Por Desmond Latham, da IPS –
Johannesburgo, África do Sul, 11/8/2016 – Após anos de discussões e debates na África, o movimento para pôr fim à mutilação genital feminina ganhou força com um novo plano de ação, aprovado pelo Parlamento Pan-Africano (PAP) e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), que também procurará acabar com o casamento precoce.
O UNFPA já capacitou cerca de cem mil trabalhadores e trabalhadoras da saúde para atender especificamente as mulheres que tenham sofrido esse tipo de intervenção. Além disso, dezenas de milhares de líderes tradicionais também assinaram chamados contra essa prática.
O acordo, concretizado na primeira semana deste mês, foi a culminação de uma reunião entre as representantes do PAP com funcionários do UNFPA em Johannesburgo, na África do Sul, nos dias 29 e 30 de julho. No início do encontro, o presidente do PAP, Roger Dang, de Camarões, recordou que “o PAP está decidido a ajudar e a fazer parte dos atores que encontram soluções para essa prática. Isso está de acordo com o mandato de defender e promover a igualdade de gênero e das pessoas com deficiências”.
O PAP é o órgão legislativo da União Africana (UA), que conta com 250 representantes dos 50 países que a integram. Em alguns estados africanos, meninas de apenas 11 ou 12 anos são forçadas a casar com homens mais velhos, o que aumentou os problemas de saúde, como câncer de útero, além de numerosas complicações sociais.
A subdiretora regional do UNFPA para a África oriental e austral, Justine Coulson, disse que, se essa tendência atual continuar, o número de meninas menores de 15 anos com filhos aumentará em um milhão, passando de dois para três milhões de mães adolescentes. “Se não fizermos nada, na próxima década haverá 14 milhões de menores de 18 anos casadas a cada ano”, alertou. A estimativa é de que existam, somente na África austral,pelo menos sete milhões de meninas casadas.
O casamento infantil e o parto em meninas gera grandes problemas de saúde, e o painel do PAP também se concentrou na mutilação genital feminina e em como esta expõe cada vez mais mulheres e meninas a doenças sexualmente transmissíveis, como o vírus HIV, causador da aids. Esse risco se deve à utilização de instrumentos contaminados, das hemorragias, que são comuns e exigem transfusões de sangue, e às relações sexuais dolorosas que causam rasgaduras e lesões vaginais.
Em nível global, estima-se que existam cerca de 200 milhões de meninas e mulheres que sofreram algum tipo de mutilação genital. Na África, é uma prática comum em pelo menos 26 dos 43países do continente, com prevalência que vai de 98%, na Somália, a 5%, na República Democrática do Congo.
A participação dos governantes africanos é fundamental para que este último impulso tenha efeito, pois 140 milhões de mulheres e meninas na África subsaariana foram submetidas à mutilação genital. O objetivo da iniciativa é chegar a todas as pessoas, bem como conseguir uma incidência em matéria de legislação e que seja proibida a ablação.
O procedimento altera ou prejudica os órgãos genitais das mulheres ou meninas sem motivos médicos. É uma intervenção que não traz benefícios para a saúde e que pode causar vários problemas, como hemorragias, e, com o tempo, quistos, infecções, complicações no parto e dificuldade para urinar.
Há quatro métodos de mutilação genital feminina. O tipo 1, a clitoridectomia, que implica a extirpação total ou parcial do clitóris. O tipo 2, ou recessão, quando se remove totalmente o clitóris e os lábios menores da vulva. O tipo 3, conhecido como infibulação, consiste no fechamento vaginal mediante sutura. E o tipo 4 inclui todas as outras intervenções danosas como perfuração, cauterização, raspagem e sutura na vagina.
O PAP também acordou trabalhar com o UNFPA para erradicar o casamento precoce de menores de 16 anos. Em junho, essa agência da ONU trabalhou com representantes do Fórum Parlamentar da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), em uma reunião realizada na Suazilândia, onde foi aprovada uma lei-modelo para erradicar o casamento infantil.
Coulson observou que iniciativas como a do SADC começam a apresentar resultados tangíveis. “As meninas e mulheres da África precisam de apoio para acabar com a mutilação genital feminina. Devemos agir agora. Tudo o que é necessário é nossa participação, paixão e dedicação para salvaguardar seus direitos humanos”, destacou no painel realizado na semana passada.
O PAP criou um grupo de trabalho que supervisionará todas as iniciativas legislativas similares. As prioridades se concentram em leis e normas, em envolver a comunidade, mobilizar recursos, gerar consciência e implantar o plano em escalas nacional regional. O presidente do PAP também convidou os homens a se envolverem na luta contra a mutilação genital feminina. “Temos a dupla responsabilidade de defender as meninas contra essa violação de direitos humanos”, ressaltou Dang. Envolverde/IPS