Por Arlene Chang, da IPS –
Nova York, Estados Unidos, 7/10/2015 – A resposta da comunidade internacional ficou curta diante do deslocamento mundial de 60 milhões de migrantes e refugiados, obrigados a abandonar suas casas e seus países devido à perseguição, aos conflitos armados e à fome. A crise de refugiados foi alimentada pelos conflitos em curso no Afeganistão, Eritréia, Iraque, Líbia, Nigéria, Síria, Ucrânia e Iêmen, pelos 40 anos de guerra na Somália e pelas lutas étnicas e religiosas na República Centro-Africana.
Esses enormes e transitórios deslocamentos humanos são um desafio que alguns políticos enfrentaram e outros passaram por alto, o que agrava a crise. Alguns países da Europa central e oriental inclusive chegaram a dizer que “receberemos todos, desde que sejam cristãos”.
“Os refugiados, em virtude da Convenção de 1951, têm direitos específicos. Mas agora a descrição mais usada é a de migrantes econômicos”, afirmou Peter Sutherland, representante especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Migração e Desenvolvimento, no dia 30 de setembro. Muitos migrantes fogem por razões de inanição, catástrofe econômica ou colapso do sistema de alimentação, acrescentou. “Não temos uma expressão menos forte de onde estamos moralmente em função de nossos valores, em lugar de dizer, vamos enviá-los para casa?”, questionou.
O diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM), William L. Swing, concorda. “Existe um sentimento anti-migrante maior do que em qualquer outro momento que se recorde, e é muito generalizado e crescente. Também estamos em um período no qual há um vazio de liderança, de coragem política. Existe uma grave erosão da autoridade moral internacional”, afirmou.
Sutherland recordou aos países hostis que a crise migratória do Mediterrâneo é uma responsabilidade internacional. “Aconteceu antes… Paradoxalmente… em 1956, na Hungria, quando 200 mil pessoas foram recebidas em pouquíssimo tempo”, afirmou. Swing e Sutherland falaram para um público presente na conferência Uma Resposta Mundial para a Crise de Migração do Mediterrâneo, organizada pela organização independente Conselho de Relações Exteriores (CFR), em sua sede de Nova York.
Segundo o último plano previsto para a crise, a União Europeia (UE) receberia somente 120 mil migrantes, bem menos do que a quantidade de pessoas que buscam asilo. Croácia e Hungria constroem barreiras para impedir a passagem dos refugiados, o que demonstra a divisão existente na UE sobre como responder à crise humanitária. A situação ameaça “debilitar a tradição de fronteiras abertas e livre circulação de pessoas na Europa”, alertou Edward Alden, do CRF.
A Hungria, uma porta de entrada para muitos dos países europeus prósperos, fechou sua fronteira com a Sérvia no dia 15 de setembro, na tentativa de impedir a entrada dos refugiados. Isto levou o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, a expressar sua preocupação pelo manejo da crise em uma reunião que manteve com o presidente húngaro, Janos Ader, no dia 26 do mesmo mês.
“Por que Grécia e Itália devem levar essa enorme carga, por serem onde os migrantes e refugiados tocam a terra? Há algum tipo de nova moral internacional que define que a proximidade gera responsabilidade?”, questionou Sutherland. “Por que a Turquia deve ter 1,7 milhão de refugiados? Ou por que o Líbano tem um quarto da totalidade de sua população? Ou a Jordânia? Por que deveriam carregar todo o peso?”, acrescentou.
Apesar de haver 60 milhões de migrantes em movimento, a ONU não viu os governos aportarem mais fundos destinados a amenizar a crise. Isto levou o secretário-geral a refletir sobre o péssimo estado da empatia no mundo. Em sua intervenção, na sessão inaugural do debate de alto nível da Assembleia Geral, no dia 28 de setembro, Ban afirmou aos delegados que cem milhões de pessoas necessitam de assistência humanitária imediata, e que pelo menos 60 milhões foram obrigados a fugir de suas casas ou seus países.
Mas os fundos que a ONU recebeu este ano são muito inferiores aos US$ 20 bilhões que necessita para cumprir suas operações. Esse valor é seis vezes superior à quantidade necessária há dez anos. “Não estamos recebendo suficiente dinheiro para salvar suficientes vidas. Temos cerca de metade do que precisamos para ajudar as pessoas no Iraque, Sudão do Sul e Iêmen, e apenas um terço para a Síria”, afirmou o secretário-geral.
No Iêmen, há 21 milhões de pessoas – 80% da população – que precisam de ajuda humanitária, e o plano de resposta da ONU para a Ucrânia só recebeu 39% dos fundos necessários. O pedido de fundos para Gâmbia, onde uma em cada quatro crianças sofre desnutrição crônica, foi respondido com silêncio. Para Swing e Sutherland, apenas a reforma das políticas de migração internacional ajudará a reverter a situação.
“A Europa deve definir imediatamente novas políticas que devem permitir, por exemplo, vistos humanitários. Também os Estados Unidos devem fazê-lo. Vistos humanitários, vistos de reunificação familiar, vistos de curto prazo. Há muitas maneiras de facilitar a resposta diante de acontecimentos terríveis”, segundo Sutherland.
“A terrível fotografia do corpo” do menino sírio Aylan Kurdi, afogado em uma praia grega no dia 2 de setembro, “fez com que, em questão de dias, aumentasse o número de pessoas que alguns países acordaram receber como refugiados. Uma foto fez isso. São idiotas? Não sabem que todos os anos morrem três mil pessoas, como acontece há anos, e que muitas delas são crianças e mulheres? Isto deveria ter provocado a resposta política, e não a horrenda fotografia de um cadáver na praia”, acrescentou.
Swing defendeu políticas migratórias que sejam mais desejáveis e uma mudança no “tóxico, venenoso” discurso público sobre a migração. “A maioria de nossos prêmios Nobel não nasceu nos Estados Unidos. De todos os pedidos de patentes, 40% provêm de pessoas que não nasceram neste país. Temos que voltar a um discurso histórico correto”, enfatizou o diretor da OIM.
Swing propôs uma política com “vistos de entrada múltipla, dupla nacionalidade, prestações de assistência social portáteis… todo tipo de coisas”. Para Sutherland, “o problema é o sistema de valores fundamentais no qual acreditamos. Temos que criar países que valorizem as vidas por igual”. Envolverde/IPS