Internacional

Milhares de crianças nascem apátridas

Meninas e meninos em um acampamento para refugiados no Centro Esportivo Carrefour, em Porto Príncipe, no Haiti. Foto: Stuart Ramson/Insider Images for UN Foundation
Meninas e meninos em um acampamento para refugiados no Centro Esportivo Carrefour, em Porto Príncipe, no Haiti. Foto: Stuart Ramson/Insider Images for UN Foundation

Por Tharanga Yakupitiyage, da IPS – 

Nações Unidas, 5/11/2015 – A cada dez minutos nasce, em algum lugar do mundo, um bebê apátrida, e o problema só se agrava, alerta um documento do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur). Embora não se conheça o número exato, essa agência da ONU estima que existam pelo menos dez milhões de pessoas apátridas em todo o mundo, e aproximadamente um terço é de menores de idade.

Mais de 97% dos apátridas se concentram em 20 países, entre eles Birmânia, Costa do Marfim, República Dominicana, Estônia e Tailândia. Nesse grupo de países nascem, por ano, 70 mil meninos e meninas sem nacionalidade reconhecida.

O documento Aqui Estou, Aqui Pertenço: A Urgente Necessidade de Acabar com a Apatridia Infantil, divulgado no dia 3, revela as consequências geradas pela apatridia (condição de quem é apátrida) por meio dos testemunhos de mais de 250 crianças e jovens de sete países. Trata-se da primeira pesquisa que recopila diretamente pontos de vista de apátridas e as difíceis experiências que vivem. Entre as principais causas da apatridia está a discriminação, segundo o Acnur.

Há no mundo 27 países com leis que impedem que as mulheres transmitam sua nacionalidade aos filhos nas mesmas condições que os homens. Isso pode deixar uma criança sem Estado se seu pai é apátrida ou está ausente. É o caso do Líbano e da cidadã libanesa Amal, que tem um filho apátrida de nove anos de idade. “Meus filhos não têm nacionalidade porque seu avô era apátrida e seu pai também é. Se a situação de meus filhos não mudar, não terão futuro”, explicou Amal ao Acnur.

A ausência de nacionalidade ou de documentos que registrem o nascimento também dificulta o acesso à atenção sanitária. Em mais de 30 países, as famílias precisam de documentos de nacionalidade para receber atendimento médico.

Depois de machucar a perna jogando futebol, Pratap, um jovem de 15 anos, da Malásia, recordou as dificuldades que teve para receber atendimento médico. “Estava nervoso porque ninguém queria me ajudar. É minha culpa não ter nacionalidade? Nasci nesse país como qualquer outro malaio. Por que tenho que sofrer dessa maneira?”, protestou.

As crianças e os jovens enfrentam barreiras adicionais para receber educação se estão sobre a condição de apátridas. Por exemplo, na Tailândia e na Itália, as restrições de viagem e a ausência de bolsas impedem a admissão no ensino superior.

“Tenho qualificações muito boas”, afirmou Patcharee, uma jovem indígena apátrida de 15 anos da Tailândia. “Mas, cada vez que há uma bolsa de estudos, ela é dada a alguém com carteira de identificação nacional”, acrescentou. Essa situação impede que muitos jovens encontrem emprego. Jirair, da Geórgia e aspirante a competir em luta livre, confirmou essas restrições, bem como sua frustração. “As portas do mundo estão fechadas para mim”, afirmou.

Segundo o Acnur, essa exclusão produz sequelas psicológicas, já que os jovens apatridas descrevem a si mesmos como “invisíveis”, “estrangeiros” e “sem valor”. Outros ilustram a sensação paradoxal de ter senso de pertinência e ao mesmo tempo ser excluído. “Eu me sinto dominicana, independente dos documentos, mas as pessoas me veem menos dominicana por falta de documentos”, contou Paloma, de 16 anos, nascida na República Dominicana.

Durante a apresentação do informe, o alto comissário para os refugiados, António Guterres, destacou o impacto que tem a apatridia. “No curto tempo em que as crianças podem ser crianças, a apatridia pode deixar profundos problemas que os perseguirão durante toda sua infância e os condenarão a uma vida de discriminação, frustração e desespero. Todas as crianças devem pertencer a algum lugar”, ressaltou.

No documento o Acnur exorta a comunidade internacional a acabar com a apatridia mediante a adoção de quatro medidas: permitir que as crianças apátridas obtenham a nacionalidade de seu país natal; modificar as leis que impedem que as mães transmitam sua nacionalidade aos filhos; eliminar as leis e práticas que negam às crianças a nacionalidade devido à sua origem étnica, raça ou religião; e garantir o registro universal dos nascimentos.

A Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança, ratificada por 194 dos seus196 países membros, ampara o direito de toda criança ter uma nacionalidade. Para divulgar e promover a ação sobre o tema, o Acnur lançou em 2014 sua campanha #IBelong #YoPertenezco para acabar com a apatridia no prazo de dez anos. Envolverde/IPS