Internacional

Licença maternidade discrimina muitas indianas

As mulheres das áreas rurais da Índia sofrem uma enorme pressão de suas famílias para não usar contraceptivos orais nem injetáveis, optando pelo método cirúrgico. Foto: NeetaLal/IPS
As mulheres das áreas rurais da Índia sofrem uma enorme pressão de suas famílias para não usar contraceptivos orais nem injetáveis, optando pelo método cirúrgico. Foto: NeetaLal/IPS

Por Neeta Lal, da IPS – 

Nova Délhi, Índia, 29/8/2016 – A reformada Lei de Benefícios para a Maternidade, de 1961, que aumentou de 12 para 26 semanas a licença maternidade paga na Índia, gerou mais descontentamento do que aplausos por seu caráter discriminatório. A emenda também diz que as mães que continuarem amamentando após a licença trabalhem em casa, e também obriga os estabelecimentos com mais de 50 empregados a terem uma creche.

A reforma colocou esse país no terceiro lugar entre os que concedem maior licença maternidade, atrás da Noruega, com 44 semanas, e do Canadá, com 50. O aspecto mais positivo da lei é que pelo menos reconhece que as mulheres têm direito a gozar de benefícios relacionados à maternidade, fundamental em um país conhecido por sua arraigada discriminação contra a população civil e que costuma registrar os piores índices em matéria de igualdade de gênero.

Mas ainda não agrada porque beneficiará uma ínfima proporção de mulheres empregadas no setor formal e ignorará a vasta quantidade das que trabalham por contrato, camponesas, diaristas, autônomas e as que cuidam da casa. Sudeshna Sengupta, da Campanha pelo Direito à Alimentação, apontou que 29,7 milhões de mulheres ficam grávidas a cada ano na Índia.

“Ainda que a lei fosse totalmente aplicada, há estudos mostrando que beneficiaria apenas 1,8 milhão de mulheres do setor formal, deixando de fora 99% das que integram a força de trabalho”, afirmou Sengupta.“Se isso não é discriminação, então o que seria? Na Índia, as assalariadas constituem apenas 5% do total de trabalhadoras, o restante atua no setor informal. Que justiça existe em deixar esse grupo fora da nova lei?”, questionou.

Por sua vez, Kavita Krishnan secretária da Associação de Mulheres Progressistas de Toda Índia, opinou à IPS que os benefícios pela maternidade devem ser universais e atingir toda a população feminina. “Na Índia, a maioria das mulheres é diarista ou trabalha por contrato em condições de exploração. Nem mesmo estão contempladas nas leis trabalhistas. Quando engravidam, são consideradas uma carga. A nova lei não contém disposições para erradicar essa mentalidade”, destacou à IPS.

Muitas das empregadas ouvidas pela IPS disseram que a gravidez costuma ser um elemento de quebra na relação com seus empregadores. Sakshi Mehra, gerente de uma tecelagem para exportação em Nova Délhi, contou que seus empregadores estavam encantados com seu trabalho e até duplicaram seu salário um ano após entrar na fábrica. Porém, “as coisas mudaram de forma drástica quando engravidei. Meu chefe insinuava que deveria procurar um trabalho mais fácil. Foi como se tivesse ficado incapacitada de um dia para outro”, contou.

As mulheres pobres que trabalham como diaristas na Índia não têm nenhum benefício vinculado à maternidade. Foto: NeetaLal/IPS
As mulheres pobres que trabalham como diaristas na Índia não têm nenhum benefício vinculado à maternidade. Foto: NeetaLal/IPS

Essa mentalidade retrógrada é comum em muitos setores trabalhistas da Índia. Apesar de algumas mulheres se rebelarem, outras cedem à pressão e se retiram em silêncio. Outro grande problema da reforma é que não menciona a licença paternidade, segundo ativistas, colocando toda a responsabilidade pela criação dos filhos sobre a mãe, um golpe para a igualdade de gênero. Numerosos estudos mostram uma mortalidade infantil menor e maior igualdade de gênero em sociedades onde pai e mãe participam da criação dos filhos.

A licença paternidade não só contribui para que os homens se tornem pais mais sensíveis, como também ajudem as esposas a assumirem seu novo papel. Segundo a ginecologista e obstetra Mansi Bhattacharya, do hospital Fortis, em Noida, no Estado de Uttar Pradesh, não há motivos para que os pais não possam desempenhar um papel relevante na criação dos filhos.“Essa licença permite que os pais ajudem suas esposas em um momento fundamental. Além disso, o vínculo precoce entre pai e filho garante uma relação mais saudável e sensível, e também colabora para que as novas mães não se sintam esgotadas por suas novas responsabilidades”, ressaltou.

Uma pesquisa da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômicos (OCDE) diz que filhos com pais “mais envolvidos” têm melhor desenvolvimento em seus primeiros anos de vida. A licença paternidade, somada a políticas trabalhistas flexíveis, facilita a participação, além de também ser uma poderosa ferramenta para impulsionar a diversidade de gênero no ambiente trabalhista, especialmente quando se combina com flexibilidade de horário, ou a possibilidade de trabalhar à distância, afirmam analistas.

“A licença paternidade não é uma situação de um ou outro”, afirmou à IPS Deepa Pallical, coordenadora da Campanha Nacional pelos Direitos Humanos dos Dalits. “Uma criança precisa da participação do pai e da mãe para uma criação equilibrada. Toda política que ignore essa realidade fundamental é um fracasso”, acrescentou.Aumentar a licença dos pais eleva as possibilidades de as mulheres retornarem ao trabalho com mais tranquilidade e melhores perspectivas profissionais, observou.

Esse é um benefício especialmente importante na Índia, que tem a menor participação feminina na força de trabalho em todo o mundo, de somente 21,9%.Nesse país, as mulheres representam apenas 24% da força de trabalho assalariada, bem abaixo da média mundial de 40%, segundo o último informe do Instituto Global McKinsey. A Índia tem uma das piores desigualdades de gênero em matéria de participação trabalhista, segundo dados do Banco Mundial.

As perdas na economia geradas pela falta de participação feminina na força de trabalho são descomunais. Laskhmi Puri, diretora executiva adjunta da ONU Mulheres, pontuou, em 2011, que o crescimento da Índia poderia melhorar em 4,2% com maiores oportunidades de trabalho para a população feminina.

O estudo Mulheres, Empresas e Direito, elaborado pelo Banco Mundial este ano, diz que cerca de 80 países concedem licença paternidade, entre eles, Islândia, Finlândia e Suécia. O salário durante esse período nos países nórdicos é coberto em parte e em geral financiado pelo Estado. Entre os vizinhos da Índia, Afeganistão, China, Hong Kong e Cingapura preveem uns poucos dias de licença para os pais.

Algumas empresas indianas incentivam seus empregados a tirarem uns poucos dias pela paternidade. As estatais e, nos últimos tempos, os bancos públicos, incentivam a tirarem 15 dias. Mas, nos Estados Unidos, empresas como Netflix, Facebook e Microsoft concedem generosas licenças paternidade de vários meses e totalmente pagas.

Talvez a Índia possa seguir o exemplo deles para enfrentar um assunto que não afeta somente quase metade de seus 1,2 bilhão de habitantes, mas que também teria enorme impacto na economia nacional. A decisão correta não só ajudará a reduzir a discriminação e melhorar os resultados sociais, como também a aumentar os dividendos demográficos, uma situação em que todos ganham. Envolverde/IPS