Internacional

Linguagem direta contra gravidez adolescente

Uma mãe adolescente no município rural de Bonpland, na província argentina de Misiones. A América Latina é a segunda região do mundo em fecundidade precoce, atrás da África subsaariana. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS
Uma mãe adolescente no município rural de Bonpland, na província argentina de Misiones. A América Latina é a segunda região do mundo em fecundidade precoce, atrás da África subsaariana. Foto: Fabiana Frayssinet/IPS

Por Fabiana Frayssinet, da IPS – 

Buenos Aires, Argentina, 8/7/2016 – Em linguagem direta, um vídeo argentino explica aos adolescentes como viver o sexo com prazer e ao mesmo tempo com cuidado. Uma campanha sem tabus, muito necessária nos países da América Latina onde uma em cada cinco mulheres são mães antes dos 19 anos.“Para que o sexo funcione bem, as duas pessoas precisam ter vontade e isso significa tanto estarem certas de querer praticá-lo como de estarem preparados, isto é, estarem quentes”, disse a psicóloga Cecilia Saia, autora do vídeo Falemos de Sexo, divulgado em redes sociais e destinado a adolescentes e pré-adolescentes.

Produzido pela Fundação para Estudo e Pesquisa da Mulher (Feim), o filme integrou a campanha Faça o Teste de Não Gravidez, e foi distribuído a adolescentes para que “saibam como tomar decisões livres e informadas sobre ser mãe e ser pai”. Durante a campanha foi entregue às e aos adolescentes uma caixa, semelhante às dos testes de gravidez, com informação sobre gravidez na adolescência e os mitos sobre como ocorre, bem como um preservativo e uma explicação de como usá-lo, disse à IPS a presidente da Feim, Mabel Blanco.

A campanha foi divulgada no Youtube e em outras redes sociais, com mensagens diretas e em linguagem própria dos adolescentes. “Isso permitiu chegar a um grande grupo de adolescentes de 14 a 18 anos, grupo ao qual habitualmente é difícil chegar com campanhas desse tipo”, destacou Blanco. Segundo a Feim, diariamente nascem na Argentina 300 crianças de mães menores de 19 anos, equivalente a 15% de todos os nascimentos.

“Essa porcentagem mostra uma tendência ascendente sustentada ao longo dos últimos dez a 15 anos, e também aumentaram os de menores de 15 anos, ou seja, meninas”, lamentou a organização. O caso argentino é um exemplo dos que ocorrem no resto da América Latina, a segunda região do mundo em taxa de fecundidade em adolescentes depois da África subsaariana, com 76 filhos vivos para cada mil mulheres entre 15 e 19 anos, segundo dados de agências da Organização das Nações Unidas (ONU).

Justamente, para chamar a atenção sobre este problema e, em geral, sobre a necessidade de promover medidas para um desenvolvimento em condições de igualdade para elas, este ano o Dia Mundial da População, que será celebrado no dia 11, tem como tema o do investimento nas meninas adolescentes.

O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) afirma que uma em cada cinco mulheres do Cone Sul americano (Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai) será mãe antes de terminar a adolescência, em uma região onde mais de 1,2 milhão dos nascimentos anuais são de mães adolescentes.

“A gravidez e a maternidade precoces podem trazer complicações para a saúde da mãe e do bebê, como também impactos negativos nos cursos de vida das e dos adolescentes”, destaca um informe do UNFPA sobre fecundidade e maternidade no Cone Sul. O documento acrescenta que,“quando a gravidez não foi planejada, é uma clara manifestação de vulneração dos direitos sexuais e reprodutivos das adolescentes e, por extensão, de seus direitos humanos”.

Em entrevista à IPS, Alma Virginia Camacho-Hübner, assessora em saúde sexual e reprodutiva para a América Latina e o Caribe do UNFPA, apontou que a gravidez adolescente tem implicações em nível individual, como a morbimortalidade materna, associada entre outros fatores aos riscos derivados dos abortos inseguros. Também multiplica a prematuridade e o baixo peso dos filhos ao nascerem, em particular de mães com menos de 15 anos.

No caso dos sistemas de saúde, o custo da atenção com gravidez, parto, pós-parto e cuidados do recém-nascido é muito superior ao custo das intervenções com promoção e prevenção da gravidez.“Para a sociedade em seu conjunto e de uma perspectiva estritamente econômica, a maternidade precoce naqueles países onde existe o dividendo demográfico representa uma perda acelerada do dividendo demográfico”, afirmou Camacho-Hübner, da sede regional do UNFPA na Cidade do Panamá.

Isso porque,“em lugar de aumentar a produtividade da economia por contar com uma proporção maior de população economicamente ativa, na medida em que aumenta a maternidade precoce aumenta rapidamente a taxa de dependência, isto é a proporção de população que não é economicamente ativa e requer gastos assistenciais, familiares e sociais”, destacou a especialista.

Quanto à educação, o estudo sobre o Cone Sul mostra que o abandono escolar precede à gravidez. “Assim, manter as meninas e os meninos no sistema educacional ou reinseri-los seria uma intervenção efetiva para a prevenção da gravidez adolescente. Além disso, gerar condições no sistema educacional para garantir a continuidade educativa das adolescentes mães ou grávidas seria outra intervenção de impacto”, segundo Camacho-Hübner.

A seu ver, a gravidez e a maternidade adolescentes é um tema de iniquidade, que afeta principalmente as mulheres das camadas socialmente mais vulneráveis. “São, dessa maneira, as adolescentes em situação de pobreza, com menor nível educacional, que vivem em regiões geográficas com menos vantagens, as mais propensas a serem mães adolescentes”, ressaltou Camacho-Hübner.Além disso,“o fato de serem mães com baixa idade reforça esses condicionamentos, reforçando as desigualdades nas quais as adolescentes mães e não mães transitam em sua passagem para a fase adulta”, pontuou.

Por sua vez, Blanco destacou que “a principal consequência da gravidez é a interrupção da escolaridade, embora em muitos casos já tenham deixado os estudos ao engravidarem, mas não os retomam depois por terem de cuidar do filho”. Assim, acrescentou que “isso gera um futuro mais pobre, já que são meninas que terão acesso a trabalhos de menor remuneração e poderão contribuir menos para o desenvolvimento do país. No lado pessoal, devem adiar sua vida adolescente, de sair com amigas e amigos, ir dançar e outras atividades próprias dessa fase da vida”.

Por essa razão que, para Federico Tobar, também assessor regional do UNFPA, “além de fortalecer a oferta de serviços de saúde, educacionais e de assistência social, é preciso investir em promover a demanda com intervenções que incentivem jovens a construírem um projeto de vida sustentado”.“Isso envolve incorporar tanto incentivos econômicos, como reconhecimentos simbólicos, e até apoios concretos às adolescentes que já são mães com o cuidado dos filhos, que lhes permita terminar os estudos e evitar a maternidade repetida, que é alta nos países”, acrescentou à IPS.

Entre outras experiências positivas, Tobar mencionou a iniciativa uruguaia Jovens na Rede, que inclui intervenções de reinserção escolar, trabalhista e a promoção da saúde sexual e reprodutiva.“Para mim, parece importante investir na educação das mulheres adolescentes, incluindo educação sexual integrada e que possam decidir se querem ou não ter filhos. O tema não é acabar com a gravidez na adolescência mas que seja desejada, que não ocorra por acidente”, destacou Bianco.Mensagens de igual para igual

A psicóloga Cecilia Saia se surpreendeu com os mitos que persistem ainda entre adolescentes, como, por exemplo, que “na primeira vez não se engravida” ou que “se eu engravidar ele ficará comigo para sempre”.Por isso, para essa “youtuber” em educação sexual, é fundamental falar sem rodeios e como uma“referência de igual para igual. Que te vejam como um amigo ou alguém próximo, que não seu pai ou seu professor querendo te controlar”.

Saia acrescentou à IPS que “não se trata de explicar-lhes que têm de fazer ou não, mas simplesmente que devem se basear no respeito, na decisão própria e em se cuidar tirando todo dramatismo. Ninguém tem que te dizer que se fizer sexo você é uma puta ou se não faz é uma boba”. Envolverde/IPS

*Este artigo integra uma série da IPS por ocasião do Dia Mundial da População, celebrado em 11 de julho.