Por Kitty Satpp, da IPS –
Nova York, Estados Unidos, 7/8/2015 – Jaha Dukureh sofreu na própria carne os efeitos atrozes da mutilação genital feminina. Ela, que agora vive nos Estados Unidos, sofreu essa prática quando era bebê. Sua irmã morreu de sangramento após ser submetida a esse mesmo procedimento. O que fizeram a Dakureh se chama infibulação: extirpa-se o clitóris e os lábios vaginais e sela-se a vagina para garantir que a menina chegue virgem ao casamento.
Antes da visita do presidente norte-americano, Barack Obama, à África, entre os dias 24 e 28 de julho, Dakureh, que hoje é uma ardorosa ativista contra a mutilação genital feminina, pediu ao mandatário que “desempenhasse um papel histórico na luta” para eliminar esse flagelo. “Embora as origens da mutilação genital feminina sejam antigas e anteriores à religião organizada, há uma coisa sobre a qual temos certeza: seu propósito é controlar a sexualidade feminina e reduzir a humanidade das mulheres”, escreveu em um poderoso artigo para o jornal britânico The Guardian.
Nos últimos 15 anos, a quantidade de mulheres e meninas em risco de serem submetidas a essa prática nos Estados Unidos mais do que duplicou, alertam organizações de ativistas, pedindo medidas mais enérgicas para impedir essa violação dos direitos humanos. Dados do Escritório de Referência Populacional, uma organização independente com sede em Washington, indicam que 506.795 meninas e mulheres nos Estados Unidos foram submetidas a essa operação ou correm o risco de sofrerem esse procedimento.
Entre as dez principais áreas metropolitanas onde mulheres e meninas correm maior risco de sofrer mutilação genital figuram Nova York, Washington, Minneapolis-Saint Paul.
“É importante que esse assunto deixe de ser tabu”, afirmou à IPS Paula Kweskin, advogada especialista em direitos humanos que produziu o documentário Honor Diaries (Diários de Honra), que aborda o problema da ablação feminina. “É necessário que se debata em todos os níveis, para que possa ser abordado e erradicado. Quando é varrido para debaixo do tapete, mulheres e meninas são novamente vítimas pelo silêncio e pela falta de ação”, destacou.
Segundo Kweskin, “políticos, médicos, policiais, professores e líderes comunitários, todos têm um papel a cumprir para garantir que as meninas possam receber a ajuda que necessitam e merecem. Não há desculpas para esse tipo de abuso”. O Escritório de Referência Populacional afirma que essa prática, que significa a remoção parcial ou total dos genitais externos de meninas e mulheres por motivos religiosos, culturais ou outros, não médicos, tem devastadores efeitos sociais e na saúde, tanto imediatos quanto no longo prazo, especialmente os relacionados ao parto.
A maioria das meninas em risco vive na África subsaariana. Em Djibuti, Guiné e Somália, por exemplo, nove em cada dez adolescentes entre 15 e 19 anos sofreram mutilação genital. Mas a prática não se limita aos países em desenvolvimento. Um informe, divulgado em julho pela Universidade da Cidade de Londres e pela organização Igualdade Agora, estima que 137 mil mulheres e meninas sofreram a ablação na Grã-Bretanha.
Nos Estados Unidos, segundo o Escritório de Referência, os esforços para impedir que as famílias enviem suas filhas para o exterior a fim de se submeterem a essa tradição (conhecido com “corte de férias”) dispararam a aprovação de uma lei em 2013 que torna ilegal transportar uma menina para fora do país sabendo que a finalidade da viagem é mutilar seus genitais.
“Pedimos urgência aos Estados Unidos no sentido de divulgar uma atualização pública sobre seus planos para garantir que todos os esforços para erradicar a mutilação genital feminina sejam sustentáveis e apoiados com financiamento, e incentivar os esforços do Estado para isso nos âmbitos locais”, disse no mês passado a diretora de políticas da Igualdade Agora, Shelby Quast.
A população norte-americana “não quer pensar que isso acontece aqui. Mas suas filhas podem estar sentadas ao lado de uma melhor amiga que pode estar em risco de sofrer um procedimento cultural violento”, afirmou a Rádio Nacional Pública. “Se cortassem o nariz ou a orelha – algo que todos pudessem ver – a resposta seria outra. Não podemos continuar escondendo isto”, acrescentou.
O Congresso dos Estados Unidos já havia aprovado, em 1996, uma lei que torna ilegal praticar mutilações genitais femininas, e 23 Estados possuem leis contra esse costume, que aumentou em parte pela maior imigração de países onde é prevalente, especialmente no norte da África e na região subsaariana.
Segundo o Escritório de Referência, a população africana nascida fora do continente mais do que duplicou entre 2000 e 2013, passando para 1,8 milhão. Apenas três países de origem (Egito, Etiópia e Somália) representaram, em 2013, 55% de todas as mulheres e meninas norte-americanas em risco.
“Essa é uma prática bárbara e completamente desnecessária, que causa danos físicos e psicológicos devastadores em incontáveis meninas e mulheres nos Estados Unidos e em países de todo o mundo”, disse Raheel Raza, a presidente do Conselho para os Muçulmanos que Enfrentam o Amanhã. Esta ativista pelos direitos humanos é uma das mulheres muçulmanas que aparecem no documentário Honor Diaries, que rompe o silêncio sobre a mutilação genital e outros abusos contra mulheres e meninas. Envolverde/IPS