Rio de Janeiro, Brasil, 10/11/2014 – “Se fosse hoje ficaria lá, não viria procurar trabalho aqui”, afirmou Josefa Gomes, que há 30 anos migrou de Serra Redonda, pequena localidade do Nordeste brasileiro, para a cidade do Rio de Janeiro, a 2.400 quilômetros de distância. Josefa disse isso após comprovar as mudanças em sua pequena cidade natal, de sete mil habitantes, durante suas visitas a familiares nos últimos anos.
“Tudo mudou. Agora as pessoas têm luz, há trabalho nas fábricas de farinha e de sapatos ou em cooperativas agrícolas”, disse Gomes à IPS. Além disso, as estradas asfaltadas e os ônibus frequentes permitem ir em 40 minutos até Campina Grande, cidade próxima de 400 mil habitantes. “Antes demorava mais de uma hora”, recordou.
A economia do Nordeste, a região mais pobre do Brasil, cresce, desde a década passada, num ritmo muito superior à média nacional, que é de paralisia desde 2012, pela falta de impulso no motor tradicional brasileiro: o Sul. O Estado de São Paulo está em recessão e em 2011 seu produto industrial significou 31,3% do total nacional, frente a 38% nos dez anos anteriores, segundo estudo da Confederação Nacional da Indústria, divulgado no dia 6 de outubro. Os 7,7 pontos percentuais se distribuíram por outros Estados, incluídos os nove do Nordeste.
Essa tendência se agravou desde o ano passado por uma crise industrial cujo epicentro está em São Paulo. A produção industrial do Brasil caiu 2,9% nos nove primeiros meses deste ano, em comparação com igual período de 2013. A descentralização industrial une-se a outros fatores para reduzir as desigualdades econômicas entre as regiões brasileiras, em prejuízo dos centros tradicionais da industrialização deste país de 200 milhões de habitantes.
A dicotomia na geografia econômica alimentou o oposto comportamento dos eleitores nas eleições presidenciais. Dilma Rousseff foi reeleita com 71,7% dos votos válidos do Nordeste, no segundo turno das eleições, em 26 de outubro. Mas uma ampla maioria opositora em São Paulo ameaçou sua vitória, com 64,3% de seus eleitores votando em Aécio Neves.
Essa “divisão” eleitoral do Brasil, polarizada nessa ocasião, costuma ser atribuída aos programas sociais, especialmente o Bolsa Família, que tiraram da pobreza cerca de 36 milhões de brasileiros durante os governos do Partido dos Trabalhadores (PT), presididos por Luiz Inácio Lula da Silva entre 2003 e 2010, e por Dilma desde 2011.
O Nordeste desfruta de um dinâmico processo econômico que vai reduzindo sua desigualdade com relação às regiões mais desenvolvidas, o Sul e o Sudeste. O progresso alcançado e a expectativa de novos avanços consolidaram a adesão à presidente Dilma. O Bolsa Família proporciona ao Nordeste cerca de US$ 440 milhões mensais, pagos a 6,5 milhões de famílias, quase a metade de todo o país. Mas isso é só um sexto do que recebem os 8,8 milhões de aposentados e pensionistas da região, detalhou à IPS o economista Cícero Péricles de Carvalho.
Além disso, das cinco regiões brasileiras, o Nordeste foi a que gerou mais empregos formais nos últimos anos. Atualmente há cerca de nove milhões de trabalhadores com contrato de trabalho, o dobro dos que existiam no começo deste século, acrescentou Carvalho. “Só o setor da construção aumentou seus empregados formais de 195 mil em 2003 para 650 mil hoje em dia”, ressaltou o economista.
A maior formalidade significa melhores salários, com aumentos adicionais devidos à política de elevação do salário mínimo adotada por Lula e Dilma, além do acesso a crédito bancário. Tudo isso multiplica a capacidade de consumo. “Esse conjunto de renda adicional, mais as bolsas, as aposentadorias, duplicadas entre 2003 e 2014, e os novos empregos, geraram uma demanda infernal, porque seus beneficiários não economizam, destinam tudo ao consumo”, pontuou Carvalho, professor da Universidade Federal de Alagoas, pequeno Estado nordestino.
O consumo promoveu uma expansão do comércio, que alimentou a instalação de redes de supermercados e de novas indústrias para atender a nova demanda, como fábricas de materiais de construção, de vestuário ou de alimentos. Outra contribuição veio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), implantado em 2007 para impulsionar diversas infraestruturas, de pequenas obras comunitárias a outras gigantescas, como a transposição do rio São Francisco, com 700 quilômetros de canais e túneis para levar água a 12 milhões de pessoas.
“Essa dinâmica inesperada gera desenvolvimento econômico e também inclusão social, com ganhos sociais que não se limitam à renda”, como a disseminação da eletricidade pelo programa Luz para Todos, ou a ampliação de serviços de saúde e educação, apontou Carvalho. Contudo, o nível de vida do Nordeste ainda está muito longe da média nacional e a diferença diminui lentamente, inclusive porque o crescimento de sua economia se concentra na zona costeira, ressaltou.
O processo de desindustrialização que o Brasil vive também afeta o Nordeste, porém mais suavemente do que em São Paulo e com melhores perspectivas futuras, afirmou à IPS outro economista local, João Policarpo Lima, da Universidade Federal de Pernambuco. Há grandes projetos que vão acelerar a expansão industrial quando começarem a produzir, explicou. Entre eles uma refinaria, uma unidade petroquímica e a maior montadora de automóveis do mundo, da Fiat, que é construída em Pernambuco, o Estado de maior crescimento nos últimos anos.
Grandes empresas se instalaram em dois complexos portuário-industriais: Suape, no Estado de Pernambuco, e Pecém, no vizinho Estado do Ceará. Suape já atraiu mais de cem empresas, incluídos um grande estaleiro e o maior moinho de trigo da América Latina, além de uma refinaria e uma petroquímica.
Enquanto isso, em São Paulo a maciça votação opositora e a agressiva rejeição ao PT relaciona Lula e Dilma com as perdas econômicas. Em protestos antes e depois das eleições na capital paulista, os manifestantes gritaram palavras de ordem de crescente ódio aos nordestinos, porque teriam “vendido” seu voto em troca do Bolsa Família, cuja média mensal é de US$ 70.
A regressão industrial se nota especialmente no setor da cana-de-açúcar, produtor de açúcar e etanol, que representa 80% da economia agrícola de São Paulo, segundo o empresário Maurilio Biagi Filho, de Ribeirão Preto, cidade conhecida como capital da cana-de-açúcar. O setor vive “uma crise grave que gerou desesperança e levará muitos anos para ser superada, se forem adotadas medidas para sua recuperação”, afirmou à IPS.
Empresários e analistas atribuem a crise ao controle de preços da gasolina instituído pela presidente Dilma para conter a inflação. O etanol, com custos em alta, não pode competir com os preços subsidiados do combustível fóssil. Tudo se agravou com a queda de preços do açúcar desde 2010 e com a seca deste ano, que impôs o racionamento de água em mais de 130 cidades paulistas.
Dezenas de usinas de cana-de-açúcar quebraram ou suspenderam sua produção nos últimos anos, muitas outras aceitaram acordos extrajudiciais para evitar a insolvência ou foram adquiridas por empresas estrangeiras. Estima-se que foram perdidos 300 mil empregos. Segundo Biagi, a grande magnitude da crise e a percepção de que é em grande parte culpa do governo “influenciaram o eleitorado, especialmente o do interior”. Envolverde/IPS