Málaga, Espanha, 16 de fevereiro de 2015 (Terramérica).- “O amianto caía na minha boca, eu cuspia e continuava trabalhando”, contou Francisco Padilla, de 52 anos, exposto durante grande parte de sua vida profissional às fibras desse mineral letal, que lhe provocou um câncer e a extirpação do pulmão esquerdo, da pleura e de parte do diafragma.
Sentado no sofá de sua casa na cidade espanhola de Málaga, Padilla disse ao Terramérica, com os olhos marejados, que sempre cuidou da sua saúde e não fumava. Costumava ir e vir de bicicleta até a oficina onde começou a trabalhar aos 18 anos, até que em maio de 2014 teve diagnosticado mesotelioma, um tumor muito agressivo ligado à exposição profissional ao amianto, que o obrigou a uma radical cirurgia realizada há três meses.
A utilização do amianto, ou asbesto, material incombustível de baixo custo e eficaz como isolante, foi proibido na Espanha em 2002, mas até então era usado de forma geral na construção civil, indústria naval e automobilística, siderurgia e ferrovias, entre outros. Isso levou seus trabalhadores a sofrerem doenças como mesotelioma, câncer de pulmão e asbestose, cujos sintomas demoram entre 20 e 40 anos para surgirem.
“Milhares de pessoas morreram, morrem e morrerão devido ao amianto. É o grande desconhecido e o grande silenciado”, afirmou ao Terramérica o ativista Francisco Puche, da Plataforma Málaga Amianto Zero, para quem a Europa deve estabelecer “um plano seguro para acabar com o amianto”, porque os riscos subsistem apesar das proibições.
Puche apontou para várias caixas de água feitas com fibrocimento no telhado de um prédio de uma praça central de Málaga, e ressaltou que esse material constitui uma “teia” sobre a vida cotidiana da cidade. Continua presente em milhares de quilômetros de tubulações de distribuição de água, edifícios públicos e privados, depósitos, túneis, maquinário, navios e trens, ainda que progressivamente seja substituído por outros.
Puche alertou para o perigo que implica a deterioração e a manipulação das instalações que contêm amianto, conhecido em alguns países como uralita, porque se decompõe em microscópicas e rígidas fibras que, por inalação ou ingestão, se acumulam no organismo.
O asbesto está proibido em 55 países, incluídos os 28 da União Europeia e Argentina, Chile, Honduras e Uruguai, mas no mundo ainda continuam sendo extraídas mais de dois milhões de toneladas anuais, principalmente na China, Índia, Rússia, Brasil e Cazaquistão, segundo dados da não governamental Secretaria Internacional para a Proibição do Amianto.
A cada ano acontecem no mundo 107 mil mortes por câncer de pulmão, asbestose e mesotelioma relacionadas com a exposição profissional ao amianto, segundo a Organização Mundial da Saúde. A OMS calcula que cerca de 125 milhões de pessoas estão em contato com esse material no local de trabalho e atribui vários milhares de outras mortes anuais ao contato por via indireta em casa.
“O problema do amianto mostra a verdadeira face de um sistema que só tem o objetivo de ganhar dinheiro”, pontuou Puche, crítico do “grande negócio” de poderosos lobbies ligados à exploração do mineral e com a “impunidade existente” diante da doença e da morte de trabalhadores na Europa e no mundo.
O milionário suíço Stephan Schmidheiny, ex-presidente do Conselho de Administração da Eternit, uma empresa familiar que instalou projetos de asbesto por todo o planeta durante o século 20, evitou, no dia 19 de novembro do ano passado, uma condenação de 18 anos e o pagamento de quase um milhão de euros a milhares de vítimas, porque um tribunal italiano decidiu que o crime estava prescrito.
“Outro dia soube que morreu de mesotelioma um companheiro já aposentado”, disse ao Terramérica o presidente da Associação de Vítimas do Amianto de Málaga (Avida Málaga), José Antonio Martínez. Muitos trabalhadores falecem sem que tenham reconhecido o caráter trabalhista da enfermidade, o que os priva de seu direito à pensão por invalidez e indenização por danos e prejuízos.
Anabel González, filha de Francisco, um trabalhador da companhia ferroviária estatal Renfe, falecido em 2005 aos 55 anos por mesotelioma, contou ao Terramérica que, após uma “longa luta” junto com sua mãe e “sem nenhuma ajuda e muitos entraves”, conseguiu uma indenização. “Mais importante do que o dinheiro é que nos deram razão”, acrescentou, esclarecendo que isso só aconteceu cinco anos após a morte de seu pai.
Na Espanha e em outros países, as vítimas estão se agrupando em associações para dar informação, se apoiarem mutuamente e exigir justiça. A Avida Málaga surgiu em junho de 2014, tem quase 200 membros e pertence à espanhola Federação de Associações de Afetados pelo Amianto. As vítimas reivindicam a criação de um fundo de compensação para os prejudicados, como os que existem na Bélgica e na França, custeado pelo governo e pelas empresas, já que estas se negam em muitos casos a assumir responsabilidades retroativas.
Por ter sido usado durante décadas em mais de três mil produtos, encanadores, eletricistas, pessoal de demolição de prédios e técnicos de automóveis podem encontrar atualmente amianto em seu trabalho e arriscar sua saúde se não tomarem as devidas precauções.
Padilla, com um filho de 29 anos, ainda espera que confirmem sua pensão por doença profissional e vai reclamar uma indenização. Segundo a lei, tem um ano para fazê-lo, desde que, em maio de 2014, recebeu o diagnóstico de uma doença que consta da lista das que podem ser contraídas no trabalho. Sua empresa reconheceu seu câncer como doença do trabalho sem ele precisar recorrer aos tribunais, um caso pioneiro na Espanha, onde hoje há doentes que morrem sem conseguir justiça.
Depois da quimioterapia prévia à sua complexa operação, Padilla agora passa por radioterapia, acompanhado de sua mulher, Pepi Reyes. O médico sugeriu que ela faça exames médicos porque durante anos manipulou a roupa de trabalho do marido.
A União Europeia adverte em um informe que morrerão, até 2030, meio milhão de pessoas por mesotelioma e câncer de pulmão, produzidos pela exposição ao mineral no trabalho, durante as décadas de 1980 e 1990. O estudo analisa a mortalidade na Alemanha, França, Grã-Bretanha, Holanda, Itália e Suíça.
Francisco Báez, ex-funcionário do grupo transnacional Uralita, na também espanhola cidade de Sevilha, e autor do livro Amianto: Um Genocídio Impune, destacou ao Terramérica o duplo discurso de países que mantêm proscrito o material e fora de suas fronteiras “o promovem e têm participação financeira na implantação e manutenção de indústrias do setor”.
Padilla abre uma janela de sua casa e aponta para o telhado de alguns armazéns mais adiante, feitos de placas onduladas de cimento e amianto. Depois, mostra em seu telefone celular uma foto da grande cicatriz que percorre o lado esquerdo de seu corpo e afirma sentir-se “com sorte” de estar vivo. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.
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