Por Emilio Godoy, da IPS –
Cidade do México, México, 13/10/2015 – “Os Estados latino-americanos não assumiram os acordos internacionais nem permitiram aos povos indígenas acesso a eles. Tampouco socializaram seus conteúdos”, para ajudar a cobrar seu cumprimento, lamentou a guatemalteca Ángela Suc.
O questionamento desta líder indígena é um alerta sobre os compromissos estabelecidos durante a Segunda Reunião da Conferência Regional sobre População e Desenvolvimento da América Latina e do Caribe, realizada na Cidade do México, entre os dias 6 e 9 deste mês, organizada pela Comissão Econômica da América Latina e do Caribe (Cepal) e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA).
“Temos necessidade de terra, território, acesso a saúde e educação, que tenham um enfoque de pertinência cultural, apegadas às nossas tradições e aos nossos conhecimentos, e em nosso idioma”, destacou Suc à IPS. Esta integrante do povo pocomchí e membro da delegação da Guatemala na reunião, destacou que a população indígena também experimenta fenômenos demográficos como migração e envelhecimento, compartilhados com os segmentos não indígenas da região.
As vicissitudes dos povos originários e afrodescendentes protagonizaram parte dos debates da Conferência, que seguiu à celebrada em Montevidéu em agosto de 2013, e que contou com um fórum paralelo das organizações sociais. Esse debate se justifica a partir dos flagelos que continuam afetando essas coletividades, como pobreza, discriminação, falta de oportunidades, mortalidade materna e infantil.
Na região vivem mais de 45 milhões de indígenas, de uma população total de aproximadamente 600 milhões, repartidos em mais de 800 povos originários, segundo o informe Os Povos Indígenas na América Latina. Avanços na Última Década e Desafios Pendentes Para a Garantia de Seus Direitos, preparado pela Cepal.
O Brasil encabeça a lista com 305 grupos, seguido por Colômbia (102), Peru (85) e México (78). No outro extremo estão Costa Rica e Panamá (9), El Salvador (3) e Uruguai (2). Entre os países com maior quantidade de habitantes de povos nativos, o México é líder com aproximadamente 17 milhões, seguido de Peru com 7,21 milhões, Bolívia 6,22 milhões, e Guatemala, 5,88 milhões.
A Cepal constata a fragilidade demográfica de muitos povos indígenas, que estão em perigo de desaparecimento físico ou cultural, como se pode observar no Brasil, Peru, Bolívia e Colômbia. A isso se somam deslocamentos forçados, escassez de alimentos, contaminação das águas, degradação dos solos, desnutrição e elevada mortalidade.
A fecundidade tende à baixa na região, com médias de 2,4 filhos por mulher indígena no Uruguai, 4 na Nicarágua e Venezuela, e 5 na Guatemala e no Panamá. Além disso, a mortalidade infantil indígena continua sendo maior do que a não indígena. As maiores desigualdades são encontradas no Panamá, Peru e Bolívia, nessa ordem. Paralelamente, a desnutrição campeia na Guatemala, Equador, Bolívia e Nicarágua.
O informe da Cepal destaca que a infância indígena cresce em pobreza material e que persiste a violência contra a infância e as mulheres de povos nativos. Dos 12,8 milhões de crianças indígenas que vivem na região, o México conta com 2,73 milhões, a Guatemala com 2,43 milhões e a Bolívia com 2,24 milhões.
“Nossas demandas foram apresentadas em diferentes plataformas internacionais e continuam sendo válidas”, ressaltou à IPS a nicaraguense Dorotea Wilson, coordenadora-geral da Associação Rede de Mulheres Afro-Latino-Americanas, Afro-Caribenhas e da Diáspora. “Vamos monitorar, observar e dar seguimento para que os Estados assumam esses compromisso e os cumpram”, afirmou esta líder que também participou da conferência regional. Dorotea acrescentou que o cumprimento das medidas a favor das minorias exige vontade política, além de acordos entre os Estados e a sociedade civil e orçamentos específicos.
Na região vivem mais de 120 milhões de afrodescendentes, dos quais 97 milhões no Brasil, 1 milhão no Equador e 800 mil na Nicarágua, segundo dados dos censos nacionais que incluíram perguntas específicas a respeito. Sabe-se, por exemplo, que a Colômbia tem um grupo importante de afrodescendentes, mas não há estatísticas específicas.
O informe Juventude Afrodescendente na América Latina: Realidades Diversas e Direitos (Des)cumpridos, elaborado pela Cepal em 2011, mostra que a maternidade precoce entre as jovens afrodescendentes era mais elevada do que entre as demais jovens, especialmente na Colômbia, Equador, Guatemala, Nicarágua e Panamá. Um dos problemas evidenciados na Conferência é a falta de estatísticas demográficas sobre a população afrodescendente da região.
No Consenso de Montevidéu sobre População e Desenvolvimento, com o qual concluiu a primeira conferência, os Estados se comprometeram a considerar as dinâmicas demográficas particulares dos povos indígenas no desenho das políticas públicas, garantir seu direito à saúde, incluídos os direitos sexuais e reprodutivos, bem como seus próprios medicamentos tradicionais e suas práticas de saúde.
Além disso, acordaram adotar as medidas necessárias para garantir que mulheres, crianças, adolescentes e jovens indígenas gozem de proteção e garantias plenas contra todas as formas de violência e discriminação. Quanto aos afrodescendentes, assumiram abordar as desigualdades de gênero, raça, etnia e geracional, garantir seu exercício do direito à saúde, em particular à saúde sexual e reprodutiva, e promover o desenvolvimento dessa população, bem como garantir as políticas e os programas para a elevação das condições de vida das mulheres.
A plenária da Segunda Conferência aprovou o Guia Operacional para a Implantação e o Acompanhamento do Consenso de Montevidéu sobre População e Desenvolvimento, que inclui 14 disposições para os povos indígenas e afrodescendentes. Sua aprovação foi dificultada pela reclamação das delegações caribenhas por não terem recebido o Guia com antecedência, o que foi resolvido somente na madrugada da jornada de encerramento.
“Na medida em que ocorrer a participação plena dos povos indígenas, o Guia será cumprido. É um desafio para o Estado”, afirmou Suc. O processo pode ser um motor para o avanço da Década Internacional dos Afrodescendentes 2015-2024, estabelecida pela Organização das Nações Unidas (ONU). “O Guia pode ser melhorado. Podemos incidir no acompanhamento. Mas é um desafio”, pontuou Dorotea Wilson.
A Declaração Política do Fórum Social, paralelo à conferência oficial, com participação de organizações sociais da região, destacou que cada indicador do Guia deverá ser discriminado por idade, sexo, gênero, raça e etnia. Mas também critica que, dois anos depois da aprovação do Consenso de Montevidéu, a agenda “ambiciosa e inovadora ainda não tenha sido traduzida em avanços substanciais, e que, inclusive, em alguns países há retrocesso”, como violência de gênero, crimes de ódio, mortalidade materna, aumento da gravidez de adolescentes e discriminação de amplos setores. Envolverde/IPS