Internacional

Milhares de tamis do Sri Lanka vivem sob a “sombra da guerra”

Jovem que perdeu uma perna durante a guerra olha para a câmera junto à sua banca de verduras em Mullaitivu, norte do Sri Lanka. Foto: Amantha Perera/IPS
Jovem que perdeu uma perna durante a guerra olha para a câmera junto à sua banca de verduras em Mullaitivu, norte do Sri Lanka. Foto: Amantha Perera/IPS

Por Kanya D’Almeida, da IPS – 

Nações Unidas, 2/6/2015 – Em muitos sentidos, Jayakumari Balendran personifica a difícil situação do povo tamil nas províncias do norte e do leste do Sri Lanka, durante e depois da guerra civil que açoitou por 26 anos este país insular do sul da Ásia. Seu filho mais velho foi morto a tiros em 2006, quando trabalhava na cidade costeira de Trincomalee, 300 quilômetros a leste da capital, Colombo, por “assassinos não identificados”.

Ela foi obrigada a abandonar seu marido quando fugiu de Kilinochchi, uma cidade do norte que, em seu momento, serviu como centro nevrálgico administrativo dos Tigres de Libertação Tamil Eelam (LTTE), o grupo rebelde que lutava contra as forças do governo por um Estado independente para a minoria tamil. Três anos depois, em maio de 2009, quando a guerra terminou, seu segundo filho e dezenas de pessoas morreram no bombardeio ao hospital Puthukkudiyiruppu, em um ataque que as forças armadas não reconhecem. Seus dois filhos tinham 19 anos quando morreram.

Seu terceiro e último filho, que foi recrutado à força pelo LTTE quando ainda era criança, teria se rendido ao exército nesse mesmo mês, quando o governo ocupou zonas controladas pelos rebeldes e declarou uma vitória decisiva. Desde então, ela não sabe nada dele, um mau sinal em um país onde os desaparecimentos forçados são algo corriqueiro, segundo denunciou a organização Human Rights Watch.

Mas seus problemas não terminaram aí. Enquanto protestava pelo desaparecimento do filho, Balendran foi enviada à prisão de Boosa, uma instituição que é sinônimo de tortura no Sri Lanka. Depois que o presidente Mahinda Rajapaksa perdeu as eleições em janeiro deste ano e entregou o governo ao seu ex-ministro da Saúde, Maithripala Sirisena, Balendran foi libertada, algo que os ativistas consideraram como sinal de um futuro mais seguro e justo.

Mas, quando voltou para sua casa, que encontrou saqueada, Balendran teve que deixar sua filha em uma instituição religiosa para sua própria segurança, enquanto ela se mudava para uma choça, o único lugar que podia pagar como mãe sozinha, já que seu marido morreu de câncer em 2012.

A guerra, os desaparecimentos, a prisão, abandonar sua casa, a pobreza, os problemas que definiram sua vida e a de muitos outros nos últimos dez anos, são alvo de uma investigação da organização independente norte-americana Oakland Institute (OI), a primeira de seu tipo publicada após o fim da guerra em 2009. O informe, intitulado A Longa Sobra da Guerra, questiona as feridas que seguem abertas no que foi a zona de guerra, impedindo que civis como Balendran sigam adiante com suas vidas.

Durante uma entrevista coletiva por telefone, no dia 28 de maio, a diretora-executiva da OI, Anuradha Mittal, afirmou que alguns dos maiores obstáculos para a reconciliação são a forte militarização do norte e leste do país, a supressão sistemática da história e da cultura tamis, e a ausência de um mecanismo efetivo para investigar os possíveis crimes de guerra cometidos pelo governo e pelos rebeldes do LTTE durante a última etapa do conflito.

Embora o governo de Sirisena tenha dado passos para a desmilitarização, com a designação de um funcionário civil como governador da província do norte no lugar do ex-comandante das forças de segurança que ocupava o cargo, a presença de um soldado em cada seis civis é uma carga para muitos habitantes cansados da guerra.

Segundo o informe da OI, o ministro da Defesa, Ruwan Wijewardene, declarou, em fevereiro, que o governo não retirará nem limitará a presença militar na península de Jaffna. Além disso, como apontou Mittal, o exército não é passivo “e se dedica à promoção imobiliária, opera luxuosos hotéis turísticos, excursões de observação de baleias, agricultura e outros empreendimentos comerciais em terras confiscadas da população local”.

Cerca de 90 mil dos aproximadamente 480 mil refugiados nos últimos meses de luta ainda vivem em abrigos improvisados, segundo estatísticas publicadas em 2014 pela organização independente norueguesa Centro de Monitoramento do Deslocamento Interno.

A situação é particularmente difícil para as viúvas da guerra, que somam entre 40 mil e 55 mil e que agora devem manter suas famílias por sua própria conta. Para as mulheres como Balendran, a pobreza e o desemprego se combinam com a incerteza por seus familiares desaparecidos para criar uma cultura de medo e dor.

O OI recorre a dados da Organização das Nações Unidas (ONU) e de instituições religiosas na região de Vanni para calcular que há entre 70 mil e 140 mil desaparecidos. “Muitas mães, como eu, vão de um lugar a outro em busca dos filhos”, contou Balendran à imprensa, no dia 28 de maio. “Precisamos de respostas. O governo deve ao menos organizar um lugar onde possamos visitar nossos filhos. Quero meu filho”, acrescentou.

Seus reclamos poderiam ser um desafio decisivo para o governo aplicar um processo de reconciliação nacional centrado em uma investigação confiável sobre os abusos cometidos durante a guerra.

Em março de 2014, o Conselho de Direitos Humanos da ONU aprovou uma resolução que teria iniciado a investigação dos crimes de guerra, mas o governo da época proibiu a entrada no país dos investigadores independentes. Apesar dos obstáculos, as Nações Unidas pretendiam publicar suas conclusões este ano, mas aceitou o pedido do novo governo para adiar a divulgação por seis meses, o que lhe valeu críticas.

“Diante dos antecedentes de falta de ação do governo, a pressão internacional é fundamental para toda ação decisiva. Em lugar de buscar seus interesses geoestratégicos, Estados Unidos, Índia e outros países devem exigir a divulgação da investigação da ONU”, afirmou Mittal. Com o informe do OI “só pretendemos recordar ao governo que há pessoas, comunidades, centenas de milhares de famílias, que esperam justiça”, acrescentou.

O número de mortos nas últimas fases da guerra continua sendo muito discutido, tanto no Sri Lanka como pela comunidade internacional. Os dados da ONU indicam que morreram 40 mil pessoas, mas para o governo anterior não passavam de oito mil mortes. Um novo livro escrito pelo centro de investigação Professores Universitários pelos Direitos Humanos afirma que o número real poderia girar em torno dos cem mil mortos. Essa é uma das muitas questões que um processo justo de reconciliação poderia responder. Envolverde/IPS