Internacional

Mulheres pressionam por lei de cotas

As mulheres expressam seu orgulho nacional na celebração do Dia da Independência da Somalilândia, 18 de maio, em Hargeisa, capital do país. As defensoras dos direitos femininos querem uma lei de cotas, que lhes dará maior participação nos processos de decisão do país. Foto: Katie Riordan/IPS
As mulheres expressam seu orgulho nacional na celebração do Dia da Independência da Somalilândia, 18 de maio, em Hargeisa, capital do país. As defensoras dos direitos femininos querem uma lei de cotas, que lhes dará maior participação nos processos de decisão do país. Foto: Katie Riordan/IPS

Por Katie Riordan, da IPS – 

Hargeisa, Somalilândia, 31/8/2015 – Bar Seed é a única mulher no parlamento da Somalilândia, com 82 legisladores. Mas as defensoras da igualdade de gênero trabalham para que as próximas eleições nacionais ponham fim ao seu isolamento. As ativistas deste país, autoproclamado independente em 18 de maio de 1991, renovam a pressão para conseguir uma cota feminina no governo que tem uma década de criação. “A opinião do público muda”, disse Seed, esperançosa.

Somalilândia, reconhecida pela comunidade internacional como uma região da Somália e não como um Estado autônomo, tem suas próprias eleições e seu presidente. Inclusive costuma ser considerada uma democracia em amadurecimento que evitou a falência do Estado da Somália. Mas é notória a ausência de mulheres nos processos de decisão, em prejuízo do desenvolvimento do território, afirmam as ativistas.

Com Seed como única parlamentar, nenhuma mulher na Câmara dos Anciãos, conhecida como Guurti, e apenas duas ministras e duas vice-ministras, as ativistas argumentam que precisam de uma lei que consagre uma cota política para corrigir a desigualdade de gênero. “Ninguém vai entregar uma bandeja de prata às mulheres”, apontou Edna Adan, ex-ministra das Relações Exteriores da Somalilândia.

“Já não somos tímidas, dizemos: quer meu voto? Faça por merecê-lo”, pontuou Adan, também fundadora do Hospital Universitário Edna Anan, dedicado a questões de gênero como a luta contra a mutilação genital feminina. A ex-ministra testemunha há anos como evoluiu o debate sobre as mulheres no governo e se desenvolveu como um jogo, frequentemente cheio de promessas vazias sobre a designação de mulheres para cargos de poder e de decisão.

A medida de promulgar uma cota da participação política feminina já fracassou duas vezes na legislatura da Somalilânida, uma vez frustrada pelo parlamento e outra obstruída pela Guurti. Mas Adan acredita que a situação amadureceu para que as mulheres façam um último esforço de pressão e consigam uma cota, pois estão mais organizadas e têm uma estratégia melhor.

A iniciativa recebeu críticas de algumas ativistas, que acusam suas promotoras de ficarem com a demanda atual de 10% de cadeiras reservadas, isto é, que as mulheres deverão competir entre si por oito vagas, mas Adan considera que neste momento não é realista um número maior.

Além de promover esta cláusula de 10% em uma lei eleitoral, que o parlamento terá que revisar e debater nos próximos meses, as ativistas também defendem que os partidos políticos estabeleçam suas próprias cotas voluntárias para a lista de candidatos ao parlamento, fora da cota reservada especialmente para as mulheres. Em geral, nos países que promoveram cotas de gênero para impulsionar a participação feminina nos poderes de eleição, o piso é de 30%.

A controvertida decisão de adiar as eleições presidenciais, parlamentares e locais na Somalilândia, adotada em maio, até pelo menos o final de 2016, ou no máximo até primeiro semestre de 2017, não agradou a comunidade internacional e grande parte da sociedade civil, destacando-se organizações que defendem a cota política para as mulheres. Os críticos dizem que o adiamento coloca em dúvida o compromisso da Somalilândia com um processo verdadeiramente democrático.

Mas o tempo adicional pode ser benéfico para as defensoras da cota feminina, pois pode lhes dar alguma margem para forçar os dirigentes a demonstrarem sua adesão à construção de um governo inclusivo, ao se mostrarem favoráveis diante de seu eleitorado e da comunidade internacional a pressionar para que haja mais mulheres no governo. “As mulheres ameaçaram os partidos dizendo que, se não lhes derem apoio, elas tampouco os farão”, destacou Seed, integrante do Partido Waddani, um dos dois opositores que há na Somalilândia.

No entanto, é comum os partidos apoiarem publicamente ideias e mecanismos favoráveis à igualdade de gênero,e depois não agirem de acordo com seus compromissos, ressaltou Seed. De muitas formas não se viram obrigados porque, historicamente, as mulheres não votaram em suas congêneres em termos significativos. “Sabem que, de certo modo, é uma ameaça vazia, mas alguns estão assustados” com a possibilidade de perder votos femininos, acrescentou.

Outro obstáculo que as mulheres enfrentam na Somalilândia é o sistema tribal e de classes, que está profundamente arraigado e que se sobrepõe à política. Para ganhar as eleições, os candidatos necessitam do apoio dos líderes dos clãs que incidem no número de votos de seu grupo, explicou Seed. E como os homens são consideradoscandidatos mais fortes, as mulheres raramente recebem apoio do clã.

A posição das mulheres é única, pois costumam pertencer a dois clãs, o de nascimento e o de seu marido, mas raramente isso significa uma vantagem para elas. “Se uma mulher acaba sendo ministra, os dois clãs dizem que ela pertence a eles, mas, se ela pede ajuda, ambos dizem para pedir ao outro”, lamentou Nura Jamal Hussein, ativista que avalia a possibilidade de apresentar sua candidatura.

A Rede Nagaad, dedicada e empoderar as mulheres política, econômica e socialmente, é a ponta de lança da pressão pela lei de cotas. Sua atual diretora, Nafisa Mohamed, pontuou que será crucial para desafia o status quoconvencer as mulheres, 60% do eleitorado, segundo algumas estimativas, a votar em mulheres. Devido às barreiras culturais e religiosas que as mulheres devem enfrentar, será incrivelmente difícil mudar a situação, acrescentou.

Mohamed conta os pequenos êxitos, como uma mudança na pregação religiosa conservadora que denunciava a presença feminina no âmbito político. Manter um intercâmbio pessoal com os líderes religiosos para conseguir seu apoio teve resultado positivo. Mas o poder da religião moldando a opinião pública é palpável.

Mohamed Ali ocupa uma cadeira no parlamento desde que foi eleito pela primeira vez, em 2005, e é a favor de uma lei de cotas para garantir a presença feminina no Poder Legislativo. Mas, quando foi perguntado se uma mulher poderia chegar à Presidência, respondeu que isso seria contrário ao Corão (o livro sagrado do Islã), uma visão compartilhada por muitos legisladores ouvidos pela IPS. Embora considere duvidoso que possa mudar de opinião, afirmou que, caso defendesse a presença de uma mulher na Presidência, seria acusado de “não conhecer sua religião”.

Os críticos da lei de cotas afirmam que é uma importação do Ocidente e uma medida desnecessária que provoca uma mudança que o país pode não estar disposto a assumir. Outros, inclusive, duvidam que a medida consiga o efeito desejado, de que a maior participação política permeie outros aspectos da vida.

A empresária Amina Farah Arshe acredita que, se houvesse maior interesse pelo empoderamento econômico das mulheres, naturalmente haveria maior representação política. “Odeio as cotas. Quero que as mulheres votem por elas mesmas, sem isso. Mas a situação atual não o permite, por isso precisamos da lei”, afirmou. Envolverde/IPS