Por Mairead Maguire*
Belfast, Irlanda do Norte, agosto/2015 – Este ano se comemorou o 62º aniversário do armistício que pôs fim à Guerra da Coreia. Um tratado de paz, que nunca substituiu o cessar-fogo provisório e a Zona Desmilitarizada (ZD), continua dividindo o país asiático.
A ZD, com seu arame farpado, soldados armados dos dois lados e milhares de minas terrestres, é a fronteira mais militarizada do mundo.
Há 70 anos, quando se gestava a guerra fria, os Estados Unidos traçaram de maneira unilateral a linha ao longo do paralelo 38, com a concordância da antiga União Soviética, e dividiu um antigo país que acabava de sofrer 35 anos de ocupação colonial japonesa.
Os coreanos não tinham nenhum desejo de serem divididos, e nem poder de decisão para impedir a fratura de seu país. Agora, sete décadas depois, o conflito na península coreana é uma ameaça para a paz na Ásia, no Pacífico e no resto do mundo.
Uma das maiores tragédias derivadas dessa política e desse isolamento artificiais da guerra fria é o desarraigamento das famílias coreanas e sua separação física. Na cultura coreana, as relações familiares têm uma profunda importância, e muitas famílias estão separadas durante 70 anos.
Apesar de um período de reconciliação entre os dois governos coreanos, durante os anos da chamada Política do Sol (1998-2007), quando algumas famílias tiveram a alegria do reencontro, isso acabou devido ao endurecimento das relações entre Coreia do Norte e Coreia do Sul.
Também acabou por causa das sanções e políticas isolacionistas impostas pela comunidade internacional ao povo da Coreia do Norte, o que faz sua economia continuar sofrendo.
A Coreia do Norte percorreu um longo caminho desde a década de 1990, quando até um milhão de pessoas morreram de fome, mas muitos de seus habitantes permanecem na pobreza e se sentem isolados e marginalizados da Coreia do Sul e do mundo exterior.
Como membros da única família humana, e a fim de mostrar nossa solidariedade e gerar empatia com nossa família norte-coreana, chamar a atenção mundial para a “esquecida” Guerra da Coreia e pedir o diálogo com Pyongyang e um tratado de paz, um grupo internacional de mulheres se reuniu para visitar a Coreia do Norte e a Coreia do Sul e caminhar através da ZD.
No dia 24 de maio de 2015, Dia Internacional das Mulheres pela Paz e pelo Desarmamento, 30 mulheres construtoras de paz, procedentes de 15 países, realizaram a caminhada histórica dos 3,2 quilômetros da ZD desde a Coreia do Norte até a Coreia do Sul.
A delegação incluiu a escritora e ativista norte-americana Gloria Steinem, duas ganhadoras do prêmio Nobel da Paz, a liberiana Leymah Gbowee e a autora deste artigo, Christine Ahn, uma das coordenadoras da caminhada cujo sonho era cruzar a ZD, e ativistas pela paz, defensoras dos direitos humanos, líderes espirituais e especialistas coreanas.
Durante nossa visita de quatro dias à Coreia do Norte, antes de cruzar a ZD, no dia 24 de maio, tivemos o privilégio e a alegria de conhecer muitas mulheres norte-coreanas.
Em um simpósio pela paz realizado em Pyongyang, ouvimos as mulheres norte-coreanas falarem de suas horríveis experiências de guerra e divisão. Também participamos de marchas pela paz em Pyongyang e Kaesong, onde desfilaram milhares de mulheres norte-coreanas com belos vestidos tradicionais.
Devo admitir que antes dessa visita, a primeira que fiz à Coreia do Norte, nunca havia me dado conta da profunda paixão que os norte-coreanos sentem pela reunificação com o Sul, e que sejam abertas as fronteiras para poderem dar boas-vindas às suas famílias da Coreia do Sul e normalizar suas relações.
Os norte-coreanos nos disseram que a população da Coreia é um só povo. Embora os coreanos tenham diferentes ideologias políticas, falam o mesmo idioma, têm a mesma cultura e compartilham uma dolorosa história de guerra e divisão.
Os norte-coreanos foram isolados e separados de suas famílias na Coreia do Sul, bem como do resto do mundo, e sofreram sanções.
Como essas políticas de isolamento não resolveram problema algum, nossas delegadas acreditam que é necessária uma nova estratégia de diálogo e um tratado de paz.
Nossa marcha renovou a atenção para a importância da solidariedade mundial para acabar com o conflito da Coreia, sobretudo desde a assinatura, em 1953, do acordo do armistício por parte da Coreia do Norte (a Coreia do Sul não assinou), China e Estados Unidos, em nome do mando da Organização das Nações Unidas (ONU), que incluía 16 países.
A marcha ajudou a ressaltar a responsabilidade da comunidade internacional, cujos governos foram cúmplices da divisão da Coreia há 70 anos, para apoiar a reconciliação e a reunificação pacífica do país.
O desafio que implica superar a divisão da Coreia ficou evidente nas complexas negociações para realizar nossa caminhada na ZD entre o Norte e o Sul, bem como com o mando da ONU, que tem jurisdição formal sobre a área em questão.
Embora esperássemos cruzar por Panmunjom, a “aldeia da trégua”, onde foi assinado o armistício, decidimos, depois que a Coreia do Sul e o mando da ONU rejeitaram a proposta, que tomaríamos o caminho acordado por todas as partes, em um espírito de conciliação para que nossas ações não afetassem mais a tensa relação Norte-Sul.
Em Seul, encontramos certa oposição. Apesar de não nos reunirmos com chefes de Estado e nem apoiarmos nenhum sistema político ou econômico, e mantermos uma postura neutra em todo o processo, era vidente, porém, que as divisões na Coreia do Sul se manifestavam em algumas das recepções e reações ideologicamente divididas que presenciamos.
Entretanto, a marcha pela paz em Panju, nos arredores de Seul, e um concerto organizado pelo prefeito da capital foram muito concorridos, e muitas famílias sul-coreanas nos deram uma calorosa recepção.
Reconhecemos que nossa marcha internacional de mulheres pela paz é apenas um começo, e continuaremos nos esmerando para aumentar os intercâmbios civis e a liderança feminina, destacando a obrigação que têm todas as partes envolvidas de diminuir a militarização e avançar para um tratado de paz.
Por conseguinte, pedimos um diálogo maior em todos os níveis – civil, econômico, cultural, acadêmico ou governamental –, especialmente na diplomacia entre os cidadãos para a construção da paz, como uma alternativa ao conflito militar pleno, o qual não é nossa opção. Envolverde/IPS
* Mairead Maguire, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz 1976.