Internacional

Mineradora perde batalha e luta continua

Em El Salvador, ativistas contra mineradora participam, em setembro de 2014, de uma concentração nos arredores da Torre Futura, que abriga os escritórios do Banco Mundial em São Salvador, pedindo que o Ciadi rejeite a demanda da OceanaGold contra o país, o que aconteceu em outubro. Foto: Alfredo Carías/IPS
Em El Salvador, ativistas contra mineradora participam, em setembro de 2014, de uma concentração nos arredores da Torre Futura, que abriga os escritórios do Banco Mundial em São Salvador, pedindo que o Ciadi rejeite a demanda da OceanaGold contra o país, o que aconteceu em outubro. Foto: Alfredo Carías/IPS

por Edgardo Ayala, da IPS –

São Salvador, El Salvador, 14/11/2016 – Organizações ambientalistas não baixam a guarda em sua luta contra as operações da corporação mineradora transnacional OceanaGold, que acaba de perder um processo contra El Salvador, mas que não dá sinais de renunciar à atividade extrativista nesse país da América Central.

“A ameaça ainda não desapareceu, eles continuam seus esforços para confundir as pessoas sobre as supostas vantagens da mineração”, alertou à IPS Vidalina Morales, da Associação de Desenvolvimento Econômico e Social Santa Marta, uma das 11 organizações que formam a Mesa Nacional Contra a Mineração. “Estão se aferrando ao trabalho com as pessoas da área”, disse a ativista, que encabeça a luta em El Salvador para que a atividade mineradora seja proibida legalmente no país, depois que foi paralisada, em 2008, a outorga de novas concessões.

No dia 14 de outubro, o Centro Internacional de Acordo de Diferenças Relativas a Investimentos (Ciadi) que opera dentro do Banco Mundial, decidiu a favor de El Salvador no processo no valor de US$ 250 milhões, que em 2009 foi interposto pela mineradora Pacific Rim, adquirida em 2013 pela corporação australiana-canadense OceanaGold.

Após vários anos de atividades exploratórias, o governo do então presidente Elías Antonio Saca, da direitista Aliança Republicana Nacionalista (Arena), em 2008 negou à companhia permissão para explorar a mina El Dorado, localizada nas proximidades do município de San Isidro, no departamento de Cabañas. Os governos seguintes, desde 2009 encabeçados pela esquerdista Frente Farabundo Martí para a Libertação Nacional (FMLN), mantiveram a medida.

“Nosso medo é que a empresa esteja esperando as condições que lhe permitam seguir com sua atividade”, apontou Morales, durante uma viagem a São Salvador, desde a localidade de Santa Marta para se encontrar com outros membros da Mesa. Essa comunidade de 3.500 famílias, situada nas montanhas do departamento de Cabañas, está na vanguarda da luta contra a indústria da mineração desde 2004.

A companhia “não renunciou e nunca renunciará ao seu interesse de seguir com as operações, veem o lucro que há por trás”, afirmou à IPS o diretor executivo da Associação para o Desenvolvimento de El Salvador, Bernardo Belloso

Já em 2008, o estudo O Lado Escuro do Ouro alertava para os impactos ambientais e sociais causados pela mineração no país. O documento revelava que, desde 2006, tinham sido aprovados 29 projetos exploratórios de 11 companhias estrangeiras, que projetavam extrair no total cerca de 12 milhões de onças de ouro e 78 de prata. Para isso utilizariam aproximadamente 22 milhões de litros de água, e aplicariam cerca de 950 toneladas de cianureto, produto tóxico mortal. Se esses planos tivessem prosperado, teriam gerado ganhos globais no valor de US$ 10 bilhões.

“El Salvador é um país com graves problemas ambientais, com estresse hídrico, e a atividade mineradora e o uso desmedido de água acabariam afetando a todos nós”, explicou Belloso.

O “não à mineração” aglutina muitas comunidades rurais que seriam afetadas pela atividade e cujos moradores, em várias ocasiões, marcharam pela capital de El Salvador pedindo uma lei que proíba a mineração no país. Foto: Mesa Nacional Contra a Mineração
O “não à mineração” aglutina muitas comunidades rurais que seriam afetadas pela atividade e cujos moradores, em várias ocasiões, marcharam pela capital de El Salvador pedindo uma lei que proíba a mineração no país. Foto: Mesa Nacional Contra a Mineração

Esta pequena nação de 6,6 milhões de habitantes é a segunda mais desmatada da América Latina, com apenas 13% de cobertura florestal, e a segunda mais deteriorada ambientalmente, de acordo com vários relatórios internacionais. A mineração funcionaria como “um tiro de misericórdia” nessa crise ambiental, opinou Omar Serrano, vice-reitor acadêmico da Universidade Centro-Americana José Simeón Cañas, parte do Coletivo Socioambiental Cuidemos da Casa de Todos.

Serrano apontou que a preocupação é que a companhia, em lugar de se retirar após a resolução adversa do Ciadi, se mostre ainda mais ativa e agressiva em sua campanha para gerar um ambiente favorável para suas atividades em Cabañas, mediante a Fundação El Dorado. Está arregimentando funcionários governamentais, prefeitos e outras autoridades, assegurou o acadêmico à IPS, destacando que a OceanaGold “não vai embora porque não perdeu a esperança de conseguir as permissões”.

As organizações do Coletivo também veem pouca disposição da empresa em pagar a El Salvador os US$ 8 milhões de custos processuais, impostos pelo tribunal de arbitragem do Ciadi ao não aceitar sua demanda. Depois da sentença, a empresa divulgou um comunicado declarando que avaliaria qual caminho seguir em relação às suas operações em El Salvador, o que foi interpretado como uma tentativa de recorrer a algum tipo de apelação.

Os trabalhos de exploração das mineradoras, uma parte importante delas estrangeira, causaram danos em diferentes regiões de El Salvador, a segunda nação mais desmatada da América Latina e com graves problemas hídricos. Foto: Mesa Nacional Contra a Mineração
Os trabalhos de exploração das mineradoras, uma parte importante delas estrangeira, causaram danos em diferentes regiões de El Salvador, a segunda nação mais desmatada da América Latina e com graves problemas hídricos. Foto: Mesa Nacional Contra a Mineração

O Coletivo pediu que as autoridades salvadorenhas suspendam as atividades da Fundação El Dorado, o braço social no país da OceanGold, pois não tem sentido continuar ativa se a corporação já não desenvolve atividade no país. Executivos da fundação não atenderam um pedido da IPS para se pronunciarem a respeito. A organização também pediu ao procurador-geral que garanta o pagamento dos US$ 8 milhões com o confisco de bens da empresa, e que os deputados iniciem o debate de uma lei que acabe em definitivo com a mineração no país.

A Mesa Nacional Contra a Mineração propôs um projeto de lei nesse sentido, mas o texto ainda não foi acolhido pelos deputados. Hoje é o momento propício para iniciar o debate de uma norma que proíba a mineração”, pontuou Serrano. Porém, a correlação de forças na unicameral Assembleia Legislativa, de 84 deputados, não é favorável à iniciativa. Só os representantes do governo se mostraram dispostos a debater o projeto de proibição da mineração, mas o grupo conta com apenas 31 legisladores, dos 43 necessários.

Essa correlação poderia mudar nas eleições para prefeitos e deputados previstas para 2018, embora o resultado também possa ser desfavorável. Quatro municípios do país realizaram – impulsionados pelo movimento antimineração – consultas populares sobre a conveniência ou não da presença dessa atividade em suas jurisdições, e a grande maioria dos eleitores se manifestou contrária.

Fruto dessas consultas, foram aprovadas normas municipais proibindo a atividade extrativista, mas elas têm pouco efeito na prática, porque esses instrumentos legais não podem se sobrepor à Constituição e às leis nacionais. A Lei de Minas e Hidrocarbonos, vigente desde 1999, regula esse setor sem proibi-lo.

Os entrevistados disseram que, apesar das normas não terem força jurídica para deter projetos de mineração, seu objetivo é que as comunidades participem e façam seus esforços para preservação de seus meios de vida e para deter a mineração em El Salvador.

Em todo caso, o atual presidente do país, Salvador Sánchez Cerén, assegurou, ao chegar ao poder em 2014, que “a mineração é inviável em El Salvador”. Por isso, espera-se que pelo menos durante seu mandato de cinco anos não seja reiniciada a entrega de concessões para extrair metais no país.

Atualmente, a mineração contribui com menos de 1% para o produto interno bruto salvadorenho, que se nutre principalmente da atividade agropecuária, das empresas maquiadoras (produção de terceiros para exportação, com insumos importados), remessas de emigrantes e serviços. Envolverde/IPS