Por Friday Phiri, da IPS –
Mongu, Zâmbia, 13/11/2015 – Hadon Sichali vende pescado há 22 anos, mas só agora se sente um verdadeiro empresário, “porque agora tenho uma renda razoável depois de lutar durante tantos anos”, disse o comerciante de 55 anos, nessa localidade ocidental de Zâmbia. Até se capacitar em técnicas de manejo posterior à captura, Sichali (um dos demitidos pelo Programa de Ajuste Estrutural recomendado pelo Fundo Monetário Internacional nesse país do centro-sul da África), a duras penas, conseguia se manter em seu negócio.
Agora chega a ganhar até US$ 417 por mês, sendo de US$ 58a média mensal anterior. “Durante anos ganhei apenas o suficiente para manter minha família. Mas diria que, desde que me encontrei com o pessoal da WorldFish e CultiAF, reduzi minhas perdas com as técnicas de melhora do manejo posterior à captura, com a conservação no sal. Meu capital aumentou e até me diversifiquei com o negócio de arroz e amendoim”, disse Sichali à IPS.
Esse pescador trabalha com pesquisadores de um novo projeto para limitar a perda do pescado após a captura, com apoio do Fundo Cultivar o Futuro da África (CultiAF), uma iniciativa financiada pelo Centro de Pesquisas para o Desenvolvimento Internacional, do Canadá e pelo Centro Australiano para a Pesquisa Agrícola Internacional.
O projeto, de três anos de duração, pretende melhorar a eficácia, reduzir as perdas e promover maior igualdade entre os homens e as mulheres que trabalham no setor pesqueiro. É dirigido por cientistas do Ministério da Agricultura e Pecuária, pela Universidade de Zâmbia e pela organização internacional WorldFish.
A África subsaariana tem a menor provisão de pescado por pessoa do mundo, e calcula-se que a oferta cairá 20% nas próximas duas décadas. As deficiências no processamento e na gestão são os principais motivos, com perdas de até US$ 5 bilhões por ano.
O manejo mal feito após à captura é um dos motivos da redução no consumo de pescado em Malawi e Zâmbia, mas o problema recebe pouca atenção. Por isso o projeto faz análises da cadeia de valor do pescado, para entender as perdas e as mudanças no valor econômico e no conteúdo de nutrientes, bem como as relações de poder e entre os gêneros.
“Alguns textos indicam que as perdas posteriores à captura são de 30% em todo o país, mas na província ocidental poderia ser um pouco mais”, assegurou Alex Chilala, já que, nessa zona de planície de inundação, os pescadores precisam se deslocar a pé até 25 quilômetros para chegar ao porto depois da pesca.
“A maioria dos que processam e vendem o pescado é de mulheres. E pode-se imaginar o estresse que passam ao caminhar longas distâncias para chegar ao porto. Assim, as intervenções procuram minimizar as perdas nesse processo”, explicou Chilala, destacando que a dimensão de gênero é uma característica fundamental na cadeia de valor que o projeto busca entender e fortalecer. No trabalho com as comunidades pesqueiras da planície de Barotse, em Zâmbia, e do lago Chilwa, no Malawi, os pesquisadores desenvolveram intervenções-piloto para reduzir as perdas identificadas.
Kate Longley, da WorldFish, considera que a pesquisa participativa tem algumas vantagens importantes sobre outros métodos de introdução da tecnologia. “A melhor maneira para as pessoas aprenderem novas tecnologias é testando-as. Em grande parte é um enfoque de aprender-fazendo, pelo qual basicamente lhe damos as ideias e eles as colocam em prática, e depois as adaptam segundo seu contexto local para atender suas necessidades”, explicou.
O líder do projeto, Alexander Shula Kefi, do Departamento de Pesca, concorda. “Sempre é importante as pessoas discutirem os pontos fracos e os pontos fortes das inovações entre si, claro que com orientação dos pesquisadores”, afirmou. Em geral, o pescado na região é preservado mediante técnicas de defumação e secagem ao sol, e apenas pequenas quantidades são vendidas frescas. Entretanto, o pescado processado dessa maneira é muito frágil e acaba prejudicado facilmente durante o transporte, levando à destruição de sua qualidade e de seu valor.
O projeto está testando quatro tecnologias, incluída a secagem em barraca solar, que utiliza uma barraca de campanha com lâminas de plástico. Dessa maneira se protege o pescado do pó e das moscas durante a secagem e se acelera o processo devido às elevadas temperaturas alcançadas. “Os materiais estão disponíveis na região e são baratos”, afirmou o instrutor Robert Lubilo.
Segundo o técnico, outro método com boa recepção entre os moradores do lugar é a salgação, uma técnica antiga que “lamentavelmente é ignorada pela comunidade local. As pessoas aqui na província ocidental não utilizam a salgação, que deixa o pescado firme e aborda o problema da fragmentação” do produto.
Sichali conhece o valor de salgar a produção. “Perdíamos até um quarto de nossas capturas devido à fragilidade durante o transporte, especialmente nas longas distâncias. Mas agora que aprendemos a salgar, o pescado não quebra”, afirmou, visivelmente encantado. Ele, que agora integra uma cooperativa de comerciantes de pescado da região, acredita que as perdas posteriores à captura obrigaram os pescadores a recorrerem a métodos de pesca destrutiva e desacatar a proibição imposta pelo governo à criação de peixes.
Com as duas técnicas restantes, a chamada Choka-Kiun, que usa menos lenha para defumar o pescado, e o uso do gelo, que não é comum, e a fábrica de gelo que logo o setor privado vai inaugurar com apoio do projeto, a comunidade pesqueira de Zâmbia ocidental poderá em breve sair da pobreza. Envolverde/IPS