Internacional

Lei limita trabalho de ONGs em Uganda

Um ativista da comunidade LGBTI de Uganda em um protesto na cidade de Entebe em 2013. Foto: Amy Fallon/IPS
Um ativista da comunidade LGBTI de Uganda em um protesto na cidade de Entebe em 2013. Foto: Amy Fallon/IPS

Por Amy Fallon, da IPS – 

Kampala, Uganda, 10/3/2016 – Quase duas semanas depois de uma controvertida eleição, o presidente de Uganda, YoweriMuseveni, promulgou em janeiro uma lei que restringe as operações de milhares de organizações não governamentais que trabalham neste país africano. A lei contém “disposições com obrigações especiais que são vagas e estão mal definidas, o que permite o abuso”, segundo trabalhadores do setor.

O texto legal afirma que procura criar “um ambiente condizente e habilitador” para as organizações não governamentais (ONGs), bem como “fortalecer e promover a capacidade das organizações e sua mútua colaboração com o governo”, segundo a IPS pôde ler.Mas AdrianJuuko, diretor executivo do Fórum de Promoção e Conscientização em Direitos Humanos (HRAPF) explicou que a preocupação surge de disposições que impediram as 11 mil ONGs de fazerem qualquer coisa contra “os interesses de Uganda” e da “dignidade dos ugandenses”.

“O uso do termo ‘dignidade’ coloca em risco as organizações que trabalham com questões relativas a lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais” (LGBTI), explicouJuuko à IPS. A lei sugere que Uganda “preferiria manter sua dignidade em lugar de aceitar a homossexualidade”, acrescentou.A aprovação da nova lei “pode ser outra forma de reintroduzir a anulada lei contra a homossexualidade, pois afetaria igualmente as organizações que oferecem serviços para pessoas LGBTI, ou que defendem a despenalização das relações entre indivíduos do mesmo sexo”, pontuou o diretor do HRAPF.

A lei contra a homossexualidade foi aprovada pelo parlamento no dia 20 de dezembro de 2013, e substituía a prisão perpétua por pena de morte. Esta lei foi promulgada por Museveni no dia 25 de fevereiro do ano seguinte, mas o Tribunal Constitucional a invalidou por razões processuais seis meses depois.Em 2014, houve 89 casos de violência contra pessoas LGBTI, segundo informe divulgado em julho pelo HRPAF, e as agressões e a discriminação seguem inalteradas.

A nova lei determina até três anos de prisão ou multa de US$ 432, ou ambos, pelo que os ativistas qualificam de “delitos menores”. Também prevê pena de um ano de prisão para quem negar acesso a um inspetor do Escritório de ONGs, rejeitar ou não cumprir uma ordem ou instrução sua.A lei foi aprovada pelo parlamento em novembro, mas os ativistas protestaram contra suas duras disposições para que fossem emendadas antes que chegasse à assembleia em abril.

Museveni, que governa este país da África oriental há 30 anos, foi reeleito em 18 de fevereiro, em uma eleição considerada “farsa” pela oposição. Também foram criticadas por observadores internacionais, que denunciaram a falta de transparência.

Essa lei “marca tempos difíceis” para as ONGs nesse governo de Museveni, e é “consequência de um prolongado mandato que dá lugar à paranoia e à rejeição a críticas”, observou Nicholas Opiyo, diretor executivo da organização Chapter Four. A lei promove “uma perspectiva errônea do setor, como uma ameaça à segurança, em lugar de um setor de desenvolvimento”, acrescentou. Além disso, a lei obriga as ONGs a terem uma autorização emitida pelo Estado.

“A promulgação de uma lei com falhas não poderia ocorrer em pior momento”, disse à IPS a diretora executiva do Projeto de Acesso Global à Saúde, Asia Russell. “As ameaças, o assédio e a intimidação do governo contra a sociedade civil, a mídia e a oposição se intensificam. Em seguida, depois de uma eleição controvertida, o presidente Museveni joga mais lenha na fogueira”, destacou.

“Se o governo pretende fazer cumprir qualquer dos artigos controversos, iremos impugnar sua legalidade no Tribunal Constitucional”, ressaltou à IPS o assistente de programa da Chapter Four, Anthony Masake.

O governo de Uganda não respondeu às consultas da IPS sobre as críticas à nova lei.Museveni ganhou as eleições com 60,62% dos votos, seguido por KizzaBesigye, com 35,61% e aspirante à Presidência pela quarta vez, que permanece em prisão domiciliar e pediu à comunidade internacional para não aceitar o resultado eleitoral.Outro presidenciável, AmamaMbabazi, ex-primeiro-ministro do governo do Movimento de Resistência Nacional, de Museveni, também contesta as eleições.

Observadores da um (UE) apontaram “a falta de transparência e independência da Comissão Eleitoral” durante a votação.Por sua vez, OlusegunObasanjo, que encabeça o Grupo de Observadores da Comunidade em Uganda, apontou que a demora de seis horas na entrega das papeletas aos centros de votação foi “absolutamente indesculpável e não inspira confiança no sistema nem no processo”.

“Não há maneira de alguém realmente acreditar que os resultados anunciados refletem a vontade do povo”, afirmou à IPS LivingstoneSewanyana, presidente da Rede de Cidadãos Observadores de Eleições de Uganda, que coletará dados dos observadores até junho. “Já deixamos claro que ficaremos encantados em ajudar qualquer das partes afetadas que decidir recorrer à justiça fornecendo-lhes informação”, enfatizou.

No dia 29 de fevereiro, numerosas figuras femininas de destaque solicitaram à Comissão Eleitoral uma Declaração de Formulários de Resultados de todos os centros de votação de alguns distritos onde houve número significativo de votos válidos que foram excluídos da recontagem nacional, ou dos que tiveram quase 100% de participação, com quase todos os sufrágios incluídos no total.

Os votos de aproximadamente 1.700 centros de votação foram excluídos do resultado final, anunciou a comissão no dia 20 de fevereiro, sem maiores explicações. Seu presidente, BadruKiggundu rechaçou os questionamentos, alegando que as críticas “não eram incomuns” no processo eleitoral. “Os observadores de todo o mundo têm a liberdade de dizer o que quiserem e de expressar sua opinião”, disse à IPS.

O porta-voz do governo, ShabanBantariza afirmou que Museveni ganhou “porque muitos fatores estavam a seu favor de forma legítima e genuína”. O porta-vozcontou à IPS que “as possibilidades de Museveni ganhar eram ínfimas”, e acusou o chefe da missão de observação da União Europeia de não visitar suficientes centros de votação e depois “se aborrecer”. Envolverde/IPS