Por Mario Osava, da IPS –
Quito, Equador, 16/11/2016 – Às vezes o sucesso mata, quando se trata de cidades. Barcelona, na Espanha, já enfrenta problemas pelo excesso de turistas que atrai e, no Equador, o Centro Histórico de Quito, uma joia arquitetônica especialmente preservada, sofre a fuga de sua população. O paradoxo é apontado por Fernando Carrión, presidente da Organização Latino-Americana e do Caribe de Centros Históricos e professor da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) no Equador.
“O centro histórico de Quito perdeu 42% de seus habitantes nos últimos 15 anos, período em que ganhou melhores monumentos, mais iluminação e limpeza”, lamentou Carrión. Os números oficiais dos censos apontaram 58.300 habitantes em 1990, 50.982 em 2001 e 40.587 em 2010, ou seja, uma queda abrupta. Segundo o professor, a revitalização da área foi realizada “por meio de uma política monumentalista”, de restauração de igrejas e prédios, que elevou os preços da moradia e promoveu o uso comercial dos imóveis, excluindo os pobres. “Temo que o metrô expulse mais pessoas”, agravando a tendência, opinou.
A primeira linha do metrô de Quito começou suas obras em 2013, com a construção de duas estações pela empresa espanhola Acciona. A Fase 2, ou construção do túnel de 22 quilômetros e outras 13 estações, começou em janeiro de 2016 e deverá estar concluída em julho de 2019. Para a execução foi contratada, por licitação, um consórcio formado pela Acciona e pela construtora brasileira Odebrecht, que construiu linhas de metrô em vários países latino-americanos.
Só uma estação, a da praça San Francisco, ficará no centro histórico. “As projeções de demanda estimam que por ali circularão 42 mil passageiros por dia”. Isso significa que, “com o metrô, chegarão as mesmas pessoas por vias distintas”, apontou à IPS o gerente-geral da Empresa Pública Metropolitana Metrô de Quito (EPMMQ), Mauricio Anderson. O transporte subterrâneo “evitará o congestionamento de veículos, a vibração e a contaminação que existem hoje”, ao substituir automóveis e ônibus que deixarão de entrar na área, destacou.
O objetivo do novo meio de transporte de massa é melhorar a qualidade de vida dos habitantes de Quito, com menos tempo de deslocamento, inclusão econômica da periferia, economia de combustíveis, redução de acidentes e ambiente menos contaminado, segundo a EPMMQ. “Diariamente, 400 mil moradores de Quito utilizarão esse sistema, otimizando outros serviços e aumentando a velocidade atual de deslocamento na cidade, que na superfície é de 13 quilômetros por hora e no metrô será de 37”, afirmou Anderson.
Como a capital equatoriana é uma cidade longitudinal, alargada ao norte e ao sul a partir do centro, a linha de 22 quilômetros e 15 estações permitirá que quase toda a população urbana disponha de transporte público, a menos de quatro quarteirões de suas residências ou locais de trabalho, segundo estudos que orientaram o desenho do metrô. Será um meio de mobilidade que, com trens que receberão até 1.500 passageiros cada um, “articulará todo o sistema integrado de mobilidade”.
Em 2014, estatísticas indicavam que o sistema de transporte público do Distrito Metropolitano de Quito atendia 2,8 milhões de viagens diárias, a grande maioria por ônibus convencionais e um sistema de transporte rápido (BRT) com corredores especiais. Os opositores ao metrô argumentam que a otimização dos BRT, que atendem as mesmas rotas norte-sul, poderia aumentar o número de passageiros transportados em quantidade superior ao trem subterrâneo, com investimentos bem menores.
Mas “a superfície de Quito está saturada, não há verdadeiros corredores exclusivos e o inventário viário é muito estreito”, pontuou Anderson, insistindo na maior rapidez e eficiência do metrô, com benefícios para passageiros e ambiente. O custo da implantação do metrô será de US$ 2,09 bilhões, “isto é, US$ 89 milhões por quilômetro, cifra que está abaixo da média da região”, ressaltou o gerente do Metrô Quito.
O projeto em execução foi elaborado pela empresa pública Metrô de Madri. Uma passagem de US$ 0,45 cobrirá os custos de operação e manutenção da primeira linha, segundo a empresa. “Custará muito mais”, duvida Ricardo Buitrón, ativista da organização Ação Ecológica, argumentando que construir um metrô em Quito é complexo e não poderia ser muito mais barato do que no Panamá, por exemplo, onde cada quilômetro custou US$ 128 milhões.
Além disso, com os investimentos no metrô, “se poderia construir 260 quilômetros de corredores exclusivos para ônibus elétricos, mais 40 quilômetros de linhas de bonde, como está sendo implantado em Cuenca”, cidade do sul do Equador, indicou Buitrón à IPS. A passagem a US$ 0,45 exigirá subsídios de US$ 100 milhões ao ano, estimou. Em outros países, o custo de operação por passageiro passa de US$ 1,59, detalhou.
“Os subsídios são inevitáveis no transporte público, mas deveriam contribuir para melhorar o sistema”, afirmou o ativista. Em Quito, por exemplo, poderiam estimular o uso de ônibus elétricos, corrigindo um “retrocesso” que foi a substituição de ônibus articulados elétricos por outros movidos a diesel, mais baratos. O diesel equatoriano é de má qualidade e contamina muito, o que pode ser visto pela fumaça negra que emitem, acrescentou.
“O metrô é uma boa solução, que reduzirá o uso de ônibus contaminantes e solucionará o congestionamento do trânsito em uma cidade em que tudo passa pelo eixo norte-sul”, detalhou Julio Echeverría, diretor executivo do Instituto da Cidade e ex-professor de política em várias universidades do Equador e da Itália. Mas Quito passa pelas consequências de um desenvolvimento urbano “linear, longitudinal”, que já passou. Agora a cidade é “dispersa, fragmentada, se estende para os vales e outras áreas com vocação agrícola, com grande biodiversidade”, explicou.
Quito, com estimados 2,5 milhões de habitantes em seu Distrito Metropolitano, conta com o maior e menos alterado centro histórico da América Latina, que em 1978 foi declarado patrimônio cultural da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Fundada em 1534 em uma longa e estreita escadaria nas ladeiras orientais de um maciço andino, onde fica o vulcão Pichincha, a cerca de 2.800 metros de altitude, a capital do Equador mantém preservado seu centro, com mais de 50 igrejas, capelas e monastérios, além de dezenas de praças.
A transferência negociada de aproximadamente sete mil vendedores de rua para centros comerciais formais, em 2003, e um programa para deixar o centro histórico para os pedestres levaram artes às praças e ruas todos os domingos, durante quase toda a primeira década deste século, ajudando a atrair moradores de Quito e um crescente turismo para a cidade.
A grande intervenção que significa construir o metrô cruzando esse centro preocupa muitas pessoas. “O metrô não é bom para os pobres, é mais rápido do que o trólebus, mas é mais caro”, enfatizou Manuel Quispe, de 52 anos, que ganha a vida como engraxate na Praça San Francisco. Seu colega Jorge Córdoba, de mesma idade, reconhece as vantagens da velocidade, mas acredita que o “metrô não sairá”, porque “Quito está sobre um subsolo que torna difícil abrir túneis”. Ele se queixou, como Quispe, dos muitos meses de obra parada, inutilizando metade da praça e reduzindo suas rendas que já são baixas. Envolverde/IPS