Por Miriam Gathigah e Jeffrey Moyo, da IPS –
Nairóbi, Quênia e Harare, Zimbábue, 2/2/2016 – Em um exame pré-natal, a queniana Keziah Juma, de 16 anos, ficou sabendo que era portadora do vírus da deficiência imunológica humana (HIV) e foi tão difícil de aceitar sua situação, que deixou de ir ao médico, o que teve consequências nefastas.“Fiquei impactada e deixei de ir à clínica, por isso não puderam salvar a vida do meu bebê e fiquei prostrada desde que dei à luz há dois meses”, contou à IPS no populoso assentamento irregular de Kibera, no Quênia, onde amigos e familiares se reuniam para o funeral de seu filho.
Situação semelhante é vivida por numerosos jovens nesse país da África oriental. O Quênia é uma das seis nações com quase metade dos adolescentes entre 15 e 19 anos portadores do vírus causador da aids (síndrome da deficiência imunológica adquirida). As outras são Índia, Tanzânia, África do Sul, Nigéria e Moçambique, segundo o informe Atualização Estatística de Meninos, Meninas e Adolescentes e Aidsdo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).
As estatísticas revelam que o continente perde a luta contra o HIV entre adolescentes. Alguns países, como o Quênia, parecem ter escolhido “esconder a cabeça como o avestruz, com a esperança de que o problema desapareça”, lamentou Julius Mwangi, ativista contra o HIV/aids em Nairóbi. Dados oficiais revelam que a idade da primeira relação sexual aumentou nesse país, de 14 para 16 anos, mas as autoridades não fazem muito para combater as infecções.
Um plano rápido do Ministério da Saúde para frear a epidemia mostra que aproximadamente 24% dos adolescentes com idades entre 15 e 19 anos conhecem sua condição de saúde, e apenas metade fez exame de HIV.Segundo Mwangi, isso se deve à falta de intervenções práticas para atender o problema, se referindo à controvérsia a respeito do projeto de lei de saúde reprodutiva, de 2014, que previa o acesso a preservativos e outros métodos de planejamento familiar para menores de 18 anos, mas que foi rejeitado.
O texto original não foi aceito porque supostamente fomentava a imoralidade sexual entre os jovens, lamentou Judith Sijeny, uma das defensoras da iniciativa.Além de habilitar informação sobre como prevenir o HIV/aids e receber tratamento, o projeto “oferecia uma solução ao promover o sexo seguro”, apontouSijeny. “As estatísticas mostram muito claramente que os adolescentesmantêm relações sexuais, inclusive os que têm HIV”, acrescentou.
Um em cada cinco jovens entre 15 e 24 anos mantiveram relações sexuais antes dos 16 anos no Quênia, segundo dados oficiais. Entretanto, o texto revisto do projeto de lei assinala que os preservativos e as pílulas anticoncepcionais não serão distribuídos para menores de 18 anos.
No entanto, outros países africanos decidiram agarrar o touro pelo chifre, como no caso de Zimbábue. Junto com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), o governo zimbabuense lançou, no ano passado, uma campanha para distribuir preservativos especiais entre rapazes de 15 anos, em uma tentativa de prevenir a gravidez não desejada e doenças sexualmente transmissíveis, apesar de a lei estabelecer 16 anos como a idade para manter relações sexuais consentidas.
Mas a campanha chega tarde para alguns adolescentes, como YeukaiMhofu, de 16 anos, já portadora do vírus após ser violada por seu padrasto, agora falecido, e que também teme ter contagiado seu noivo. Já para outros adolescentes, como LovenessChiroto, de 15 anos, é um alívio. “Com a posição do governo e do UNFPA para termos preservativos, estou contente de que os jovens tenham a alternativa para enfrentar um flagelo como o HIV/aids”, disse à IPS.
A legisladora do opositor Movimento para uma Mudança Democrática-Tsvangirai (MDC-T), Ruth Labode, se posiciona contra muitos pais que se queixaram da campanha. “Qual a diferença entre um adulto que mantem relações sexuais e um adolescente? Se são sexualmente ativos, o uso de preservativo é uma necessidade. Estou de acordo por considerar necessário proteger os jovens das doenças sexualmente transmissíveis”, enfatizouLabode, presidente do comitê de saúde no parlamento.
Os dados mostram que, no Zimbábue,24,5% das adolescentes entre 15 e 19 anos estão casadas, o que prova que esse setor da população é sexualmente ativo e justifica a distribuição de preservativos, segundo a assessora técnica do UNFPA, BidiaDeperthes.“Estamos impactados pelo HIV/aids e pelas doenças sexualmente transmissíveis inclusive entre adolescentes”, destacou um funcionário de cuidado infantil do Ministério da Saúde, que pediu para não ser identificado por motivos profissionais. “Por isso os preservativos são muito importantes para reduzir as infecções”, destacou.
Em 2007, a nova Lei de Infância da África do Sul ampliou os direitos de meninos e meninas e, especificamente, em matéria de saúde reprodutiva, contemplando inclusive o uso de preservativos para maiores de 12 anos, em um momento em que os jovens de 15 a 24 anos concentravam 34% das novas infecções de HIV.
No ano passado, foi realizada em Botswana uma campanha semelhante à do Zimbábue, que, segundo declarou na época AishaCamara-Drammeh, representante do UNFPA, foi um momento muito importante, porque o acesso a preservativos “é um requisito para a saúde sexual e reprodutiva dos jovens”.Essa campanha foi muito importante, segundo o UNFPA, porque os jovens tinham um comportamento sexual de alto risco, que derivava em gravidez não desejada, elevada incidência de infecções por HIV, má compreensão de temas de saúde sexual e reprodutiva e HIV, bem como carências no acesso a serviços e produtos relacionados.
Com o uso generalizado de preservativo entre os jovens, Botswana registra uma redução das infecções, pois a incidência do vírus HIV na faixa etária de 15 a 24 anos diminuiu 25%, segundo o UNFPA. Em 2013, houve uma experiência semelhante no Malawi, onde também foi promovido o uso de preservativos, que aumentou entre os adolescentes, a fim de prevenir contra o HIV/aids. Envolverde/IPS