Internacional

Lições alemãs para transição energética

Uma casa com painéis solares no telhado,em uma localidade da Renânia do Norte-Westfalia, na Alemanha. Algo comum nesse país europeu, mas ainda distante em muitos países da América Latina. Foto: Emilio Godoy/IPS
Uma casa com painéis solares no telhado,em uma localidade da Renânia do Norte-Westfalia, na Alemanha. Algo comum nesse país europeu, mas ainda distante em muitos países da América Latina. Foto: Emilio Godoy/IPS

Por Emilio Godoy, da IPS – 

Dusseldorf, Alemanha, 14/7/2016 – A transição energética da Alemanha acumula um processo de pelo menos 20 anos de evolução, que oferece lições importantes à América Latina, de como promover energias renováveis e passar para economias baixas em carbono.A transformação alemã começou formalmente em 2011, sustentada em leis que favorecem a geração alternativa mediante um auxílio para os produtores, ampliação da rede elétrica para propiciar a incorporação da renovável e a cogeração para aproveitar a energia desperdiçada nas instalações de fontes fósseis.

Em geral, a legislação a favor da geração e do consumo de fontes renováveis duplicou amplamente no mundo desde o começo do século, e a América Latina não é uma exceção.“Outros países, incluindo os latino-americanos, devem olhar para a experiência da Alemanha e aprender tanto o que tem de bom quanto o de ruim”, apontou à IPS o analista SaschaSamadi, do não governamental Instituto Wuppertal, dedicado a estudos sobre transformação energética.

Segundo Samadi, “no começo da transição energética tudo dizia respeito a se levantar contra as grandes empresas de energia, que eram mal vistas por muita gente”, enquanto agora é a preocupação com a mudança climática o motor primordial do apoio à transição. Para avançar para uma matriz energética baixa em carbono, “nos países latino-americanos, outros aspectos podem ser mais importantes na agenda, como reduzir a dependência das importações ou aumentar a segurança da oferta”, explicou.

Na Alemanha, a geração renovável forneceu 30% de toda a eletricidade em 2015, levando o país a ser a terceira potência mundial em energias renováveis – excluída a hidroeletricidade –, com a terceira posição em energia eólica e biodiesel, e a quinta em geotermia. Além disso, é líder em capacidade por habitante em energia fotovoltaica (solar), embora sua radiação solar não seja precisamente favorável.

Na última década, a América Latina avançou no desenvolvimento de energias renováveis, em uma área altamente dependente de combustíveis fósseis, seja porque seus países são grandes produtores de hidrocarbonos – como Argentina, Brasil, Colômbia, Equador, México, Peru e Venezuela –, ou por dependerem de sua importação, como a América Central e o Chile.

O objetivo do modelo energético alemão é uma economia baixa em carbono. Isso exige mudanças sociais, de padrões de consumo e de políticas industriais, e obrigará empresas, como a siderúrgica da empresa ThyssenKrupp, na cidade de Duisburgo, a reconverterem seu padrão energético para substituir o carvão por fontes limpas. Foto: Emilio Godoy/IPS
O objetivo do modelo energético alemão é uma economia baixa em carbono. Isso exige mudanças sociais, de padrões de consumo e de políticas industriais, e obrigará empresas, como a siderúrgica da empresa ThyssenKrupp, na cidade de Duisburgo, a reconverterem seu padrão energético para substituir o carvão por fontes limpas. Foto: Emilio Godoy/IPS

Uma maioria de países inclui em suas legislações planos a favor da transição energética, políticas de eficiência na produção e no consumo e metas de geração renovável.Por exemplo, o México conta, desde dezembro, com a Lei de Transição Energética, o Chile possui o plano Energia 2050, e o Uruguai tem a Política Energética 2005-2030. Nessas disposições são estipuladas metas de médio e longo prazos para a geração renovável, incentivos fiscais e outras ações a favor de uma matriz energética mais limpa.

No ano passado, o Brasil atraiu investimentos no valor de US$ 7,1 bilhões (10% menos do que em 2014) para as renováveis, o México, US$ 4 bilhões (o dobro de 2014), e o Chile, US$ 3,4 bilhões (aumento de 150%), segundo o informe Tendências Globais de Investimento em EnergiaRenovável2016. E nações como Honduras e Uruguai captaram mais de US$ 500 milhões em 2015 para investimento renovável, afirma o documento elaborado pelo Centro Colaborativo para o Financiamento Climático e de Energia Sustentável, da Escola de Finanças de Frankfurt e do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

Segundo o estudo, o Brasil passou de atrair US$ 800 milhões em 2004, para US$ 7,1 bilhões em 2015. Exceto o caso brasileiro, a América Latina captou US$ 1,7 bilhão em 2004, subindo para US$ 12,8 bilhões em 2015. Mas os fluxos de capital do ano passado caíram em relação a 2014, por fatores como incerteza política em alguns países e baixos preços do petróleo, em outros.A região gera 209.419 megawatts (MW) renováveis, dos quais a hidroenergia representa 171.960 MW.

Para impulsionar uma matriz energética de baixo carbono, Sophia Schönborn, analista da organização não governamental KlimaDiskurs.NRWe.V, destacou à IPS que há um elemento que a América Latina deveria copiar do processo na Alemanha.“A transição alemã demonstra a importância de tomar as decisões a partir de baixo, ouvir o cidadão. Não foi uma imposição, mas a sociedade que promoveu mudanças no modelo energético”, pontuou a especialista dessa plataforma sobre assuntos energéticos.

A Alemanha já chegou a um ponto de sobreoferta renovável, por isso o parlamentoaprovou, para a partir de janeiro de 2017, a tarifa fixa para o setor e a instauração de leilões para todas as fontes. A reforma da Lei de Energia Renovável, que entrará em vigor nessa data, premia os geradores mais baratos, impõe tetos de geração e limita a permanência da tarifa fixa só para as cooperativas e os pequenos produtores.

O modelo alemão possibilitou que o cidadão gerasse sua própria eletricidade e inclusive pudesse vendê-la à rede, na construção do que especialistas e organizações chamam de “cidadania energética”. Mas isso está longe de ser uma realidade na América Latina. A tarifa fixa, que incluiu um auxílio para apoiar os geradores renováveis, potencializou a ampliação dessas alternativas no país.

A transição energética da Alemanha incluiu facilidades paras as energias eólica e fotovoltaica, geradas por cooperativas e cidadãos, como as que operam no Bioparque de energia de Saerbeck, no Estado da Renânia do Norte-Westfalia. Foto: Emilio Godoy/IPS
A transição energética da Alemanha incluiu facilidades paras as energias eólica e fotovoltaica, geradas por cooperativas e cidadãos, como as que operam no Bioparque de energia de Saerbeck, no Estado da Renânia do Norte-Westfalia. Foto: Emilio Godoy/IPS

Na América Latina, países como Equador, Honduras, Panamá, Peru e Uruguai a aplicam, ou a mesclaram com a medição baseada na diferença entre o que um usuário que se liga à rede elétrica consome e o que gera e injeta na mesma rede. Na conta só é paga a diferença entre a eletricidade consumida e a fornecida.Além disso, países como Chile, México e Peru desenvolveram, desde 2015, leilões que terminaram com baixas nos preços do quilowatt/hora, em parte por seus vastos recursos renováveis.

Assim destaca o informe Energias Renováveis 2016: Relatório da Situação Mundial, lançado em junho e elaborado pela não governamental Rede de Políticas sobre Energia Renovável para o Século 21. As recentes variações são um sinal para a América Latina sobre o manejo do mercado renovável, para evitar riscos de saturação ou pagamentos excessivos aos geradores, acrescentam os especialistas.

Samadi ressaltou que “os custos da expansão das renováveis são pagos pelos contribuintes na Alemanha”, e acrescentou que “isso pode não ser um bom instrumento para os países latino-americanos, nos quais baixos preços energéticos podem ser importantes para o desenvolvimento social e a coesão”. Antes, sugeriu impostos gerais ou fundos especiais.

Há outro aprendizado: “se na Alemanha começássemos agora o grande crescimento das renováveis, com os baixos custos tecnológicos atuais, nosso custo de geração seria menor do que o que pagamos”, indicouSamadi.A seu ver, “os países que começam hoje a investir fortemente em eólica e fotovoltaica não enfrentarão os mesmos custos altos que a Alemanha, especialmente quando se leva em conta as condições de radiação solar na maior parte da América Latina”.

Schönborn concorda com esse ponto, ao destacar os custos competitivos das fontes renováveis. Mas alertou parao risco de “uma divisão social” para quem não pode gerar sua própria energia e deve adquiri-la da rede. Essa desigualdade “exige a intervenção do Estado para garantir esse acesso”, ressaltou. Envolverde/IPS