Internacional

O clima por trás de migrações históricas

Devido a fatores demográficos, os países se tornarão mais multiculturais, multiétnicos e multirreligiosos, afirmou William Lacy Swing, diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações. Foto: Manipadma Jena/IPS
Devido a fatores demográficos, os países se tornarão mais multiculturais, multiétnicos e multirreligiosos, afirmou William Lacy Swing, diretor-geral da Organização Internacional para as Migrações. Foto: Manipadma Jena/IPS

por Manipadma Jena, da IPS –

Nairóbi, Quênia, 8/6/2016 – As populações costeiras correm um risco particular, porque o mar se elevará entre 0,36 e 0,73 metro até 2100, com aumento da temperatura global entre 1,1 e 3,1 graus Celsius, o que terá impacto nas áreas baixas por submersão, inundação, erosão ou invasão de água salgada, afirmou o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma).

Porém, mesmo antes de ocorrer uma dessas catástrofes, os 660 milhões a 820 milhões de pessoas que dependem da pesca não terão outra opção a não ser abandonar suas casas, suas ocupações e se mudarem. Talvez sejam em número maior, porque as famílias que dependem da pesca de subsistência já encontram muita dificuldade nessa atividade devido à sobrepesca.

A Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) estima que a pesca ilegal, não declarada e não regulamentada varia entre 11 milhões e 26 milhões de toneladas de pescado ao ano, o que representa entre US$ 10 bilhões e US$ 23 bilhões e esgota as reservas de peixes, eleva os preços e destrói o sustento de muitos pescadores.

A Organização Internacional para as Migrações (OIM) prognostica que haverá cerca de 200 milhões de migrantes ambientais até 2050, se deslocando dentro de seus países ou cruzando fronteiras, de forma permanente ou temporária. O diretor-geral da OIM, William Lacy Swing, conversou com a IPS por ocasião da segunda Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente, realizada entre os dias 23 e 27 de maio em Nairóbi, no Quênia, quando representantes de 174 países debateram sobre a implantação ambiental dos trabalhos que permitirão alcançar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

IPS: Quais outros elementos são responsáveis pela emigração costeira, além das crises ambientais e do esgotamento das reservas de peixes?

WILLIAM LACY SWING: As crises políticas e os desastres naturais são os outros motivos da emigração atualmente. Nunca tivemos emergências humanitárias tão complexas e prolongadas como agora, desde a África ocidental até a Ásia ocidental (Oriente Médio), com poucos lugares nesse meio onde não ocorre algo. Temos 40 milhões de pessoas deslocadas pela força e 20 milhões de refugiados, o maior número de pessoas desarraigadas desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Se somarmos os eventos relacionados com a mudança climática, como o tufão Haiyán, que atingiu as Filipinas em novembro de 2013, e o terremoto do Haiti, em 2010, haverá um grupo adicional. Não sabemos quantos desses desastres naturais estão vinculados ao clima, mas cada vez damos mais atenção à mudança climática. Depois das negociações de Paris, fica mais evidente que devemos prestar atenção às estratégias de adaptação, especialmente em lugares como Bangladesh e as ilhas do Oceano Pacífico, para que as pessoas possam evitá-los e se preparar para eles. O presidente de Kiribati, Anote Tong, disse que o país teme perder cerca de 33 atóis, e já está comprando terras de Fiji para que sua população possa emigrar. Esse é o tipo de medida de adaptação que devemos tomar.

IPS: Como avalia a migração costeira mundial em 2030 e até 2050? Qual o número de populações costeiras deslocadas atualmente? E em quais países se vê os maiores movimentos de pessoas?

WLS: A migração costeira já começou, mas é difícil ser exato, porque não há bons dados para fazer um prognóstico. Não sabemos. Mas claramente será maior no futuro. E acontecerá tanto em ilhas de baixa altitude do Pacífico como do Caribe, e em países onde as pessoas constroem casas perto da costa e sofrem inundações todos os anos, como em Bangladesh. Também temos que prestar atenção aos lugares propensos a terremotos. As autoridades das Filipinas me contaram como se preparam para um grande sismo, que pode ocorrer a qualquer momento. Precisamos ter uma política de adaptação. Quanto mais iniciativas houver, menos mitigação será necessária. Quanto mais nos prepararmos, menos perderemos.

IPS: São denunciados mais conflitos pelo esgotamento de recursos nas comunidades costeiras ou em outros grupos como grandes operadores pesqueiros?

WLS: É claro que teremos cada vez mais e mais conflitos devido à escassez de alimentos e água, situação que será exacerbada pela mudança climática. Certamente, se a faixa costeira sofreu anos de sobrepesca, aparecerão conflitos. Mas, nem só conflitos podem acontecer. Na Indonésia, por exemplo, a OIM realizou um grande esforço para evacuar centenas de pescadores que sofreram anos de escravidão na indústria pesqueira. Com a ajuda do governo, foram libertados, atendidos, e lhes devolvemos uma vida normal.

IPS: Mesmo reconhecendo que as migrações se converteram em um assunto global gravíssimo, a falta de políticas sólidas para enfrentar o problema é atribuída à insuficiência de estudos e dados concretos. Houve alguma melhora a respeito após as crises migratórias de Síria, Oriente Médio e África oriental?

WLS: A OIM empreendeu várias iniciativas para apoiar melhores políticas. Criamos há pouco um Centro Global de Análise de Dados em Berlim. Nos associamos a numerosas agências como Gallop e Unidade de Inteligência Econômica, ramo de pesquisa do Grupo The Economist. E buscamos outros sócios, porque a falta de dados é enorme. Muitos dos dados que temos são irregulares e muitos inadequados, mas já temos o suficiente para saber quais são as forças responsáveis pelas atuais e futuras migrações, inclusive os motores demográficos. Temos uma população que envelhece nos países industrializados, os quais necessitam de trabalhadores com diferentes graus de capacidade, e temos uma enorme população jovem no Sul que precisa de emprego. Nossos prognósticos são que os países se tornarão, inevitavelmente, cada vez mais multiculturais, multiétnicos e multirreligiosos. E isso vai funcionar, as economias se mesclarão e então aparecerá um cenário futuro bastante simples. Porém, o problema é que muitas políticas migratórias nacionais estão desatualizadas, não foram atualizadas em matéria de tecnologia. Assim, continuamos batendo de frente com o problema, quando poderíamos converter as adversidades em oportunidades.

IPS: Quais políticas e ações em matéria de mitigação, adaptação e prevenção os países afetados poderiam adotar? Quais já estão tomando medidas?

WLS: Mesmo sendo difícil identificar países porque são todos membros da OIM, o Canadá, por exemplo, recebeu 25 mil refugiados sírios no começo deste ano. Vários países asiáticos, como a Tailândia, oferecem aos migrantes acesso a serviços públicos gratuitos, porque se os negarem terão que conviver com uma população com problemas de saúde. Há outros exemplos de países que tomam ações proativas, mas é preciso mais. Envolverde/IPS