Teldah Mawarire*
Johannesburgo, África do Sul, 12/11/2015 – A Europa está afundada em uma crise de refugiados e não é difícil ver que não sabe como responder a ela. Até meados de outubro, mais de 600 mil pessoas haviam chegado por mar a esse continente, somente este ano. A Organização Internacional para as Migrações (OIM) estima que, este ano, mais de 3.100 pessoas morreram ou desapareceram tentando chegar à Europa. A situação permanecerá a mesma, pois o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) alerta que mais sírios podem fugir para esse continente enquanto a guerra continuar.
A resposta à crise é claramente diferente segundo os setores e os diferentes países. Em geral, a sociedade civil, não os governos nem os sindicatos regionais, tem liderado os esforços para ajudar as pessoas que fogem do horror da guerra. As organizações distribuíram alimentos e água, e ofereceram serviços de saúde e programas de capacitação para os migrantes. Também realizam forte pressão junto à União Europeia (UE) e seus membros para enfrentar a intolerância em relação aos refugiados. Até a revisão das chegadas e a contabilização das pessoas mortas ficou nas mãos da sociedade civil.
A resposta das autoridades vem sendo inadequada: desde disputas na UE até posições muito conservadoras, como a do primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban, sobre seu país ser obrigado a defender suas fronteiras dos “migrantes”. Mas há uma pequena luz de esperança. A chanceler da Alemanha, Angela Merkel, se mostrou mais afim à chegada de refugiados até que a câmara baixa do parlamento votou para limitar o número de imigrantes, apesar de esse país prever receber ainda 1,5 milhão de pessoas em 2015.
Em outubro, a UE acordou dividir 120 mil refugiados mediante um sistema de cotas entre alguns de seus membros. A Grã-Bretanha se comprometeu a receber quatro mil refugiados este ano e mais 20 mil nos próximos cinco anos, embora seja um dos membros que se negaram a fazer parte do sistema de cotas.
Após as pouco animadoras declarações de legisladores britânicos de que os refugiados não deveriam se dirigir a Londres porque suas ruas “não estão pavimentadas com ouro”, aceitar determinado número de pessoas é um avanço, mas ainda assim uma resposta “lamentavelmente pequena”, como disse a parlamentar pelo Partido Verde, Caroline Lucas.
É preocupante o fato de o ministro da Fazenda, George Osborne, ter declarado que o dinheiro para ajudar os refugiados deve ser tirado do Departamento de Desenvolvimento Internacional, responsável por administrar a ajuda. Esse órgão responde por uma ampla variedade de projetos, que incluem prevenir a malária, melhorar a educação e a vacinação infantil, o desenvolvimento de infraestrutura, o trabalho humanitário, o apoio à sociedade civil e à pesquisa, entre outros.
Além disso, destina 12 bilhões de libras (US$ 18 bilhões) ao ano em assistência internacional. Embora o grosso dos fundos venha dos governos, existe a possibilidade, caso seja implantada a proposta de Osborne, de uma redução nas destinações a projetos implantados pela sociedade civil e que dependem de dinheiro da Grã-Bretanha.
Devido à importância do trabalho que a sociedade civil realiza em resposta à crise de refugiados, tem pouco sentido o governo britânico reduzir ou desviar os fundos destinados à assistência, especialmente porque os esforços para alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) necessitarão de recursos adicionais. Os ODS foram aprovados pelos países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) em setembro deste ano.
Por outro lado, a Grã-Bretanha deveria redobrar seus esforços para ajudar os refugiados com seu orçamento nacional.
Embora as atuais regras da Assistência Oficial ao Desenvolvimento (AOD) permitam aos doadores destinar certa proporção do gasto para reassentar as pessoas em seus próprios países no contexto da entrega da ajuda, apenas uma pequena proporção da assistência aos refugiados se contou como parte da AOD nos anos anteriores. A preocupação da sociedade civil é que, diante da enorme dimensão que tem a atual crise de refugiados, e no contexto da austeridade fiscal, os países doadores desviem mais ajuda dessa forma.
Reduzir a ajuda pode assentar um mau precedente e levar outros governos doadores a reduzirem os fundos de projetos no Sul global. A preocupação já se instalou na Suécia, porque o governo estuda desviar fundos da assistência ao desenvolvimento para ajudar na recepção dos refugiados. No atual cenário mundial, em que a sociedade civil já se encontra diante de uma crise financeira, e embora aumente a demanda por seu trabalho, o desvio de fundos é a última coisa que o setor necessita.
O financiamento da resposta à crise de refugiados deveria ser considerada à parte da ajuda ao desenvolvimento habitual. Na verdade, são necessários recursos adicionais para que as organizações possam continuar seu trabalho essencial, enquanto os governos fazem o melhor possível para ajudar as pessoas com problemas, de acordo com os princípios humanitários. Envolverde/IPS
* Teldah Mawarire é diretora de políticas e de pesquisas da Civicus, aliança mundial que busca fortalecer a ação da sociedade civil.