Internacional

Milhões passam fome e são refugiados no Sudão do Sul

Refugiados cavam em busca de água em um poço seco no acampamento de Jamam, no Sudão do Sul. As organizações humanitárias indicam que há 7,8 milhões de pessoas passando fome ou correndo esse risco. Foto: Jared Ferrie/IPS
Refugiados cavam em busca de água em um poço seco no acampamento de Jamam, no Sudão do Sul. As organizações humanitárias indicam que há 7,8 milhões de pessoas passando fome ou correndo esse risco. Foto: Jared Ferrie/IPS

Por Ann Kathrin Pohlers, da IPS – 

Munique, Alemanha, 1/6/2015 – Milhões de pessoas sofrem fome e estão em condição de refugiadas, devido ao conflito armado entre o governo e forças opositoras do Sudão do Sul, que começou no final de 2013 e não demonstra que vai acabar. Enquanto continuam os combates, a queima, destruição e saque generalizados complicam os esforços das duas partes para conquistar o controle dos poços de petróleo do norte do país.

“O Sudão do Sul está travado em um horrendo ciclo de conflito e abusos e não há absolutamente nenhum tipo de justiça para nenhum desses horrendos abusos”, afirmou Skye Wheeler, pesquisadora da organização Human Rights Watch (HRW) para o Sudão e o Sudão do Sul, radicada em Nairóbi, no Quênia.

Até agora, dez mil pessoas morreram e dois milhões abandonaram suas casas em razão do conflito. As organizações humanitárias qualificam a situação de grave crise humanitária.

O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) denunciou a violência brutal praticada nas últimas semanas contra crianças e civis em geral, que inclui a queima de povoados inteiros e a violação e o assassinato de mulheres e crianças de até sete anos. Os Estados de Unity e Jonglei são os mais afetados. Não está claro quem é responsável pela violência e destruição de propriedades.

Calcula-se que as duas forças em conflito recrutaram em conjunto aproximadamente 13 mil menores de 15 anos, em um ato que constitui crime de guerra, não só no Sudão do Sul, como também para o direito internacional. Outra preocupação é o deslocamento da população civil e a destruição dos cultivos agrícolas.

“As pessoas deveriam estar plantando nesse momento, mas estão fugindo”, afirmou Pawel Krzysiek, do Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICR) em Juba, capital do Sudão do Sul. Agora que a temporada de chuvas se aproxima, as comunidades agrícolas do Estado de Unity precisam plantar para garantir uma boa colheita, algo impossível devido aos combates. Muitos não têm outra solução que não seja depender da ajuda alimentar.

Segundo a organização humanitária Oxfam, dois terços da população sofrem insegurança alimentar e 7,8% estão nas “fases 2, 3 e 4 de insegurança alimentar”, próximas da fome generalizada. A previsão é de que o número de pessoas que passam fome suba para 4,6 milhões até o final de julho, o que representa 40% da população. A Oxfam calcula que 800 mil pessoas sofram “níveis de emergência de fome, com escassez extrema e perigosa de alimentos”.

Um comunicado divulgado no dia 27, pela Oxfam alerta que esta última análise “foi feita antes da recente escalada bélica, por isso espera-se que, para milhares de pessoas no Sudão do Sul, o panorama seja pior agora.

A população infantil sofre uma desnutrição de “nível crítico” em 80% dos condados dos Estados de Alto Nilo, Warrap e Bahr El Ghazal. A dependência da ajuda alimentar aumentará na medida em que piorar o deslocamento de população. O acesso aos mais necessitados é cada vez mais difícil, segundo os trabalhadores de ajuda humanitária.

“O CICR fornece alimentos e medicamentos para cerca de 120 mil pessoas. Muitas são refugiadas em razão dos combates”, explicou Krzysiek. Mais de dois milhões de pessoas estão na condição de refugiadas e aproximadamente 500 mil estão completamente isoladas dos serviços.

O conflito armado não afeta apenas a população civil, mas também limita as opções e a capacidade de trabalho de várias organizações humanitárias. Krzysiek afirmou que instalações médicas nos Estados de Unity e Jonglei foram atacadas e destruídas intencionalmente, e as organizações de ajuda tiveram que evacuar o pessoal para garantir sua segurança. O CICR teve que mudar sua base da cidade de Kodok para Oriny, o que prejudicou a população civil.

“O hospital de Kodok é o único em sua região e, portanto, muito importante. Agora as pessoas têm um acesso ainda mais limitado aos serviços sanitários e aos alimentos, devido à insuficiente infraestrutura do país”, explicou à IPS Jean Yves Clemenzo, desde a sede do CICR em Genebra, na Suíça.

A possibilidade de as organizações humanitárias suspenderem suas operações seria um desastre para aproximadamente metade dos 12 milhões de habitantes do Sudão do Sul que dependem quase completamente da entrega de suprimentos de ajuda. O Unicef calcula que quando terminar o ano terá entregue ajuda para atender as necessidades humanitárias das meninas e dos meninos do país no valor de US$ 165 milhões.

A HRW se preocupa com o agravamento do conflito. Nos dois últimos meses, foram documentados dezenas de casos de prisões arbitrárias, golpes ou torturas sofridas por civis por parte de forças não identificadas. “Parece que estamos vendo uma repetição do final de 2013, quando as forças do governo passaram por essas regiões queimando, saqueando e destruindo”, pontuou Wheeler.

O Sudão do Sul ficou independente em 2011, terminando com 20 anos de guerra independentista que fez 2,5 milhões de vítimas. Mas a paz durou pouco. Em dezembro de 2012, uma luta pelo poder entre o presidente, Salva Kiir Mayardit, e seu então vice-presidente, Riek Machar, se intensificou quando este foi acusado de tentar derrubar o mandatário. A guerra começou novamente em 15 de dezembro de 2013, e desde então a violência não deixa de açoitar o país mais novo do mundo.

Em março deste ano, fracassaram as negociações de paz patrocinadas pela Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento, realizada em Adis Abeba, capital da Etiópia. Em resposta, o Conselho de Segurança impôs sanções ao país, em uma resolução que ameaçava proibir as viagens e congelar os ativos de pessoas ou entidades que fossem “responsáveis, cúmplices ou que participassem direta ou indiretamente de ações ou políticas que ameaçam a paz, a segurança ou a estabilidade do Sudão do Sul”. Envolverde/IPS