Por Ngala Killian Chimtom, da IPS –
Maroua, Camarões, 22/6/2015 – Quando Bienvienue Taguieke tinha 12 anos, seus pais acertaram seu casamento com um homem de 40 anos, mas uma associação de mulheres na região Extremo Norte de Camarões, onde o casamento infantil é generalizado, impediu a união, em um indício de como a população feminina começa a se colocar contra essa prática.
“Estudava em uma escola do governo em Guidimdaz, uma aldeia da área de Mokolo (na região Extremo Norte), quando um homem ofereceu cinco mil francos CFA (US$ 8,50) a minha mãe pela minha mão. Me neguei e avisei algumas pessoas, entre elas a diretora da minha escola”, contou à IPS Bienvienue, agora com 15 anos.
A jovem acredita que sua mãe considerou a oferta por razões econômicas. “Meu pai tinha morrido e não havia ninguém que pagasse a escola nem se preocupasse com a gente”, recordou. A diretora da escola Asta Djarmi, pediu à sua mãe que não a entregasse em casamento para um homem mais velho. “Depois a Adelpa interveio, devolveu os cinco mil francos CFA do dote, e também paga a minha escola”, contou Bienvienue. Ela contou que seu sonho de ser professora teria sido feito em pedacinhos se tivesse casado. O seu não é um sonho raro na região.
Na aldeia vizinha de Zilling, por exemplo, Nabila, também de 15 anos, conseguiu fugir da casa onde vivia com seu marido. “Meus pais me obrigaram a casar com um homem mais velho há dois anos, quando eu tinha só 13. Vivi na casa desse homem 14 dolorosos dias. Senti com se um espírito maligno me atormentasse e decidi fugir”, contou a jovem.
Mas nesses 14 dias engravidou e agora cria sua filha sozinha. O homem do qual fugiu não apresentou acusações contra ela nem pediu que voltasse para sua casa. “Não posso fazer isso por nada deste mundo”, afirmou categoricamente. O casamento precoce frustrou seus planos de ser enfermeira, e agora Nabila garante que nunca permitirá que sua filha passe por esse trauma. “Farei de tudo para mantê-la na escola. Peço ao governo que proíba o casamento precoce para que as meninas possam ir à escola e se casar depois de terminarem seus estudos”, afirmou.
A Adelpa oferece assistência legal à mãe da adolescente, e um dos diretores, Henri Adjini, afirmou à IPS que a organização paga a escola de 87 adolescentes resgatadas de casamentos precoces. Ele explicou que o casamento infantil era parte da cultura das tribos mafa e kapsiki, que casam suas filhas em troca do dote, pagamento em dinheiro, gado ou diferentes produtos.
Segundo Adjini, “o desejo de fortalecer os laços familiares e as amizades são muito importantes para as pessoas daqui, que acreditam que o conseguem casando suas filhas. Há quem use suas filhas para pagar suas dívidas. O desejo da jovem dificilmente é considerado por aqui”. Casar as filhas é uma estratégia de gerar renda em Camarões, onde quase uma em cada três pessoas, dos 22 milhões de habitantes, é pobre, segundo da Organização das Nações Unidas (ONU).
O Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) indica que há uma relação entre casamento precoce e pobreza nesse país da África central, onde 71% das meninas casadas procedem de famílias pobres. Dados do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) de 2014 revelam que 31% das adolescentes na região Extremo Norte acabam se casando precocemente.
A ministra de Empoderamento de Mulheres e Família, Marie Therese Abean Ondoa, condenou publicamente o casamento infantil dizendo que é “imoral vender as filhas como se fossem uma propriedade”.
O casamento precoce não é patrimônio de Camarões. Muitos outros países da região e do mundo têm situações semelhantes ou piores. Segundo um informe do UNFPA de 2013, duas em cada cinco meninas menores de 18 anos estão casadas na África central e ocidental. O pior país neste sentido é Níger, com 75% de menores casadas, a maior proporção do mundo, seguido por Chade com 72%, e Guiné com 63%.
Como a maioria dos governos da região, o de Camarões não faz muito para proteger as meninas. A idade mínima legal para se casar é 15 anos para meninas e 18 para rapazes. Mas, mesmo nesses casos, o requisito legal para se casar, que é o consentimento das duas partes, raramente é atendido.
A ministra Ondoa ajudou a organizar campanhas de conscientização e colaborou com várias organizações não governamentais, com a comunidade e com líderes religiosos em zonas rurais para educar a população, mas não pôde convencer o governo a elevar a idade mínima legal. Porém, as campanhas dão resultado, e muitas meninas rechaçam as tentativas de suas famílias de entregá-las em casamento em troca de dinheiro, como fez Abba Mairamou.
“Tinha 12 anos quando meu pai me tirou da escola, em 2004, para me oferecer a um amigo como esposa. Me neguei, meu pai ficou com raiva e queria me colocar para fora de casa. Estava desesperada, até que me apresentaram à associação que luta contra a violência contra as mulheres em Maroua”, contou Abba.
“Em seguida convidaram meu pai para uma reunião e o convenceram a opor-se ao casamento precoce e involuntário. Isso mudou nós dois completamente. Não só me neguei a ser vítima de um casamento involuntário como agora luto contra ele”, acrescentou.
Abba formou a Associação para a Autonomia e os Direitos das Meninas, conhecida pela sigla em francês Apad, que procura sensibilizar as adolescentes e seus pais contra o casamento precoce, em seu bairro de Zokkok, em Maroua. “Agora damos abrigo a muitas vítimas de casamentos forçados, e muitas delas se rebelam contra esse costume pernicioso”, ressaltou. Envolverde/IPS