por Edgardo Ayala, da IPS –
São Salvador, El Salvador, 14/11/2016 – Organizações ambientalistas não baixam a guarda em sua luta contra as operações da corporação mineradora transnacional OceanaGold, que acaba de perder um processo contra El Salvador, mas que não dá sinais de renunciar à atividade extrativista nesse país da América Central.
“A ameaça ainda não desapareceu, eles continuam seus esforços para confundir as pessoas sobre as supostas vantagens da mineração”, alertou à IPS Vidalina Morales, da Associação de Desenvolvimento Econômico e Social Santa Marta, uma das 11 organizações que formam a Mesa Nacional Contra a Mineração. “Estão se aferrando ao trabalho com as pessoas da área”, disse a ativista, que encabeça a luta em El Salvador para que a atividade mineradora seja proibida legalmente no país, depois que foi paralisada, em 2008, a outorga de novas concessões.
No dia 14 de outubro, o Centro Internacional de Acordo de Diferenças Relativas a Investimentos (Ciadi) que opera dentro do Banco Mundial, decidiu a favor de El Salvador no processo no valor de US$ 250 milhões, que em 2009 foi interposto pela mineradora Pacific Rim, adquirida em 2013 pela corporação australiana-canadense OceanaGold.
Após vários anos de atividades exploratórias, o governo do então presidente Elías Antonio Saca, da direitista Aliança Republicana Nacionalista (Arena), em 2008 negou à companhia permissão para explorar a mina El Dorado, localizada nas proximidades do município de San Isidro, no departamento de Cabañas. Os governos seguintes, desde 2009 encabeçados pela esquerdista Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN), mantiveram a medida.
“Nosso medo é que a empresa esteja esperando as condições que lhe permitam seguir com sua atividade”, apontou Morales, durante uma viagem a São Salvador, desde a localidade de Santa Marta para se encontrar com outros membros da Mesa. Essa comunidade de 3.500 famílias, situada nas montanhas do departamento de Cabañas, está na vanguarda da luta contra a indústria da mineração desde 2004.
A companhia “não renunciou e nunca renunciará ao seu interesse de seguir com as operações, veem o lucro que há por trás”, afirmou à IPS o diretor executivo da Associação para o Desenvolvimento de El Salvador, Bernardo Belloso
Já em 2008, o estudo O Lado Escuro do Ouro alertava para os impactos ambientais e sociais causados pela mineração no país. O documento revelava que, desde 2006, tinham sido aprovados 29 projetos exploratórios de 11 companhias estrangeiras, que projetavam extrair no total cerca de 12 milhões de onças de ouro e 78 de prata. Para isso utilizariam aproximadamente 22 milhões de litros de água, e aplicariam cerca de 950 toneladas de cianureto, produto tóxico mortal. Se esses planos tivessem prosperado, teriam gerado ganhos globais no valor de US$ 10 bilhões.
“El Salvador é um país com graves problemas ambientais, com estresse hídrico, e a atividade mineradora e o uso desmedido de água acabariam afetando a todos nós”, explicou Belloso.
Esta pequena nação de 6,6 milhões de habitantes é a segunda mais desmatada da América Latina, com apenas 13% de cobertura florestal, e a segunda mais deteriorada ambientalmente, de acordo com vários relatórios internacionais. A mineração funcionaria como “um tiro de misericórdia” nessa crise ambiental, opinou Omar Serrano, vice-reitor acadêmico da Universidade Centro-Americana José Simeón Cañas, parte do Coletivo Socioambiental Cuidemos da Casa de Todos.
Serrano apontou que a preocupação é que a companhia, em lugar de se retirar após a resolução adversa do Ciadi, se mostre ainda mais ativa e agressiva em sua campanha para gerar um ambiente favorável para suas atividades em Cabañas, mediante a Fundação El Dorado. Está arregimentando funcionários governamentais, prefeitos e outras autoridades, assegurou o acadêmico à IPS, destacando que a OceanaGold “não vai embora porque não perdeu a esperança de conseguir as permissões”.
As organizações do Coletivo também veem pouca disposição da empresa em pagar a El Salvador os US$ 8 milhões de custos processuais, impostos pelo tribunal de arbitragem do Ciadi ao não aceitar sua demanda. Depois da sentença, a empresa divulgou um comunicado declarando que avaliaria qual caminho seguir em relação às suas operações em El Salvador, o que foi interpretado como uma tentativa de recorrer a algum tipo de apelação.
O Coletivo pediu que as autoridades salvadorenhas suspendam as atividades da Fundação El Dorado, o braço social no país da OceanGold, pois não tem sentido continuar ativa se a corporação já não desenvolve atividade no país. Executivos da fundação não atenderam um pedido da IPS para se pronunciarem a respeito. A organização também pediu ao procurador-geral que garanta o pagamento dos US$ 8 milhões com o confisco de bens da empresa, e que os deputados iniciem o debate de uma lei que acabe em definitivo com a mineração no país.
A Mesa Nacional Contra a Mineração propôs um projeto de lei nesse sentido, mas o texto ainda não foi acolhido pelos deputados. Hoje é o momento propício para iniciar o debate de uma norma que proíba a mineração”, pontuou Serrano. Porém, a correlação de forças na unicameral Assembleia Legislativa, de 84 deputados, não é favorável à iniciativa. Só os representantes do governo se mostraram dispostos a debater o projeto de proibição da mineração, mas o grupo conta com apenas 31 legisladores, dos 43 necessários.
Essa correlação poderia mudar nas eleições para prefeitos e deputados previstas para 2018, embora o resultado também possa ser desfavorável. Quatro municípios do país realizaram – impulsionados pelo movimento antimineração – consultas populares sobre a conveniência ou não da presença dessa atividade em suas jurisdições, e a grande maioria dos eleitores se manifestou contrária.
Fruto dessas consultas, foram aprovadas normas municipais proibindo a atividade extrativista, mas elas têm pouco efeito na prática, porque esses instrumentos legais não podem se sobrepor à Constituição e às leis nacionais. A Lei de Minas e Hidrocarbonos, vigente desde 1999, regula esse setor sem proibi-lo.
Os entrevistados disseram que, apesar das normas não terem força jurídica para deter projetos de mineração, seu objetivo é que as comunidades participem e façam seus esforços para preservação de seus meios de vida e para deter a mineração em El Salvador.
Em todo caso, o atual presidente do país, Salvador Sánchez Cerén, assegurou, ao chegar ao poder em 2014, que “a mineração é inviável em El Salvador”. Por isso, espera-se que pelo menos durante seu mandato de cinco anos não seja reiniciada a entrega de concessões para extrair metais no país.
Atualmente, a mineração contribui com menos de 1% para o produto interno bruto salvadorenho, que se nutre principalmente da atividade agropecuária, das empresas maquiadoras (produção de terceiros para exportação, com insumos importados), remessas de emigrantes e serviços. Envolverde/IPS