação de um tratado sobre o Princípio 10, em um processo facilitado pela Cepal, que está para lançar um centro de governança dos seus recursos naturais. A segunda rodada de negociações aconteceu no Panamá, entre os dias 27 e 29 de outubro, e a terceira será no Uruguai, em abril de 2016.
Severino, que participa das iniciativas mexicanas de dados abertos e no processo regional do Princípio 10, propôs a necessidade de mudar leis para apegar-se a esses esquemas. “Precisamos de mecanismos de participação e consulta”, afirmou.
Monge antecipou dois processos que devem ser institucionalizados. “Os ordenamentos territoriais e a consulta supõem que muita informação é gerada. Se querem fazer uma obra, é preciso tornar transparente a informação sobre dinheiro, água, território”, acrescentou. Os primeiros se referem ao zoneamento de áreas para residências, indústrias ou superfícies ecológicas, a cargo dos municípios, e a segunda diz respeito a perguntar às populações locais se querem, ou não, o projeto.
“A consulta é um dos instrumentos mais efetivos. O Princípio 10 a aborda antes de fazer um projeto”, destacou Bárcena. Envolverde/IPS