Por Tharanga Yakupitiyage, da IPS –
Nações Unidas, 1/3/2016 – A erradicação de cultivos dentro da política mundial contra as drogas contribui para a pobreza, a fome e o deslocamento de pessoas, segundo um novo informe da organização Open Society Foundations (OSF), do magnata, investidor e filantropo húngaro-norte-americano George Soros.O documento A Produção de Cultivos de Drogas, a Pobreza e o Desenvolvimentoilustra as consequências geradas desde seu começo, há décadas, pela polêmica “guerra contra as drogas” nos países que as forneciam.
O Informe Mundial Sobre as Drogas de 2014, do Escritório das Nações Unidas Contra a Droga e o Crime (Unodc), em 2013, indica que havia 296.720 hectares de cultivos ilícitos de ópio em todo o planeta, a maior superfície desde 1998, quando começaram a ser feitos esses registros. No Afeganistão, maior produtor mundial de ópio, o cultivo cresceu 36% entre 2012 e 2013.
Julia Baxton, autora do informe da OSF, diz que isso se explica,em parte,pelos benefícios econômicos que as drogas ilícitasgeram. O cultivo de papoula, coca a maconha, que exige poucos insumos e tem alto rendimento, oferece um meio de vida seguro para diversas localidades de baixa renda e vulneráveis, especialmente em países com conflitos de distinta índole, como Afeganistão, Birmânia e México.
O informe cita o especialista político Tom Kramer, do Transnational Institute, com sede em Washington. “Para muitas pessoas nesse país (Birmânia), o ópio não é um problema, é a solução – a maneira pela qual pequenos agricultores aumentam sua renda para comprar sal, arroz, remédios e outros produtos essenciais”, detalhou o especialista.
No Estado birmanense de Shan, os meios de vida de 240 mil famílias dependiam da produção de papoula em meados da década de 2000. No Afeganistão, cada hectare cultivado com a “planta do ópio” gera 5,6 postos de trabalho na economia rural não agrícola.
No entanto, Baxton destacou que a produção de drogas é concebida como uma ameaça “combinada” com migração e terrorismo, o que resulta em políticas que se concentram em sua erradicação. Segundo a Convenção Única de 1961 sobre Entorpecentes, os Estados partes devem proibir, penalizar e destruir os cultivos de drogas, entre elas a coca, a papoula e a maconha.
Desde então, países com os Estados Unidos lidaram com a questão da oferta e do consumo das drogas ilícitas com toda sua força, mediante estratégias militarizadas. “Vimos uma série de programas e iniciativas dedicadas ao desenvolvimento nos Estados e nas comunidades produtoras, mas estas acontecem no contexto da luta contra os narcóticos e não das metas de desenvolvimento, e podem causar mais danos do que bem”, apontou Baxton à IPS.
Em meados da década de 2000, a proibição da produção do ópio e a erradicação dos cultivos deixou 1,2 milhão de pessoas a mercê da fome e da morte. Do mesmo modo, a limpeza de cultivos na Bolívia levou à pobreza e à desnutrição 50 mil famílias no mesmo período.As políticas de erradicação, como a fumigação química dos cultivos e as intervenções militares, também provocaram o deslocamento dos residentes afetados. Na Colômbia, calcula-se que cincomilhões de seus 48 milhões de habitantes tiveram que abandonar suas causas por essa razão. No Laos foram 65 mil as pessoas deslocadas.
No informe, Baxton ressalta que a perda de estabilidade de seus meios de subsistência pode levar as comunidades afetadas a aderirem a grupos insurgentes ou criminosos para receber sua proteção. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), aprovados pela Organização das Nações Unidas (ONU) sem setembro, não incluem a complexidade do cultivo de drogas ilícitas de forma que possam ajudar a resolver o problema, acrescentou.
“Os mais pobres dos pobres continuarão sendo desatendidos pelos grandes compromissos e grandes declarações internacionais”, destacou Baxton. “O atual sistema de fiscalização internacional das drogas permite a violação das obrigações mais básicas dos direitos internacionais e, como tal, é totalmente incompatível com os ODS”, acrescentou.
O informe exorta por uma maior discussão e compreensão do cultivo de drogas em diferentes contextos com base na evidência. Baxton recomenda que se inclua a participação dos agricultores para que possam expressar suas necessidades, bem como a formação de uma comissão internacional de especialistas que explore estratégias alternativas de regulação.
“Cada vez se reconhece mais que os custos da ‘guerra contra as drogas’ para os consumidores são inaceitavelmente altos. Devemos estender de maneira semelhante essas preocupações e considerações aos países que são os fornecedores tradicionais do Sul global”, enfatizou Baxton. Envolverde/IPS