Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 2/10/2015 – O programa do Brasil de redução das emissões de gases de efeito estufa (GEE), que provocam o aquecimento global, deixou os ambientalistas insatisfeitos, por sua falta de ambição em aspectos fundamentais. “É louvável a decisão de apresentar metas absolutas de redução, mas elas poderiam ser melhores e mais ambiciosas, em beneficio do próprio país e das negociações mundiais sobre mudança climática”, apontou André Ferretti, coordenador-geral do Observatório do Clima, uma rede de 37 organizações ambientais.
A presidente Dilma Rousseff anunciou, no dia 27 de setembro, em Nova York, durante a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, que a meta brasileira é reduzir as emissões nacionais de GEE em 37% até 2025 e em 43% até 2030, com relação a 2005. Essa é a Contribuição Prevista e Determinada em Nível Nacional (INDC) do Brasil para manter o aumento da temperatura do planeta abaixo dos dois graus Celsius, o teto que os especialistas estabelecem para evitar uma catástrofe climática.
Cada país tinha até 1º deste mês para apresentar sua INDC, para ser incorporado ao novo tratado universal e vinculante que deve ser aprovado na 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC), que acontecerá em Paris, entre 30 de novembro e 11 de dezembro.
Para cumprir as metas o Brasil deve ter em 2030 pelo menos 45% de sua energia gerada por fontes renováveis, incluindo as hidrelétricas. A média mundial é de apenas 13%, comparou a presidente Dilma. As fontes alternativas, como a eólica, a solar, a de biomassa e o etanol, responderão por 23% da matriz elétrica, contra os atuais 9%.
Também se buscará eliminar o desmatamento ilegal na Amazônia e compensar as emissões provenientes da vegetação retirada com permissão da lei brasileira. Reflorestar 12 milhões de hectares e restaurar outros 15 milhões degradados são outras metas anunciadas pela presidente, que assegurou que o Brasil é dos primeiros países do Sul em desenvolvimento a assumir compromissos de redução absoluta das emissões de GEE, com metas superiores inclusive às de muitas nações industrializadas.
Outros países oferecem reduções com relação às emissões projetadas no futuro, se forem mantidas as atuais condições de produção, consumo e crescimento econômico. O Brasil havia prometido, na COP 15, realizada em 2009 em Copenhague, reduzir suas emissões de GEE entre 36% e 39%, com relação às projetadas para 2020. Mas as metas de sua INDC “continuam inferiores ao que o país pode fazer e acrescentam muito pouco ao que já foi feito”, afirmou Ferretti à IPS.
Em 2012, as emissões de GEE já haviam caído 41% em comparação a 2005, devido basicamente ao menor desmatamento amazônico, mas aumentaram posteriormente pelo maior uso de combustíveis fósseis. Atualmente, o Brasil, maior emissor da América Latina, libera anualmente na atmosfera 1,488 bilhão de toneladas de GEE. Em termos de toneladas, a meta de emissões brutas para 2030 não difere muito das registradas em 2012, de 1,2 bilhão de toneladas de dióxido de carbono, segundo dados do Ministério da Ciência e Tecnologia.
“A maior debilidade do compromisso brasileiro está na questão florestal. É algo vexatório prometer o fim do desmatamento ilegal para 2030, admitindo que se tolerará a ilegalidade por uma década e meia”, destacou Ferretti, também gerente de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário. “Juridicamente é um contrassenso fixar um prazo tão longo para combater uma atividade ilegal”, afirmou à IPS o ex-deputado Liszt Vieira, que presidiu o Jardim Botânico do Rio de Janeiro durante dez anos.
Além de as metas apenas se referirem à Amazônia, omitindo outros biomas, como o Cerrado, a savana brasileira que ocupa 203,6 milhões de hectares, ou 24% do território nacional, e sofre intenso e crescente desmatamento, pontuou Ferretti. “Tudo isso reflete o baixo compromisso do governo brasileiro nesse tema. O Brasil poderia assumir uma meta de desmatamento zero até 2030, factível porque o país aprendeu muito sobre o assunto, dispõe de tecnologia e terras já desmatadas para a expansão agrícola”, afirmou Paulo Barreto, pesquisador sênior do Instituto do Homem e do Meio Ambiente da Amazônia.
“Além disso, atenta o próprio interesse do país, que depende das chuvas para sua agricultura e energia. Sua vulnerabilidade às secas foi desnudada na atual crise hídrica e energética, especialmente no Estado de São Paulo, após escassas chuvas nos últimos dois anos. Por isso convém ao Brasil um bom acordo climático em Paris”, para evitar os eventos extremos como as secas, ressaltou Barreto à IPS.
Barreto e Vieira concordam que uma meta ambiciosa, como desmatamento zero em todo o país, daria ao Brasil condições de alguma liderança na conferência, para estimular contribuições de outros países e a concertação de acordos que permitam conter a mudança climática em níveis menos desastrosos. Hoje também se conhece melhor o papel das florestas na regularização das chuvas, especialmente da Amazônia florestal no clima sul-americano.
O Brasil também poderia apresentar metas mais avançadas em energia de fontes alternativas, ampliando seus investimentos em energia eólica e solar, opinou Vieira. Na área energética, o país vai na contramão, aumentando a geração termoelétrica com combustíveis fósseis e priorizando a produção do petróleo do pré-sal, acrescentou.
Apesar das limitações do programa climático brasileiro, os ambientalistas consultados pela IPS admitiram que o anúncio feito por Dilma foi uma boa surpresa.
“Esperava-se algo pior de um governo ‘desenvolvimentista’, que encara o ambientalismo como uma trava ao desenvolvimento e ao crescimento econômico”, observou Vieira, que participou desse governo até 2013, já que a presidência do Jardim Botânico é um cargo de confiança do Ministério do Meio Ambiente. “Foi um alívio e uma frustração a divulgação das metas”, resumiu.
“Foi mau porque poderia ser melhor, tanto na questão florestal como na energética, com maior atenção à energia de biomassa e solar”, explicou Ferretti. “E foi bom porque, além de algumas boas medidas, como a recuperação de térreas degradadas, foram fixadas metas para 2025 e 2030, indicando que serão revisadas a cada cinco anos e poderão ser ampliadas, abrindo uma porta de negociação e emulação com outros países”, completou.
Também foi positivo porque o Brasil abandonou sua posição de defesa inflexível das “responsabilidades diferenciadas”, eximindo os países do Sul em desenvolvimento do cumprimento de metas e cobrando-as dos industrializados, por suas emissões acumuladas de GEE. Essa separação entre dois blocos favoreceu a liderança “terceiro-mundista” a alguns países com o Brasil, mas travou as negociações, concluiu Ferretti.
A liderança perdida
O ambientalista Liszt Vieira duvida que o Brasil possa recuperar o protagonismo que teve em décadas passadas, ao receber em 1992 a Conferência de Meio Ambiente e Desenvolvimento do Rio de Janeiro, que produziu as convenções sobre Mudança Climática, Biodiversidade e Desertificação.
Esse protagonismo se manteve na Conferência de Johannesburgo dez anos depois, quando o país era o campeão das energias renováveis e colocava à disposição do mundo seu conhecimento na produção do etanol a partir da cana-de-açúcar e de veículos movidos por esse combustível.
Mas já havia deixado de ser um ator determinante quando recebeu, em 2012, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, conhecida como Rio+20. Os protagonistas atuais, os que decidirão o futuro do clima global, são China, Estados Unidos e Europa, afirma Vieira, autor do livro Cidadania e Globalização, sobre a emergência de uma cidadania planetária. Envolverde/IPS