Blantire, Malawi, 19/1/2016 – Ser mãe solteira aos 19 anos não está na lista de prioridades da maioria das adolescentes. Mas é a realidade de Esther Mkwakwasa, no distrito de Mulanje, no Malawi, que ficou órfã aos 14 anos e foi obrigada a passar de um lar substituto a outro até engravidar. “Meu pai biológico morreu quando eu era criança, muito pequena. Minha mãe voltou a casar e depois teve mais quatro filhos”, contou a jovem, em sua aldeia de Namphungo.
“Depois que ela morreu, quando eu tinha 15 anos, meu padrasto se mudou e levou meus irmãos, me deixando sozinha na aldeia da minha mãe”, continuou Esther. Depois, engravidou de um colega de sala de aula que não assumiu a paternidade. “Me sentia humilhada e sozinha, fiquei devastada. Era como se o mundo estivesse contra mim. Acabei abandonando a escola, porque sentia que todos apontavam para mim”, contou, atribuindo sua gravidez a crenças e práticas tradicionais.
Na maioria dos distritos do sul do Malawi, era costume enviar as adolescentes para acampamentos de iniciantes,conhecidos localmente como kutsatsa fumbi, onde eram incentivadas a manter relações sexuais com rapazes para colocar à prova sua maturidade. A jovem contou que “depois da iniciação desejava continuar fazendo sexo e nem imaginava ficar grávida”.
Atualmente, a tímida adolescente é o único sustento de seu filho, com o qual vive sozinha em um quarto que fica no terreno residencial de seu tio. Ganha a vida como doméstica ou trabalhando no campo no período da manhã, e à tarde estuda durante duas horas, enquanto os vizinhos cuidam da criança. Esther quer ser enfermeira e se esforça para reescrever sua história.
A jovem é uma das 600 mil adolescentes que voltaram à escola no Malawi em 2014 graças a uma iniciativa conjunta entre o Estado, líderes tradicionais, igrejas, Organização das Nações Unidas (ONU) e organizações não governamentais como a Agência Adventista para o Alívio e o Desenvolvimento (Adra).
O projeto Quando a Mãe é Uma Menina, da Adra Malawi, trabalha com cerca de 35 adolescentes em sete grupos de aldeias e conseguiu que voltassem à escola. A facilitadora de desenvolvimento comunitário dessa agência no distrito de Mulanje, Belinda Chimombo, informou que o projeto, criado em 2014, atende aproximadamente 300 mães adolescentes.
“Atualmente trabalhamos apenas em um grupo de sete aldeias, onde as jovens formam 15 grupos de 20 pessoas cada um. Nosso principal objetivo é promover a reinserção escolar das adolescentes após observar o elevado abandono escolar na região”, pontuou Belinda, acrescentando que as jovens estão decididas a terminar os estudos e têm uma atitude de dedicação.
A representante dessa região no parlamento, Patricia Kaliati, também ministra de Gênero, Infância, Deficiência e Bem-Estar Social, agradeceu a todos os sócios que trabalharam duro para que o Malawi alcançasse esse êxito. “Enquanto falo com vocês, cada vez mais meninas voltam à escola”, ressaltoua parlamentar, que incentivou as jovens a aproveitarem essa oportunidade a fim de serem modelos para seus filhos e para outras adolescentes de sua comunidade.
Patricia acrescentou que,“embora muitas delas sejam motivo de piadas por retornarem à escola, devem ser perseverantes porque sabem que essa é a única forma de poderem conseguir seus objetivos, por isso não devem mudar”.Mas o projeto também destaca um assunto espinhoso que é o do custo, pois a maioria das famílias descarta a possibilidade de mandar suas filhas à escola. Também é mais difícil para elas se classificarem nos programas de bolsas estatais, devido ao caráter competitivo dos mesmos.
A esse respeito, Belinda observou que, como a iniciativa da Adra é um projeto-piloto e terminará em junho deste ano, é difícil convencer os doadores a manterem o apoio econômico por questões de sustentabilidade. Mas Patricia afirmou que já começaram a patrocinar algumas das jovens. “No começo do ano letivo, este mês, patrocinamos cerca de 15 estudantes. Dentro de alguns dias nos reuniremos com outros atores para desenhar o caminho a ser seguido”, destacou.
No Malawi, a gravidez de adolescentes e os casamentos precoces – especialmente nas zonas rurais – são atribuídos a crenças e práticas tradicionais. O último estudo sobre o avanço dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), cujo prazo de concretização venceu em 2015, concluiu que uma em cada duas adolescentes se casa antes dos 18 anos, e há algumas que chegam a se casar aos 12 anos.
O estudo também concluiu que o empoderamento e o avanço das meninas é freado pelo impacto da violência generalizada, os casamentos precoces, a gravidez na adolescência, a mortalidade materna e a baixa escolaridade, bem como a incapacidade do sistema para retê-las.Entretanto, as coisas mudam lentamente, na medida em que os líderes tradicionais adotam novas ideias e implantam normas para atender esses problemas. Envolverde/IPS