Cidade do Panamá, Panamá, 22/4/2015 – A falta de uma declaração final deixou abandonadas em terra de ninguém as recomendações que a fortalecida sociedade civil latino-americana apresentou de várias maneiras aos 35 governantes do continente durante a VII Cúpula das Américas.
Para ativistas ouvidos pela IPS, é uma incógnita se os Estados acolherão as demandas apresentadas, porque os governos não assinaram, por falta de consenso, o projeto de declaração que, sob o título Mandatos Para a Ação, deveria encerrar o encontro realizado na Cidade do Panamá nos dias 10 e 11 deste mês.
Agora circulam desagregadas pela internet as propostas – algumas com dissensos – que assinaram atores de todo o espectro ideológico em espaços paralelos e alternativos, celebrados na capital que atuou como ponte entre os dois países do Norte industrial (Canadá e Estados Unidos) e as 33 nações do Sul em desenvolvimento do continente.
A cúpula foi histórica porque, pela primeira vez, participaram os 35 países americanos, com a presença, também pela primeira vez, de Cuba e de seu presidente, Raúl Castro, que nesse cenário consagrou com o presidente norte-americano, Barack Obama, o degelo entre os dois países vizinhos, enfrentado há mais de meio século.
Cerca de 800 ativistas participaram em paralelo do Fórum da Sociedade Civil e Atores Sociais, realizado entre os dias 8 e 10 de abril, no Hotel Panamá, enquanto setores que se sentiram “excluídos” e “pouco representados” operaram separadamente em outros dois encontros alternativos à cúpula oficial.
Mais de 3.500 pessoas ser reuniram no Auditório da Universidade do Panamá, entre os dias 9 e 11, na V Cúpula dos Povos. Além disso, 300 líderes originários debateram na V Cúpula dos Povos Indígenas de Abya Yala (América), da qual resultou a declaração Defendendo Nossas Nações.
Apesar de discrepâncias em cada encontro e entre os três espaços, diversas vozes da cidadania, da extrema direita à extrema esquerda radicais, pensaram em como construir um continente mais seguro, economias prósperas sustentáveis e garantir educação gratuita, para erradicar a terrível desigualdade no hemisfério sul.
Também estreou no fórum a sociedade civil cubana, embora no Panamá tenha encenado a persistência do rancor entre grupos pró-governo e antigoverno de Havana, o que criou em certas ocasiões obstáculos ao debate dos ativistas sociais do continente.
As demandas e propostas das declarações finais dos diversos espaços sociais mostraram os avanços e desafios da América Latina, a região que, segundo o Banco Mundial, tem pela primeira vez mais da metade de sua população na classe média (com renda diária de US$ 10 a US$ 50), após uma história de colonizações e ditaduras militares.
“A educação deve ser em valores, corresponsabilidade e de pais de família e da sociedade na formação de um Estado pluricultural e multiétnico”, disse à IPS a mexicana Sofía Martínez, porta-voz das recomendações da comissão de Educação e Cultura do Fórum da Sociedade Civil e Atores Sociais.
O acesso de mais latino-americanos e caribenhos a um sistema de ensino público, universal e gratuito foi uma meta compartilhada pela sociedade civil, sobretudo porque o setor produtivo requer profissionais e técnicos para deixar para trás as economias de produção de matérias-primas e entrar no caminho mais sustentável do conhecimento.
Desta forma puderam se manter fora da pobreza os mais de 70 milhões de pessoas que saíram dessa faixa entre 2000 e 2012, segundo o Banco Mundial, quando a economia regional entrou em perigosa desaceleração.
Por sua vez, o argentino Sebastián Schuff, porta-voz da mesa de segurança social do fórum, declarou que “os governos devem garantir a proteção diante de ameaças crônicas como fome, doenças e violência em todas suas formas, respeitando os princípios de autodeterminação dos povos e sua soberania”.
Nesse sentido, o ativismo exigiu dos Estados “que não morram mais pessoas por violência e falta de atendimento médico” e até propôs “a criação de protocolos e mecanismos que permitam a criação de um banco de DNA regional e contra o tráfico de pessoas”, detalhou o integrante do Movimento Frente Jovem.
“O flanco débil da região é a violência, o crime e a insegurança”, afirma o Informe Regional de Desenvolvimento Humano 2013-2014. Segurança Social Com Rosto Humano: Diagnóstico e Propostas Para a América Latina, cujos dados serviram de base para os debates dos atores sociais durante a cúpula.
O documento, preparado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, avaliou que a América Latina ostenta “democracias mais consolidadas, bem como Estados que assumiram maiores responsabilidades na proteção social”, mas “sofre a pesada carga da violência, com mais de cem mil homicídios registrados por ano”.
As mortes por homicídio apresentam, na região, taxas “com níveis de epidemia”, afirma o documento, acrescentando que “a desigualdade, a falta de mobilidade social e a insegurança puseram um freio ao desenvolvimento humano da região”, que nos últimos 12 anos registrou melhoras em setores como saúde, educação e esperança de vida.
Questões de segurança atravessaram todas as recomendações do fórum, que também exigiu garantia de acesso universal, gratuito e equitativo aos cuidados de saúde, manejo transparente dos recursos, mais acesso a água potável, educação sexual para todas as pessoas, direito a migrar e enfrentar a mudança climática.
O mexicano Pedro Gamboa disse à IPS que espera que a governança dos países se volte ao uso sustentável dos ecossistemas e espécies, em reconhecimento ao “direito humano a um ambiente saudável, em particular dos povos indígenas, das comunidades camponesas e dos afrodescendentes”.
Embora “não podendo produzir os consensos absolutos nas mesas de governabilidade democrática e na de participação da cidadania”, nelas se expressou que, “diante da debilidade do exercício de democracia, pedimos aos Estados o reconhecimento efetivo da sociedade civil e da participação dos cidadãos”, ressaltou Gamboa.
Para isso, foram pedidos melhores marcos legais para proteger a livre independência dos poderes do Estado, garantir a transparência da informação pública, o direito à livre associação, acesso universal à informação e à manifestação pacífica sem detenção, entre outros.
Mais reivindicativa, a Declaração Final da V Cúpula dos Povos pediu a defesa dos “recursos naturais, da biodiversidade, da soberania alimentar, de nossos bens comuns, da mãe terra e dos direitos ancestrais dos povos originários, das conquistas e dos direitos sociais.
O resultado das 15 mesas de trabalho dessa cúpula alternativa insistiu no emprego, trabalho e salário digno, na segurança social, nas pensões, na negociação coletiva, sindicalização, direito de greve, liberdade sindical, saúde ocupacional, erradicação do trabalho infantil e escravo, e “justiça com equidade de gênero”.
Por sua vez, a declaração de Abya Yala pede novamente que se respeite o consentimento livre, prévio e informado dos povos originários em seus territórios. Também cobra a implantação de uma educação multicultural, titulação de territórios indígenas e reformas constitucionais e legais que incluam os 55 milhões de indígenas, entre outras demandas. Envolverde/IPS