por Baher Kamal, da IPS –
Roma, Itália, 4/11/2016 – Os refugiados e solicitantes são seres humanos desesperados que fogem de guerras, diferentes tipos de violência, escravidão e da própria morte, não são números nem estatísticas, ouvem e acreditam nos discursos pomposos sobre democracia e direitos humanos e veem os cartões postais que mostram a boa vida que se tem na Europa.
O desespero é tão grande que é quase natural confiar nas promessas feitas pelos traficantes de pessoas. Afinal são eles que os atraem à “terra prometida”. Para fugir vendem o que podem de seus modestos pertences, inclusive suas terras, e pedem dinheiro emprestado a familiares para pagar em dinheiro a travessia para o estrangeiro.
Mas muitas morrem na tentativa. O número de mortos no Mar Mediterrâneo este ano alcançou seu máximo histórico. Faltando dois meses para o fim de 2016, e apesar da significativa redução do número de pessoas que fogem dos conflitos, o número dos que morrem cruzando o Mediterrâneo triplicou este ano, e em uma rota em particular aumentou cinco vezes, informou o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
“De uma morte em cada 269 pessoas que no ano passado chegaram à Europa, a probabilidade de morrer disparou para uma em cada 88 em 2016”, afirmou William Spindler, porta-voz do Acnur, no dia 25 de outubro. Segundo Spindler, “na rota entre Líbia e Itália, a probabilidade de morrer é ainda maior, de uma pessoa em 47 que chegam”. A proporção nessa rota aumentou mais de 5,7 vezes. “É a pior que já registramos”, ressaltou.
Pelo menos 3.740 pessoas desapareceram entre janeiro e outubro deste ano, pouco abaixo dos 3.771 desaparecidos em todo ano passado, segundo o Acnur. A enorme perda de vidas humanas ocorre apesar de em 2016 ter diminuído o número de pessoas que cruzaram o Mediterrâneo rumo à Europa. Em 2014, pouco mais de um milhão fizeram esse trajeto, enquanto neste ano já foram registradas 327.800 pessoas.
“Aproximadamente metade dos que cruzaram o Mediterrâneo em 2016 o fizeram do norte da África para a Itália, a rota mais perigosa”, destacou Spindler, ao explicar as causas do elevado número de vítimas. A situação também se explica porque os traficantes de pessoas usam botes infláveis de menor qualidade e frágeis que não suportam a travessia. Além disso, amontoam milhares de pessoas em uma única embarcação.
Há cinco anos, os traficantes de pessoas “compravam” barcos em desmanches na chamada costa da morte, no sudeste da África, os enchiam de pessoas, contratavam barcos de pesca industrial para arrastá-los até o nordeste do continente e os soltavam quando avistavam as patrulhas marinhas.
No último verão boreal soube-se que os traficantes distribuíam jalecos salva-vidas defeituosos de propósito para que se afogassem ao chegar à costa europeia, o que fez as organizações humanitárias e as autoridades costeiras se lançarem ao resgate. A tragédia é que o número de pessoas que morrem tentando chegar à Europa é maior do que o das que conseguem.
Menos de 300 mil refugiados e solicitantes chegaram à Europa, do começo deste ano até setembro, a maioria na Grécia e na Itália, segundo a última atualização da Organização Internacional das Migrações (OIM), do dia 13 de setembro. Dos 294.450 refugiados e solicitantes de asilo registrados, 126.931 chegaram à Itália e 165.015 à Grécia. No primeiro foi registrado ligeiro aumento em comparação com o período de janeiro até final de setembro de 2015, e no segundo uma queda de quase 50%, segundo o informe da OIM.
O Projeto Migrantes Desaparecidos, dessa agência, que registra o número de pessoas que desaparecem nas rotas migratórias, indica que morreram 2.751 no Mar Mediterrâneo no ano passado até 12 de setembro. É irônico que a OIM, que ajudou cerca de aproximadamente 20 milhões de pessoas em 2015, tenha sido fundada no fim da Segunda Guerra Mundial (1938-1945) para reassentar refugiados europeus.
No começo, e alegando sentimentos humanitários, a União Europeia (UE) “leiloou” solicitantes de asilo, que no final constituem mão de obra barata que paga seus impostos meticulosamente. Mas, pouco depois e por motivos eleitorais, decidiu “vendê-los” à Turquia, país que os europeus consideram de forma sistemática pouco seguro e onde não há garantias em matéria de direitos humanos, mas “de repente” o bloco decidiu que era seguro para refugiados e solicitantes de asilo.
Talvez uma das análises mais inquietantes seja a escrita pelo fundador da IPS, Roberto Savio, há um ano, Paris, os refugiados e a Europa. Nela afirma que, “no curto prazo, os europeus talvez percam os benefícios do acordo de Schengen: a livre circulação em território europeu. A França já restabeleceu os controles fronteiriços, assim como Suécia, Alemanha e Eslovênia. A Hungria construiu uma barreira para proteger sua fronteira com a Sérvia, e agora a Áustria faz o mesmo”.
“E se a Europa se tornar uma fortaleza e fechar suas fronteiras, milhares de refugiados permanecerão perdidos nos Bálcãs, exacerbando uma situação já difícil. A Europa oriental já deixou claro que resistirá às cotas da União Europeia. (…) Mas o plano da UE de reassentar 120 mil homens e mulheres só chegou a 327 pessoas em toda a Europa. O presidente do bloco, Jean-Claude Juncker, calculou que nesse timo a implantação do plano se estenderá até 2100”, escreveu Savio.
De fato, segundo o Acnur, “o número de solicitantes de asilo que se comprometem a receber continua sendo lamentavelmente baixo e sua implantação é lenta e complicada”. A agência pede que “os países europeus façam mais para cumprirem os compromissos assumidos”.
O Acnur informou, no dia 13 de setembro de 2015, que tanto a União Europeia como os países da Organização das Nações Unidas (ONU) acordaram um plano de dois anos para reassentar 160 mil solicitantes de asilo, principalmente da Grécia e da Itália, em outros países europeus. “Mas até agora só foram reassentados 4.776 solicitantes desses dois países, menos de 3% do objetivo original”, acrescentou.
E, enquanto refugiados e solicitantes de asilo seguem sonhando com uma vida melhor na Europa, ao mesmo tempo enchem os cofres dos traficantes de pessoas, já repletos com aproximadamente US$ 65 bilhões, a Europa continua falando de direitos humanos. Envolverde/IPS