Por Mario Osava, da IPS –
Rio de Janeiro, Brasil, 26/4/2016 – A primeira mulher presidente do Brasil, Dilma Rousseff, ameaçada de impeachment pelo parlamento frustrou as esperanças de que uma mulher à frente do poder promoveria um empoderamento das mulheres, especialmente na política.Isso e a discriminação por seu protagonismo em um mundo claramente masculino, como é a política brasileira, não são determinantes de sua provável destituição, mas contribuíram para a deterioração de seu governo, iniciado em 2011 e renovado pela reeleição em 2014.
“As explosões nervosas da presidente”, foi o título do artigo em que a revista Isto É descreveu as supostas reações de uma mulher histérica diante da proximidade de o Senado a submeter a um julgamento político, o que a afastaria do poder dentro de três ou quatro semanas e a destituiria definitivamente em seis meses. Caricaturas que acompanhavam a informação realçavam o suposto desequilíbrio emocional.
Ataques machistas na imprensa, nas redes sociais e cartazes colocados nos carros “ajudaram a desgastar sua imagem e representatividade política”, acusou Joluzia Batista, assessora do Centro Feminista de Estudos e Assessoria, parte do grupo de especialistas entrevistados pela IPS sobre o componente de gênero na crise institucional.“Há um viés de misoginia em parte do discurso contra o governo de Dilma, especialmente do segmento religioso sectário”, que tem líderes no Congresso, afirmou Sonia Correa codiretora do Observatório de Sexualidade e Política, um fórum internacional.
Os ataques sexistas que as mulheres enfrentam na vida política não partem apenas de adversários, “ocorrem também dentro dos partidos”, apontou Fátima Pacheco Jordão, especialista em análise de opinião pública. Ela recordou que a presidente “nomeou muitas ministras, difundindo a ideia de que as mulheres também podem exercer o poder”, e reforçou o combate à violência contra mulheres, aperfeiçoando a legislação.
No entanto, em relação aos direitos reprodutivos “foi um desastre, sufocou o debate sobre a autonomia das mulheres sobre seu corpo, o planejamento familiar e o aborto”, ignorando compromissos assumidos pelo Brasil nas conferências das Nações Unidas dos anos 1990, lamentou Fátima. “No balanço de seu governo, ficou um déficit em políticas públicas para as mulheres”, ressaltou.
“Como primeira presidente do Brasil, causou um impacto simbólico importante na América Latina, mas confirmou que uma mulher no poder não garante políticas progressistas, nem compromisso com a igualdade de gênero”, pontuou Sonia.Seu discurso contra a violência e a pobreza “não foi acompanhado de um esforço para alterar as relações de gênero. Não avançou na oferta de creches nem em direitos sexuais e reprodutivos, pré-condições para uma participação plena das mulheres na esfera pública”, acrescentou.
O Brasil apresenta uma escassa presença feminina no parlamento e na política em geral. É de apenas 10% na Câmara dos Deputados, que no dia 17 decidiu a favor de abrir um processo de impeachment de Dilma Rousseff. Agora, previsivelmente, a medida será ratificada pelo Senado, que nesse caso será o órgão que realizará o julgamento político da presidente e decidirá por seu afastamento, ou não.
Das 51 deputadas, 29 votaram a favor do processo, ou 56,9%, uma proporção insuficiente para aprovar o processo. Porém, dos 513 deputados e deputadas, os opositores conseguiram 71,5% dos votos, superando os 66,7% necessários para aprovar o segundo julgamento político de um presidente na história do Brasil.O primeiro ocorreu em 1992 e destituiu o então presidente Fernando Collor, eleito em 1989.
Para travar ou mesmo retroceder em demandas feministas, como a despenalização do aborto, foram decisivos os programas assinados por Dilma com as diferentes igrejas, especialmente com as novas seitas evangélicas, nas quais predomina um “dogmatismo religioso”, segundo Sonia.Os evangélicos contam com uma grande bancada no Congresso, que compreende o presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha, de forte atuação, tanto em iniciativas legislativas que restringem os direitos femininos, como no processo de impeachment.
Para Sonia, as restrições ao aborto que esses religiosos pretendem impor, como exigência de comprovação médica de estupro para que se permita o aborto em exceção prevista legalmente, “são apenas um pretexto para impulsionar um projeto político” de ampliação do poder das igrejas, baseada em longas discussões com seus dirigentes.
“Foi um grande erro estratégico do governo alargar o campo de alianças políticas a essas religiões, além de não democratizar as comunicações sociais”, observouJoluzia, destacando que os evangélicos controlam numerosas emissoras de rádio e televisão. O discurso conservador ganhou força e misoginia na Câmara dos Deputados quando Marco Feliciano, evangélico, presidiu a Comissão de Direitos Humanos.
Entretanto, Fátima relativiza o risco. O fracasso da primeira presidente “não se deveu ao fato de ser mulher ou a fatores relacionados, e o futuro dependerá dos movimentos sociais que ganham maior importância diante da crise e da esterilização dos partidos”.Por sua vez, Sonia prevê algum aproveitamento político e ideológico por parte dos conservadores, “inimigos da participação política das mulheres”, embora tenham suas líderes. Mas seu grande medo é uma “regressão” da presença feminina no mercado de trabalho.
O demógrafo Eustáquio Diniz Alves, professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas, constatou a reversão da tendência desde 2013. Por mais de 60 anos, a partir de 1950, “as mulheres constituíram a força renovadora do mercado de trabalho brasileiro”, afirmou. A população feminina economicamente ativa aumentou 16 vezes entre 1950 e 2010, enquanto a masculina cresceu 3,6 vezes. Além disso, as mulheres estudaram mais do que os homens, alcançando escolaridade mais elevada.
Mas os dados de emprego, acompanhados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nas seis principais regiões metropolitanas do país, indicam que a crise econômica afetou gravemente as mulheres.Sua taxa de ocupação aumentou de 40% em 2003 para 48% em 2012, representando 7,9 milhões e 11,2 milhões de mulheres ocupadas, respectivamente. A partir de então se inverteu a tendência. Em janeiro de 2016, a taxa voltou para 43% e eram 10,6 milhões de mulheres empregadas.
“A queda começou antes da recessão econômica”, registrada somente a partir de 2014, afirmou o professor. Isso porque mulheres e jovens são os primeiros demitidos quando a atividade desacelera.Essa regressão é muito grave, porque “só uma boa colocação no mercado de trabalho proporciona autonomia e empoderamento às mulheres que já apresentam maior escolaridade. É raro que ocorra quando uma mulher preside o país”, enfatizouEustáquio.
O professor alertou que também significa que se desaproveita o chamado bônus demográfico, época de maior proporção de pessoas em idade ativa do que de crianças e idosos, que deverá ocorrer até 2030. “Desenvolver-se e obter o bem-estar social exige aproveitar esse bônus, como fazem todos os países desenvolvidos”. Envolverde/IPS