por Stella Paul, da IPS –
Copenhague, Dinamarca, 10/6/2016 – Desde que Tsering Dorji, um agricultor da localidade de Satsam, no Butão, se dedicou ao cultivo de vegetais orgânicos, há quatro anos, a fertilidade da terra e o rendimento de sua propriedade melhoraram consideravelmente, graças ao adubo e aos pesticidas orgânicos. Este homem de 27 anos agora produz, a cada dois meses, cerca de 60 sacas de alimentos excedentes que destina à venda.
Mas, quando chega a temporada de chuvas, ainda perde dezenas de dólares quando precisa transportar seus produtos até mercados que ficam a quilômetros de distância. “As hortaliças, como rabanete, cenoura e pepino, racham com frequência e os tomates ficam amassados quando transportados. Por isso tenho que vendê-los (a preço menor) por cinco a dez rúpias o quilo ou então jogá-los no lixo. É uma época muito difícil para mim”, disse em sua conversa com a IPS.
Seu caso não é o único. Em todo o mundo, mas especialmente nos países em desenvolvimento, a perda e o desperdício de alimentos custam US$ 940 bilhões por ano aos agricultores, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO). Entretanto, o cenário poderia mudar nos próximos anos, graças a um novo mecanismo global chamado Padrão de Contabilidade e Informação sobre Perda e Desperdício de Alimentos, apresentado no quarto Fórum Global de Crescimento Verde, uma conferência realizada em Copenhague, na Dinamarca, nos dias 6 e 7 deste mês.
A conferência, que reuniu governos, investidores, empresas, organizações não governamentais e centros de pesquisa, qualificou o protocolo como um grande “avanço”. A iniciativa é um protocolo que pretende documentar o alcance e os motivos da perda e do desperdício de alimentos em todo o mundo. O novo padrão “reduzirá as perdas econômicas para o consumidor e a indústria alimentícia, aliviará a pressão sobre os recursos naturais e contribuirá para a consecução das ambiciosas metas estabelecidas nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)”, afirmou Christian Jensen, ministro das Relações Exteriores da Dinamarca, na apresentação do protocolo.
O padrão foi desenvolvido conjuntamente pelo Fórum de Bens de Consumo, a FAO, o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma), o Conselho Empresarial Mundial para o Desenvolvimento Sustentável e o Instituto de Recursos Mundiais. Embora as pautas específicas sobre a forma como a norma indicará aos países e às empresas como medir o desperdício de alimentos ainda estejam em processo, o protocolo inclui três elementos.
Primeiro, a norma inclui diferentes definições do desperdício de alimentos que mudam em função do objetivo final de uma entidade. Assim, se um país deseja limitar o problema para combater a insegurança alimentar, essa definição será diferente daquela de um país que pretende frear o desperdício para lidar com a mudança climática.
Em segundo lugar, a norma inclui diversas opções de quantificação, o que permitirá a um país ou a uma empresa com escassos recursos econômicos e técnicos obter uma visão geral de sua perda e seu desperdício de alimentos. Por fim, a norma pretende ser suficientemente flexível para evoluir com o tempo, na medida em que melhorem a compreensão do desperdício de alimentos, os métodos de quantificação e os dados existentes.
A perda e o desperdício de alimentos têm importantes consequências econômicas, sociais e ambientais. Segundo a FAO, um terço dos alimentos produzidos no mundo se perde ao ser transportado do lugar de produção até o de consumo, embora 800 milhões de pessoas continuem desnutridas no planeta. Em resumo, a perda e o desperdício de alimentos agravam a fome. Também consomem aproximadamente um quarto da água destinada à agricultura e utilizam áreas de cultivo do tamanho da China, além de responderem por 8% das emissões globais dos gases-estufa.
A meta 12.3 dos ODS pretende reduzir pela metade o desperdício de alimentos por habitante e limitar as perdas de alimentos até 2030. O protocolo não só ajudará a compreender quanta comida “não chega às nossas bocas como também ajudará a fixar uma linha de base para a ação”, afirmou Achim Steiner, diretor executivo do Pnuma.
O mecanismo também despertou o interesse da maior empresa de alimentos do mundo, a Nestlé. “O que se mede pode ser administrado. Na Nestlé, sem dúvida nos beneficiaremos significativamente, mediante o uso da norma para nos ajudar a abordar nossa própria perda e o desperdício de alimentos”, afirmou Michiel Kernkamp, diretor do mercado nórdico dessa multinacional.
O protocolo pode beneficiar os produtores menores e mais pobres dos países em desenvolvimento, que carecem da tecnologia moderna, da inovação e do financiamento estável, e que estão cercados por múltiplos fatores de vulnerabilidade climática, como inundações, secas, salinidade e outros desastres naturais? “Sim”, afirma Khalid Bomba, diretor-geral da Agência de Transformação Agrária da Etiópia. O protocolo, ao identificar os bolsões de perda de alimentos, pode destacar as áreas que necessitam de uma intervenção urgente, acrescentou.
Segundo Bomba, “as perdas de alimentos ocorrem por uma série de razões, como falta de ferramentas inovadoras, sementes melhoradas, oportunidades de mercado e pela mudança climática. O novo protocolo pode ser uma ferramenta para averiguar quantas perdas ocorrem em decorrência de cada uma dessas razões”. E, “uma vez que os dados sejam coletados, podem ser compartilhados com as ONGs e as comunidades de negócios. Em consequência, podem decidir como e onde querem intervir e quais soluções desejam aplicar”, pontuou.
Porém, alertou que o protocolo não deve ser confundido como uma solução. “Este protocolo em si mesmo não acabará com as perdas de alimentos. Trata-se somente de uma ferramenta para compreender melhor o problema e encontrar a solução adequada”, enfatizou Bomba. Envolverde/IPS