Internacional

O combate ao HIV/aids na América Latina

Um grupo de crianças cria com algumas tampinhas o laço que simboliza a luta contra a aids, em uma das atividades que se repetem na América Latina para conscientizar a população sobre a doença. Foto: Onusida América Latina
Um grupo de crianças cria com algumas tampinhas o laço que simboliza a luta contra a aids, em uma das atividades que se repetem na América Latina para conscientizar a população sobre a doença. Foto: Onusida América Latina

Por Álvaro Queiruga, da IPS – 

Montevidéu, Uruguai, 15/7/2015 – Os países da América Latina cumpriram, parcialmente e com altos e baixos, o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio (ODM) referente à luta contra o HIV/aids, segundo se depreende do informe que o Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/aids (Onusida) apresentou ontem, dia 14, sobre o estado mundial da epidemia.

“O mundo alcançou as metas para a aids do ODM 6. A epidemia foi detida e revertida”, assegurou o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, no prólogo do informe intitulado Como a Aids Mudou Tudo. ODM6: 15 anos, 15 Lições de Esperança da Resposta à Aids.

Entre os destaques, o informe indica que 47% das pessoas maiores de 15 anos e 54% das crianças menores de 14 anos que vivem com HIV na América Latina receberam terapia antirretroviral no ano passado, uma das maiores coberturas do mundo, cuja média é de 41% para adultos e 32% para meninas e meninos.

Porém, as coberturas latino-americanas podem ser maiores do que 47%, como na Argentina, Brasil, Colômbia, México e Venezuela, os cinco países que concentram mais de 75% dos casos regionais de HIV/aids, ou muito inferiores, como na Bolívia, onde não chega a 25% de cobertura antirretroviral.

O informe apresenta como exemplo a ser seguido um marco regional: a Organização Mundial da Saúde (OMS) avalizou, no dia 30 de junho, Cuba como primeiro país do planeta a eliminar a transmissão de mãe para filho do HIV/aids.

Chile, Costa Rica e Uruguai deverão ser os próximos países da região a conseguir essa validação oficial, possivelmente antes de junho de 2016, segundo o diretor regional da Onusida para a América Latina, o hondurenho César Núñez, em entrevista à IPS, da Cidade do Panamá.

Os especialistas, ativistas e afetados consultados pela IPS concordam que toda luta eficaz contra a epidemia deve se basear em três pilares: prevenção precoce do HIV, cobertura universal do tratamento e redução do estigma e da discriminação que sofrem as pessoas soropositivas e que limita seu acesso aos dois primeiros.

Segundo a Onusida, das pessoas que se estima vivam com o HIV na América Latina, 70% foram diagnosticadas e 47% começaram a terapia antirretroviral. Destas, 66% suprimiram o vírus, ou seja, 28% de todas as pessoas soropositivas na região.

A prevalência do HIV na América Latina chega a 0,4% da população em geral (contra 0,8% em nível mundial), mas essa porcentagem aumenta até 25% ou 30% entre as mulheres trans que se dedicam ao trabalho sexual, a mais de 10% entre homens gays e outros homens que fazem sexo com homens (HSM), e a 6% entre trabalhadoras sexuais.

http://www.ipsnoticias.net/2015/07/america-latina-con-logros-en-lucha-contra-vihsida-pero-dispares/
http://www.ipsnoticias.net/2015/07/america-latina-con-logros-en-lucha-contra-vihsida-pero-dispares/

“O HIV se concentra na comunidade da diversidade sexual, que tem muita dificuldade inclusive para chegar a fazer o exame em um centro de saúde, quando, no melhor dos casos, são estigmatizados ou discriminados na rua ou no próprio centro de saúde, e no pior dos casos, são vítimas de violência física”, pontuou Núñez.

Entre janeiro de 2103 e março de 2014, o Tribunal Interamericano de Direitos Humanos recebeu 770 denúncias de violência (594 assassinatos e 176 ataques graves) porque os responsáveis viam na orientação sexual, na identidade ou na expressão de gênero da vítima uma causa para a agressão. O tribunal recomenda aos Estados que recopilem essas denúncias, a fim de desenvolver políticas de proteção dos direitos humanos da população de lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersexuais (LGBTI).

“As leis de identidade de gênero, de casamento igualitário, de antidiscriminação são claros exemplos de legislação que contribui para reduzir a discriminação e permitem que as populações mais afetadas se aproximem dos sistemas de saúde”, apontou à IPS o argentino Carlos Falistocco, presidente do Grupo de Cooperação Técnica Horizontal da América Latina e do Caribe, que reúne os coordenadores de programas de aids da região.

Núñez reconheceu que a região “conseguiu deter o avanço do HIV, mas ficou um pouco atrasada em reverter a marcha” da epidemia, uma das metas do sexto ODM, que como os outros sete deve se completar este ano, quando serão substituídos pelos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Esse atraso se confirma na quantidade de novas infecções por HIV. Embora tenham caído 13% entre 2000 e 2014, nos últimos cinco anos houve poucas mudanças no número anual de novos casos na região, o que implicaria uma paralisação. Segundo Núñez, “houve uma espécie de relaxamento quanto à resposta. Em alguns casos creio que há a percepção de que isso já não é mais um problema na América Latina, o que não nos permitiu canalizar recursos adicionais ou dar mais prioridade ao diagnóstico de HIV e seu tratamento”.

Maria José Fraga, representante da Rede de Pessoas que Vivem com HIV/aids no Uruguai, concorda com essa opinião. O fato de o HIV “ter se convertido em uma doença crônica, como o diabetes ou a hipertensão, também levou a uma despreocupação social. Hoje praticamente não se fala da epidemia, porque não está presente. E por isso continuam havendo diagnósticos tardios. Não existe uma consciência individual de ir fazer o exame ou de ir ao médico e solicitá-lo”, afirmou à IPS.

Fraga, de 44 anos, há 24 vive com o HIV. Quando recebeu seu diagnóstico, em 1990, “não havia praticamente tratamento”, recordou. “Agora, a evolução foi vertiginosa, porque, em 1995 ou 1996, havia uma grande variedade de medicamentos, naquele momento se esperava mais tempo para se iniciar o tratamento. E as pautas desse tratamento vão mudando conforme vai se conhecendo mais a doença e a evolução das pessoas”, acrescentou.

Juan José Meré, assessor em HIV/aids do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), explicou à IPS que, no caso do Uruguai, “há quase 40% de pessoas diagnosticadas com aids em estágio avançado. Obviamente que podem reverter sua condição, e em geral o fazem, mas a um custo importante de sua própria saúde.

Segundo a Onusida, em pelo menos metade dos países da região, 38% das pessoas que vivem com HIV tinham, quando fizeram o exame pela primeira vez, a doença avançada, que se define por uma contagem de linfócitos CD4, as células essenciais do sistema imunológico, inferior a 200 por milímetro cúbico de sangue.

A OMS e a Onusida recomendam que o tratamento antirretroviral comece quando a pessoa tem contagem de 500 CD4 e ainda é assintomática. “Alguns países, como Brasil e Argentina oferecem o tratamento a toda pessoa diagnosticada independente de seu nível de defesas”, explicou Falistocco.

Que rumo a América Latina deverá tomar no futuro? “Devemos nos basear nessa grande mensagem dada pelo secretário-geral Ban, não deixemos ninguém para trás. Na região podemos avançar muito, sobretudo se garantirmos que as comunidades da diversidade sexual tenham acesso aos serviços em todo o continente”, destacou Núñez.

Os números da Onusida

A epidemia na América Latina se concentra em determinados grupos de população, bem como nas cidades, rotas comerciais e portos. As mortes derivadas da aids na região caíram 29% entre 2005 e 2014, quando morreram 41 mil pessoas por essa enfermidade.

Em 2014, havia 1,7 milhão de pessoas soropositivas nos países latino-americanos, incluindo 33 mil crianças. Do total, 65%, ou 1,1 milhão, eram homens. A principal via de transmissão do vírus é a sexual.

Mais de 75%, das 87 mil novas infecções por HIV registradas na região em 2014, se dividem em ordem descrescente entre Brasil, com cerca de 50% do total, México, Colômbia, Venezuela e Argentina.

Os testes recentes de HIV oscilaram entre 7% no Peru e 100% no Panamá, seguido por El Salvador com 66%. Onze dos 16 países que apresentaram informes estavam abaixo dos 50%.

Menos de duas mil crianças contraíram o HIV em 2014 na América Latina. A alta cobertura da prevenção na transmissão de mãe para filho ajudou a reduzir as novas infecções nessa população. Assim, 79% das 20 mil grávidas soropositivas na região receberam medicamentos antirretrovirais. Envolverde/IPS