Internacional

Megaprojeto portuário ameaça rica região ecológica no Brasil

Panorama do município de Ilhéus, no Estado da Bahia, Nordeste do Brasil, que terá uma parte de sua costa alterada pela construção do complexo de Porto Sul em suas imediações. Ambientalistas e moradores denunciam os graves danos ecológicos e sociais do megaprojeto. Foto: Cortesia do Instituto Nossa Ilhéus
Panorama do município de Ilhéus, no Estado da Bahia, Nordeste do Brasil, que terá uma parte de sua costa alterada pela construção do complexo de Porto Sul em suas imediações. Ambientalistas e moradores denunciam os graves danos ecológicos e sociais do megaprojeto. Foto: Cortesia do Instituto Nossa Ilhéus

 

Rio de Janeiro, Brasil, 7/4/2015 – A construção de um grande terminal portuário de 48,3 quilômetros quadrados no Estado da Bahia é alvo de críticas e denúncias na justiça, pelo grande impacto ambiental e social que causará o maior projeto de seu tipo no Brasil. Várias batalhas legais alimentam a polêmica. Com orçamento de US$ 2,2 bilhões, Porto Sul será construído em Aritaguá, nas imediações do município de Ilhéus, coração da chamada Costa do Cacau, com longas faixas de praias paradisíacas, onde seus habitantes vivem tradicionalmente do turismo e do cultivo desse fruto.

Quatro medidas cautelares foram interpostas até agora na justiça contra o projeto, enquanto movimentos da sociedade civil prometem manter sua luta contra a megaobra com ações legais e de outro tipo.

O Complexo Portuário e de Serviços Porto Sul será financiado pelo governo brasileiro por meio do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), destinado a obras de infraestrutura. A construção do complexo, com seu porto de águas profundas, vai empregar durante o pico de construção 2.500 pessoas, mas é frontalmente criticada pelos moradores da área e organizações sociais devido ao seu impacto ambiental, que alguns de seus porta-vozes consideram “sem precedentes”.

Seus críticos definem a obra como Belo Monte da Bahia, em referência à central hidrelétrica que está sendo construída sobre o rio Xingu, no Estado amazônico do Pará, que quando estiver plenamente operacional será a terceira maior do mundo em capacidade de geração.

Os ambientalistas denunciam que o novo terminal portuário e sua zona logística e industrial prejudicarão um corredor ecológico que liga duas áreas protegidas. Trata-se do Parque Estadual da Serra de Conduru, de 92,7 quilômetros quadrados de grande biodiversidade em fauna e flora, e o Parque Municipal Boa Esperança, de 4,4 quilômetros quadrados na zona urbana de Ilhéus, refúgio de espécies raras e santuário de água doce.

“É uma falta de respeito com a vocação da região que é o turismo e a conservação. Lutamos desde 2008 para demonstrar que o projeto é inviável”, contou à IPS a ativista Maria Mendonça, presidente do Instituto Nossa Ilhéus, dedicado ao monitoramento social das políticas públicas. Ilhéus, com 180 mil habitantes, conta com o mais extenso litoral do Estado e o município também é famoso por ser palco de alguma novelas do escritor baiano Jorge Amado, como Gabriela, Cravo e Canela.

Vista digital de uma pequena parte do futuro Complexo Portuário e de Serviços de Porto Sul, em Aratiguá, município de Ilhéus, no Estado da Bahia, Nordeste do Brasil. Foto: Governo do Estado da Bahia
Vista digital de uma pequena parte do futuro Complexo Portuário e de Serviços de Porto Sul, em Aratiguá, município de Ilhéus, no Estado da Bahia, Nordeste do Brasil. Foto: Governo do Estado da Bahia

 

O Estudo de Impacto Ambiental do Projeto, elaborado em 2013, identificou 36 potenciais danos ambientais, dos quais 42% não podem ser mitigados e afetam espécies marinhas que serão afugentadas pelas obras, incluindo golfinhos e baleias. Também haverá uma mortandade entre a fauna que vive no leito marinho.

Aritaguá, epicentro de Porto Sul, “é uma importante localidade pesqueira da região, onde trabalham mais de dez mil pescadores que vivem dessa atividade artesanal ao longo de dez quilômetros da costa”, afirmou Mendonça. Na região de impacto também existem 15 áreas protegidas, sob administração pública ou privada, que abrigam “dezenas de fontes de água mineral pura”, acrescentou.

O projeto removerá, segundo as estimativas, cem milhões de toneladas de terra dessa frágil região, onde os alarmes ambientais pela obra convivem com a promessa de desenvolvimento econômico e empregos, em uma área com precariedades socioeconômicas.

O ativista socioambiental Ismail Abede é uma das 800 pessoas que vivem na comunidade costeira de Vila Juerana e que terão que se mudar por causa das obras. “A erosão alcançará os dez quilômetros no norte do porto, onde vivemos, e o mar invadirá até cem metros terra adentro. Será uma catástrofe, denunciou à IPS.

Ele recordou que o complexo nasceu originalmente como parte do Projeto Pedra de Ferro, um empreendimento da Bahia Mineração (Bamin), filial brasileira da Eurasian Natural Resources Corporation (ENRC), e do consórcio africano Zamin Ferrous. Esse projeto operado pela Bamin explorará uma jazida localizada em Caetité, município de 46 mil habitantes no interior do Estado, de onde estima retirar 20 milhões de toneladas de ferro por ano.

O mineral será transportado por uma nova via férrea, Caetité-Ilhéus, de 400 quilômetros, construída com a principal finalidade de levar o minério até o centro especial de embarque da Bamin em Porto Sul. O projeto minerador obteve permissão ambiental em novembro de 2012 e o de operação em junho de 2014. Já o complexo de Porto Sul recebeu permissão de construção em 19 de setembro de 2014, suas obras devem começar no máximo um ano depois, e o complexo deve estar em operação comercial no último dia de 2019.

Porto Sul, considerado o maior desenvolvimento portuário do Nordeste do Brasil e uma de suas maiores estruturas logísticas, se converterá no terceiro maior porto do país e movimentará 60 milhões de toneladas durante seus primeiros dez anos de atividade. A maior ligação com o complexo será por ferrovia, mas também se projeta a construção de um aeroporto internacional em sua área de influência, além de novas estradas e um gasoduto.

O interconectado Projeto Pedra de Ferro requer investimentos de US$ 1,5 bilhão e o potencial produtivo da jazida é de 398 milhões de toneladas, o que lhe assegura vida útil de 20 anos. “A mina não é sustentável e a linha férrea para transportar o minério até o porto tem um traçado que corta áreas protegidas e comunidades”, denunciou Mendonça.

Os ativistas argumentam que, além de ser tóxico e contaminante, o pó do mineral se espalhará pela região durante o transporte, afetando as plantações de cacau e os rios que a ferrovia atravessará.

Abede também reclama da forma com que a companhia comunica às famílias como elas serão afetadas por um dos projetos, segundo afirma, sem consulta ou diálogo de seus responsáveis ou das autoridades públicas. “O Estado pode expropriar quando é para beneficio coletivo e não para uma companhia privada internacional”, ressaltou.

ENRC, um consórcio do Cazaquistão com sede legal em Luxemburgo, foi expulso em novembro de 2013 da Bolsa de Valores de Londres sob acusações de fraude e corrupção. “Preparamos informes que vamos apresentar a bancos públicos para impedir que financiem as obras”, entre as medidas que usaremos na luta nos tribunais, informou Abede.

A voz da Bamin e das autoridades

A Bahia Mineração (Bamin) informou que, até Porto Sul estar operacional, a mina de Caetité manterá produção limitada de um milhão de toneladas de ferro por ano. Segundo a companhia, “a empresa contribuirá para o desenvolvimento social e econômico da Bahia e de sua população”. Também assegura que o Projeto Pedra de Ferro criará 6.600 empregos e calcula que seu investimento soma US$ 3 bilhões na mina e em seu terminal no complexo portuário.

As autoridades estaduais da Bahia, que controla o projeto de Porto Sul, informaram que o órgão ambiental brasileiro realizou dez audiências públicas para discutir o projeto, e indica que 17 quilômetros quadrados do complexo serão dedicados à conservação. Um comunicado do governo do Estado destaca que todas as famílias que serão afetadas pelas obras estão incluídas em um programa de expropriação e reassentamento. O pagamento das indenizações começou durante o primeiro trimestre deste ano. Envolverde/IPS