Por Diego Arguedas Ortiz, da IPS –
São José, Costa Rica, 5/10/2015 – Vistos durante anos como atores passivos na luta contra o aquecimento do planeta, mais de uma centena de países do Sul global afastaram esse rótulo ao apresentarem suas contribuições nacionais para reduzir as emissões de gases de efeito estufa (GEE) e descarbonizar suas economias.
Segundo especialistas consultados pela IPS, com diferentes níveis de ambição e algumas metas condicionadas ao financiamento internacional, os compromissos das economias em desenvolvimento colocam pressão sobre os grandes emissores do mundo e reforçam o chamado ético de que o fenômeno da mudança climática exige a contribuição de todos os países.
“Vemos uma série de fortes compromissos de países do Sul, apesar de seu pequeno papel na criação desse desafio”, destacou a norte-americana Ellie Johnston, diretora do Projeto Climático Mundial da organização Climate Interactive, especializada no acompanhamento dos compromissos.
Em suas contribuições nacionais, os países do Sul focaram em energias mais limpas, no combate ao desmatamento, na necessidade de novas fontes de financiamento e na formulação de ações de adaptação à mudança climática. No total, 146 governos apresentaram, até a data-limite de 1º de outubro, suas contribuições previstas e determinadas em nível nacional (INDC) para reduzir emissões, enquanto 49 não o fizeram.
As INDC enviadas não bastam para conter a elevação da temperatura em no máximo dois graus centígrados em relação ao período pré-industrial, o teto fixado pelos especialistas para evitar a catástrofe climática. Em sua maioria, os compromissos assumem ações entre 2020 e 2030, para serem incorporados no novo tratado universal e vinculante que deverá ser aprovado na 21ª Conferência das Partes (COP 21) da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática (CMNUCC), que acontecerá em Paris, entre 30 deste mês e 11 de dezembro.
Uma análise da Climate Interactive determinou que as contribuições comprometidas levariam a temperatura do planeta a aumentar 3,5 graus Celsius, enquanto outra estimativa, da rede Climate Action Tracker, calcula o aumento em 2,7 graus. Essa discrepância decorre de diferenças metodológicas, principalmente nas emissões de China e Índia após 2030, as duas potências emergentes que nas duas últimas décadas surgiram, respectivamente, como primeiro e terceiro emissores de GEE do mundo. Em segundo lugar estão os Estados Unidos, em quarto a Rússia, e em quinto o Japão.
“Nossa análise demonstra que são necessárias contribuições mais ambiciosas, tanto no Sul global como no Norte industrializado, para garantir que chegaremos à meta global de dois graus, e esperamos que as negociações na capital francesa criem o marco para que isso aconteça”, apontou Johnston à IPS.
Alguns dos governos mostraram metas ambiciosas e destaca-se a presença de objetivos claros em adaptação, um dos elementos mais importantes para o Sul global, a nova denominação com que se aglutina os países em desenvolvimento e muito diversos de África, América Latina, Caribe e Ásia. Johnston comemorou a apresentação de compromissos das economias emergentes e afirmou que, “devido à disparidade em responsabilidade histórica e à capacidade de tomar decisões”, os países industrializados deveriam melhorar seus compromissos.
A divisão entre países industrializados e aqueles em desenvolvimento é parte básica da CMNUCC, por suas diferentes responsabilidades na criação do fenômeno. Mas, após a COP 21, realizada em Lima, no Peru, em dezembro de 2014, todas as nações se comprometeram a contribuir para conter o aquecimento global mediante as INDC. Na crucial conferência de Paris, os negociadores terão que unir os INDC apresentados por cada país no novo tratado climático vinculante, que entrará em vigor em 2020, com a meta de que a elevação da temperatura não ultrapasse os dois graus Celsius em 2100.
“De uma perspectiva de igualdade e justiça, alguns países vão além do que poderia ser considerada uma contribuição justa, especialmente alguns dos menos avançados, os países em desenvolvimento sem litoral e os pequenos países insulares em desenvolvimento”, pontuou à IPS a sul-africana Tasneem Essop, chefe da delegação do Fundo Mundial da Natureza (WWF) nas negociações climáticas.
Segundo Essop, esses países do Sul global “são apenas menos responsáveis pela mudança climática”, e o problema com as INDC é que, em Lima, onde foram definidas suas pautas, não se fixou padrões claros de como devem ser estabelecidas. Por exemplo, a Costa Rica prometeu limitar suas emissões em 1,19 tonelada por habitante até 2050, quando se aspira que o mundo tenha uma média de emissões de duas toneladas por habitante como teto.
Camarões reduzirá suas emissões em 32%, em relação ao nível que teria em 2035 se mantivesse seu ritmo atual, mas em um objetivo que, como muitos outros países, indica que dependerá de financiamento internacional. Papua Nova-Guiné, um líder histórico no setor florestal, se focará em combater o desmatamento e a mudança de uso do solo, seu principal problema, enquanto o Brasil propõe reduzir, até 2025, de maneira incondicional, suas emissões em 37%, em relação ao nível de 2005, e é um dos poucos países do Sul que apresentou “metas absolutas”.
“O problema que temos, e isso se aplica a todos os INDC, não só para os países do Sul global, é que não foi desenvolvido um marco comum nem padrões comuns. Então fica muito complicado comparar”, apontou Essop. Entre os países que não apresentaram suas metas de contribuição, há alguns com menor capacidade técnica para realizá-la, junto com outros que, segundo especialistas, estão menos motivados a agir. Entre os que estão em falta constam Arábia Saudita, Bolívia, Irã, Malásia, Paquistão, Sudão e Venezuela.
Segundo Essop, os compromissos do Sul global devem ter claro o equilíbrio entre os três primeiros elementos da ação climática e do novo tratado – mitigação, adaptação e meios de implantação –, para os quais os financiamentos interno e externo jogam um papel fundamental. “Uma importante e interessante característica em alguns dos INDC do Sul global é a clareza em termos de quanto o governo pode financiar internamente e quais ações podem ser ampliadas com apoio”, acrescentou a ativista.
Em 2009, as nações industrializadas se comprometeram a entregar US$ 100 bilhões anuais, a partir de 2020, ao Fundo Verde para o Clima, a fim de financiar a luta climática. Mas seu fluxo é muito lento. “O financiamento não será um assunto a ser resolvido até a última noite em Paris”, afirmou a britânica Kat Watts, assessora para políticas climáticas da organização Carbon Market Watch.
Watts ressaltou à IPS que as antigas divisões das negociações climáticas – os países industrializados em Anexo I e Anexo II e os demais em um grupo à parte – estão desmoronando com as INDC e outras ações. Segundo a analista, foi fundamental a coincidência entre a apresentação desses compromissos climáticos e a aprovação da Agenda de Desenvolvimento 2030 e seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), em uma cúpula mundial realizada na sede das Nações Unidas, em Nova York, entre os dia 25 e 27 de setembro.
“Tanto os INDC quanto os ODS ocorrerem este ano significa que existe uma oportunidade real para que cada país considere como planejar seu desenvolvimento, tanto baixo em carbono como resiliente à mudança climática”, enfatizou Watts. Envolverde/IPS