Por Catherine Wilson, da IPS –
Canberra, Austrália, 5/1/2016 – No alto das montanhas interiores de Papua-Nova Guiné, o Estado insular mais povoado do Oceano Pacífico com 7,3 milhões de habitantes, as comunidades camponesas realizam um trabalho extenuante, lavrando a terra agreste quase sem serviços básicos, o que acaba afetando sua saúde.Mais de 80% da população pratica a agricultura de subsistência e as hortas comunitárias são uma característica visível da paisagem. Porém, a má nutrição está generalizada, especialmente nas crianças, e é evidente.
Em 2014, o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) declarou que esse problema de saúde responsável por quase metade das internações hospitalares, era uma “emergência silenciosa” nesse país. Mas o problema não é a quantidade de alimentos, destacou a pediatra FionaKupe, que trabalha nos serviços de saúde do distrito da capital e integra a Associação de Médicasde Papua-Nova Guiné.
“A falta de informação das mães sobre questões de nutrição durante a gravidez e nos primeiros seis meses de vida do bebê, quando é melhor amamentar, e sobre a alimentação complementar a partir dessa idade são elementos fundamentais do início da má nutrição em recém-nascidos e bebês”, indicouKupe à IPS.A amamentação cai de forma drásticaem Papua-Nova Guiné, de 80% quando o bebê tem um mês, para 20% quando tem seis, segundo o Banco Mundial.
“Também falta planejamento familiar. A maioria dos menores de dois anos com problemas de má nutrição que vemos na clínica tem mães que já estão na metade de uma nova gravidez”, disse a médica ao explicar as exigências que recaem sobre as mães e as fontes de sustento em famílias grandes, em um país que tem uma taxa de fertilidade de 3,8 filhos por mulher.
A má nutrição aparece quando não se consome nutrientes necessários e se compromete o funcionamento saudável dos órgãos do corpo. Os sintomas vão desde baixo peso e atraso no crescimento, passando por perda muscular, até menor capacidade de concentração e maior vulnerabilidade diante de doenças como pneumonia e diarreia, a principal causa subjacente da mortalidade em menores de cinco anos, e que chega a 63 para cada mil nascidos vivos, bem acima da média mundial de 43 para mil.
“A má nutrição é muito comum e está diretamente relacionada com o afastamento da comunidade”, explicou à IPS o superintendente médico do Hospital Rural de Kompiam, do Serviço de Saúde Batista de Enga, David Mills. É uma “província rural e é de se esperar maior número de casos de má nutrição, o que se relaciona mais com a falta de conhecimento do que com menos comida. Aproximar-se do conhecimento é a chave, segundo minha experiência”, acrescentou.Cerca de 35% da população da província de Enga sabe ler e escrever, e a mortalidade infantil, de 97 mortes por mil nascidos vivos, é maior do que a média nacional.
“O acesso a alimentos não costuma ser um problema para a maioria dos habitantes de Papua-Nova Guiné, salvo em tempos de seca. O que incide é o tipo de alimento e tende a se relacionar com a educação”, afirmou Mills. “A dieta tradicional consiste em batata doce, no altiplano, e inhame e sagu nas zonas baixas, alimentos com alto conteúdo de amido e pouca proteína. O inhame tem particularmente poucas proteínas. O conteúdo desses alimentos é suficiente para adultos, mas não para crianças em crescimento”, ressaltou o superintendente.
Gerard Saleu, do Instituto Nacional de Pesquisa Médica de Goroka, na região das Terras Altas, concorda, e acrescenta que a desigualdade de gênero também incide no acesso à comida. Ele explicou que “o pai ingere a maior quantidade de proteínas e porções maiores, enquanto a mãe e a filha ficam com uma pequena parte, ou nada, depois de todos os demais se servirem”.
A deficiência de nutrientes tem um impacto generalizado na sociedade, com assombrosa prevalência de 55% no um quinto mais pobre, e 36% entre os mais ricos, segundo um informe do ano passado do Banco Mundial. “A má nutrição nos setores mais ricos se associa à obesidade e se deve principalmente ao excesso de alimentos pela ingestão de comida não saudável e não nutritiva”, explicou Saleu.
A Associação de Médicas de Papua-Nova Guiné e o Instituo de Pesquisa Médica defendem que a educação também se concentre em reduzir a elevada fertilidade característica desse país. “O tamanho das famílias deve ser reduzido de um máximo de 14 filhos para quatro em toda Papua-Nova Guiné para melhorar a nutrição e ordem”, afirmou Saleu, ao se referir em como a qualidade da alimentação, o cuidado parental e os resultados educacionais afetam seriamente o futuro das crianças.
Para isso, afirmam os especialistas, é necessário ampliar os serviços de saúde rural, deteriorados na última década. Há aproximadamente 0,5 médico para cada dezmil habitantes nesse país, e mais de 80% trabalham nas cidades. O Instituto Nacional de Pesquisa informou que 67% das clínicas precisam de reformas estruturais ou de manutenção, e que asvisitas de médicos e pacientes diminuíram em 42% e 19%, respectivamente, desde 2002.
A má nutrição persistente é um paradoxo na economia de maior crescimento das ilhas do Pacífico, o que ressalta a necessidade de a crescente arrecadação do Estado se traduzir em resultados no que diz respeito ao desenvolvimento humano.Ainda falta ver o argumento do Banco Mundial de que a pobreza e o atraso no crescimento infantil diminuem com um crescimento econômico positivo.
O produto interno bruto de Papua-Nova Guiné cresceu entre 2% e 10% neste século, mas o atraso no crescimento infantil praticamente permaneceu inalterado, de 46%, em 1983, para os atuais 45%.Os progressos nesse dinâmico país insular do Pacífico para a concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), aprovados em setembro pela Organização das Nações Unidas (ONU), dependem em grande parte de melhorar a nutrição, o pontapé inicial para conseguir êxitos em saúde, educação, igualdade e prosperidade da população, especialmente a das áreas rurais. Envolverde/IPS