Clima

Mulheres na luta contra a mudança climática

Krystal Cox é uma médica de 32 anos que decidiu se dedicar à fazenda familiar em Santa Lucía. Ela foi testemunha de primeira mão dos efeitos da mudança climática na agricultura, da qual não se fala muito e que requer mais recursos. Foto: Desmond Brown/IPS
Krystal Cox é uma médica de 32 anos que decidiu se dedicar à fazenda familiar em Santa Lucía. Ela foi testemunha de primeira mão dos efeitos da mudança climática na agricultura, da qual não se fala muito e que requer mais recursos. Foto: Desmond Brown/IPS

Por Desmond Brown, da IPS – 

Anse la Raye, Santa Lucía, 4/12/2015 – No Caribe, muitas mulheres estão na frente da luta contra os efeitos da mudança climática. Krystal Cox, médica como seus dois irmãos, decidiu trabalhar na fazenda de seu pai e enfrentar problemas diferentes dos que trata sua profissão. Com 32 anos, sempre viveu na propriedade familiar do oeste da ilha e viu com seus próprios olhos os efeitos da mudança climática, algo que descreve como um “assunto sério” do qual as pessoas não falam o suficiente e que requer mais recursos.

“Este ano houve uma seca muito severa e havia muitos cultivos e nenhuma irrigação na área onde estavam plantados”, contou Cox, que vive em uma zona rural do distrito de Anse La Raye, perto de sua capital de mesmo nome, nessa pequena ilha do Caribe. “Quando nos demos conta da gravidade da seca, fizemos todo o possível para instalar irrigação na fazenda, uma iniciativa muito cara. Me pergunto como fazem os pequenos produtores, pois não podem ficar tanto tempo sem produzir”, afirmou.

Segundo a jovem, “há um rio que corre no limite de nossa propriedade e nunca o vira com um caudal tão baixo, o que é um problema porque não podemos bombear água, que, naturalmente, as pessoas precisam”. “Tive a mente suficientemente aberta para me dedicar à agricultura e sujar as mãos. Faço o mesmo que fazem meus trabalhadores, além de administrar a fazenda”, detalhou.

“Quando comecei, meu pai me disse que eu deveria entender o que viviam os trabalhadores, não só que fosse compreensiva com eles, mas que compreendesse o que o trabalho implicava”, pontuou Cox. “Se uma mulher me diz que não pode carregar uma caixa, mas preciso levá-la para o empacotamento, se não tenho experiência carregando a caixa, não compreenderei porque ela não pode levantá-la. É importante que entenda cada função”, explicou.

“Plantei, colhi batatas e tomates, trabalhei nas estufas e na terra, dirijo meus próprios trator e caminhões, além de fazer entregas nos supermercados”, destacou Cox. “Não podemos comer a menos que plantemos, e gerará muitos inconvenientes, especialmente econômicos, se não se glorificar e se colocar quem trabalha em um ponto de respeito”, observou, acrescentando que cuidará da fazenda quando seu pai se aposentar, mas por enquanto continua aprendendo.

A diretora da Rede de Agricultores do Caribe (CaFAN), Pamela Thomas, afirmou que há recursos econômicos para ajudá-los, mas o acesso a eles pode ser difícil. “Quando um produtor vai pedir empréstimo no banco, ou em outra instituição financeira, primeiro não pode usar sua produção como garantia porque não tem seguro agrário. Então o banco pode pedir que coloque sua propriedade como garantia, o que implica alto risco, porque não é só sua, mas de toda a família”, acrescentou.

A CaFAN, que representa agricultores dos 15 países da Comunidade do Caribe (Caricom), foi criada por organizações agrárias do Caribe em 2002, com o mandato de representar seus membros e criar programas e projetos de desenvolvimento destinados a melhorar o sustento e colaborar com outros atores do setor, além de obter vantagens estratégicas para os agricultores.

Segundo Thomas, as consequências da mudança climática aumentam o gasto dos produtores, mas estes têm sérias dificuldades para conseguir fundos. Além disso, muitos não possuem bons registros, o que complica a situação. “Há opções de financiamento, mas há suas complexidades. É preciso escrever o projeto e redigir informes para conseguir fundos. Quando se trata de filtrar e chegar a um agricultor médio, não acontece”, acrescentou.

A agricultura e o uso da terra são assuntos fundamentais nas negociações da 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC), que acontece em Paris até o dia 11.

A empresária e defensora da justiça de gênero Una May Gordon disse que os efeitos adversos da mudança climática afetam particularmente as mulheres, mas afirmou que suas capacidades e seus conhecimentos únicos sobre gestão ambiental e desenvolvimento podem ser benéficos para os esforços de adaptação. “Não é o que deveria ser, mas o reconhecimento do papel que as mulheres desempenham na adaptação, tanto em nível comunitário quanto na implantação das possibilidades de adaptação, é muito maior”, afirmou à IPS.

“As mulheres, em escala comunitária, provavelmente sejam chefes de família e, como tal, têm mais probabilidades de se encontrar em situação vulnerável diante da mudança climática. Elas são as provedoras, as que alimentam e necessitam ser tratadas como tal”, ressaltou Gordon. “No setor pesqueiro, uma das coisas que pouco se sabe é que as mulheres são muito vulneráveis. São as donas dos barcos, as investidoras, as que possuem os apetrechos, e como os homens são os que adentram ao mar, as pessoas costumam considerá-los mais vulneráveis, mas sem barco nem infraestrutura nem equipamentos não há pesca”, acrescentou.

Para Gordon, o reconhecimento da relação especial entre mulheres e aquecimento global avançou muito, e “as camponesas agora têm voz no discurso sobre mudança climática”. Durante anos, numerosas agências internacionais destacaram que a retórica sobre mudança climática não dava suficiente atenção às mulheres, tanto em projetos locais como nas negociações internacionais, e que elas são incapazes de levantar a voz para expor seus assuntos específicos, apesar de o aquecimento global as afetar de modo diferente em relação aos homens. Envolverde/IPS