Internacional

Migração para o Golfo colocada em xeque

Bengaleses que pretendiam emigrar foram abandonados por traficantes de pessoas em alto mar, e posteriormente resgatados pela Guarda Fronteiriça de Bangladesh. Foto: AbdurRahman/IPS
Bengaleses que pretendiam emigrar foram abandonados por traficantes de pessoas em alto mar, e posteriormente resgatados pela Guarda Fronteiriça de Bangladesh. Foto: AbdurRahman/IPS

Por N ChandraMohan*

Nova Délhi, Índia, 25/2/2016 – A forte queda dos preços mundiais do petróleo afetou gravemente as economias do Golfo. Prevê-se que Arábia Saudita, Bahrein, Emirados Árabes Unidos e Catar sofrerão enormes déficits orçamentários devido à redução de arrecadação nesse setor.Na medida em que esses países apertarem o cinto, a maior parte do ajuste recairá sobre a população imigrante que compõe o grosso da mão de obra.

Entre os ajustes estão cortes para combustíveis, energia, água e subsídios para educação, além de um imposto sobre valor agregado (IVA). Isto afetará os imigrantes e, segundo diversas versões, já há familiares regressando aos seus países.Como é provável que os preços do petróleo continuem deprimidos – já que os mercados internacionais “se afogam em um excesso de oferta”, para usar uma expressão da Agência Internacional de Energia –, as economias do Golfo buscam um futuro para além do petróleo.

A Arábia Saudita, por exemplo, pretende diversificar sua economia com a mineração e os subsídios. Em entrevista à revista britânicaTheEconomist, Muhammad bin Salmán, príncipe herdeiro substituto e ministro da Defesa saudita, afirmou que “existem ativos não utilizados: a expansão do turismo religioso, como o aumento do número de turistas e peregrinos com destino a Meca e Medina, dará mais valor às terras estatais nas duas cidades”

Outras economias do Golfo pensam de maneira semelhante. Entre outras opções, os Emirados investem forte no crescimento da Índia. O príncipe herdeiro de Abu Dhabi e comandante supremo adjunto das forças armadas emiratenses, Zayedbin SultanAl Nahyan, fez uma visita de três dias ao território indiano este mês e assinou diversos acordos que incluem investimento em infraestrutura, energia e aviação do país asiático.A Índia tem a intenção de aproveitar os investimentos de quase US$ 75 bilhões do fundo de riqueza soberana dessa economia do Golfo, além de reforçar à cooperação na área da segurança.

Mas a queda no preço do petróleo não é o único problema do Golfo. Em um encontro do Fórum da Baía de Bahrein – realizado nos dias 29 e 30 de novembro, organizado pelo Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, com sede em Londres –, o ministro de Indústria, Comércio e Turismo do Bahrein, Zayed Al Zayani, afirmou que a desordem econômica e a falta de oportunidades contribuem com a instabilidade na região.

O ministro insistiu na necessidade de uma reforma econômica “sem precedentes” em todo o Golfo, como consequência da redução na renda procedente do petróleo, na qual incluiu a geração de milhões de empregos para os jovens dessas economias, que continuam dependendo em grande parte da mão de obra estrangeira oriunda de Bangladesh, Filipinas, Índia e Paquistão.

Tudo isso não é notícia boa para os trabalhadores estrangeiros. O forte aumento dos gastos com combustível e serviços públicos afetará seu nível de vida. Por exemplo, o Catar duplicou essas tarifas em setembro de 2015, enquanto Arábia Saudita e Omã reduziram os subsídios em dezembro desse ano.A Arábia Saudita estuda aplicar IVA no final de 2016. No Bahrein, os trabalhadores estrangeiros também perceberam uma perda gradual dos subsídios que os beneficiavam.

Entre outras reformas também está a substituição da mão de obra imigrante por empregados locais, o que, no caso da Arábia Saudita, equivale a dez milhões de empregos.Por esses motivos, a emigração para o Golfo está em um ponto de inflexão. Em um período anterior, quando os preços do petróleo eram altos e estavam em elevação, essas economias tinham renda no auge para dedicar à construção de aeroportos, estradas e portos.

Desde a década de 1970, os que construíram essas obras de infraestrutura foram os 16 milhões de imigrantes de países do sul da Ásia, como Bangladesh, Índia, Nepal, Paquistão e Sri Lanka.Mas, agora que acabou o auge da construção financiada pelo petróleo, não existe tanto interesse na mão de obra estrangeira pouco qualificada, e as economias do Golfo têm a necessidade de empregar sua própria força de trabalho jovem e cada vez mais educada.

Assim, existe uma sombra preocupante sobre a sustentabilidade das transferências privadas ou remessas que recebem as economias do sul da Ásia. No Nepal, as remessas representam 30% do produto interno bruto (PIB) do país. Portanto, as consequências do retorno dos emigrantes seguramente serão graves para o perfil exterior desse reino do Himalaia.Em Bangladesh e no Sri Lanka as remessas são igualmente importantes, já que chegam a 9,4% e 8,6%do PIB, respectivamente, segundo o Banco Mundial. Na Índia, a proporção cai para 3,4%, mas o problema seria grave em Estados como Kerala, o epicentro da emigração para o Golfo.

Diversas pesquisas confirmaram que as remessas aumentam a poupança e o investimento nas famílias receptoras e ajudam a reduzir a pobreza. Se esse dinheiro for limitado no curto prazo, os resultados distributivos serão prejudicados. Embora essas transferências contribuam para melhor rendimento econômico, também são uma fonte de perturbação quando se tornam voláteis.

Nesse contexto, a experiência do Estado indiano de Kerala é relevante, já que depende vitalmente das transferências privadas, que chegam a um terço de seu produto interno. O Centro de Estudos do Desenvolvimento, com sede na cidade de Thiruvananthapuram, fez um trabalho pioneiro sobre a emigração e o impacto das remessas na economia do Estado.O Centro realizou seis estudos em grande escala sobre migração, em 1998, 2003, 2007, 2008, 2011 e 2014. As conclusões apontam para uma tendência decrescente na emigração de Kerala, em sua maior parte para as economias do Golfo. A era da emigração em grande escala terminou.

O retorno de mais imigrantes do sul da Ásia aos seus países seguramente terá um impacto negativo no mercado de trabalho. A taxa de desemprego disparará. Remessas menores provocarão maiores déficits na conta corrente das economias da região, que é a maior medida do desequilíbrio comercial de bens e serviços com o resto do mundo.Além disso, a redução das remessas também diminuirá a renda por habitante, o que contribuirá com as tensões sociais. O desafio para a política é como lidar com a queda na magnitude dessa renda na região. Envolverde/IPS

*N ChandraMohané analista de economia e negócios.