Por Sipho Mthathi*
Pretoria, África do Sul, 20/10/2015 – A mudança climática está transformando o mundo que conhecemos e queremos. Nossas terras, moradias e alimentos estão em risco. Com cerca de um bilhão de pessoas vivendo na pobreza, é a maior ameaça para a luta contra a fome.
Os chefes de Estado e de governo se reunirão em Paris em dezembro para a 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC). Nessa oportunidade, quando será decidido um novo tratado climático, os representantes africanos terão que adotar uma postura audaciosa.
As comunidades de pastores e comunidades originárias da África são muito vulneráveis à mudança climática. Em dezembro, a África deverá permanecer unida e negociar para que os fundos para a adaptação sejam mais adequados, previsíveis e maiores do que os recebidos até agora.
Em toda a África já vemos as ameaças ao nosso fornecimento de alimentos, devido à menor fiabilidade dos padrões de chuva, ao aumento das temperaturas e maior número de fenômenos meteorológicos extremos. Milhões de africanos já vivem na pobreza extrema, e nosso futuro como continente depende de sua sobrevivência.
Uma dessas pessoas é Mary Matupi, uma agricultora do distrito de Rumphi, no norte do Malawi. Ela cultiva milho em um pequeno pedaço de terra, e normalmente colhe cerca de 80 sacas de 50 quilos cada. Porém, na última safra conseguiu apenas 15 sacas devido ao atraso nas chuvas. “Se não agirmos para deter a mudança climática, virão tempos mais difíceis e vamos sofrer”, afirmou.
As mulheres como Matupi são a maioria dos pequenos produtores africanos. São o rosto de 60% a 80% da mão de obra na produção de alimentos na África subsaariana. As chuvas irregulares prejudicam sensivelmente sua capacidade para manterem suas famílias e comunidades. Como milhões de outras pessoas, Matupi simplesmente tenta alimentar sua família, sua comunidade e, em última instância, seu país. Muitos lugares na África poderiam sofrer um aquecimento maior do que a média mundial.
Se as temperaturas subirem quatro graus Celsius no mundo, em alguns países africanos essa alta poderia chegar aos seis graus. Segundo o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), as mudanças na disponibilidade e temperatura da água terão um grande efeito na agricultura africana, já que 97% da produção se localiza em terreno seco e 60% da força de trabalho do continente atua no setor.
Como o nível do mar está subindo, muitos países africanos de baixa altitude correm o risco de perder suas terras cultiváveis. as perdas econômicas poderiam ser consideráveis nas zonas costeiras de Marrocos, Moçambique e Senegal.
De acordo com a CMNUCC, se o aquecimento superar os três graus em nível mundial, as áreas de cultivo de milho e de sorgo serão inviáveis em grande parte da África. Também podemos esperar fenômenos climáticos extremos mais frequentes e mais graves, com enormes custos socioeconômicos. Além disso, as condições climáticas extremas afetarão nossa dieta, e provavelmente causarão mais desnutrição e enfermidades, um fato que os governos não podem ignorar.
Portanto, os fundos para a tecnologia – novos cultivos resistentes à seca, novas técnicas de cultivo, sistemas de alerta, programas de armazenamento de sementes, etc. – que possa ajudar os agricultores africanos devem ser uma prioridade na agenda da reunião de Paris.
Kabugho Ruth, de Uganda, é um exemplo de como a tecnologia e os novos métodos ajudam os agricultores. A adoção de novos métodos de cultivo “fez maravilhas” para Ruth, segundo afirmou. Ao construir degraus para café e bananas em seu jardim, a agricultora conseguiu triplicar sua produção. Imaginem o que o financiamento pode fazer por outros pequenos agricultores de todo o continente.
Os agricultores africanos demonstram sua capacidade de resistência e seu compromisso com a ação climática e merecem nosso apoio. E não estão sozinhos. Em todo o continente, a Petição do Povo da África procura reunir um milhão de assinaturas antes da COP 21, para demonstrar o apoio africano à prioridade da luta contra a mudança climática.
Em todo o continente, organizações sociais se mobilizaram no Dia Mundial da Alimentação, celebrado no dia 16, como parte da campanha Mulheres, Alimentos, Clima, que destaca o papel das pequenas produtoras na provisão de alimentos, bem como sua luta contra os efeitos da mudança climática.
Agricultoras como Matupi e Ruth necessitam que seus governos façam sua parte na luta pelos fundos que possam ajudar a mitigar o impacto da mudança climática. Cálculos conservadores indicam que a África vai precisar de aproximadamente US$ 95 bilhões ao ano até 2050 para essa finalidade.
Os líderes africanos devem evitar o mesmo caminho de desenvolvimento destrutivo, guiado pelo lucro e com alto consumo em dióxido de carbono – que anteriormente os países ricos já seguiam –, que nos levou à crise atual. Para isso necessitamos de líderes visionários, que cheguem às negociações em Paris defendendo uma mudança global para o uso da energia renovável. E devem ser implacáveis em reclamar os fundos e a tecnologia necessária para enfrentar a mudança climática.
A agricultura em pequena escala proporciona a maior parte dos alimentos produzidos na África e é a fonte de emprego para 70% da força de trabalho.
Um acordo de financiamento para a adaptação climática alcançado na capital francesa poderia mudar para sempre a vida de agricultoras como Matupi e Ruth, e garantir que o continente possa alimentar a si mesmo. Não podemos ignorar esta oportunidade. Envolverde/IPS
* Sipho Mthathi é diretora-executiva da Oxfam África do Sul.